Por Luiz Carlos Mendonça de Barros *
A crise mundial em curso tem origem em uma pandemia que obriga os governos a implantar uma quarentena ampla para evitar o colapso do sistema de saúde e, de outro lado, uma recessão econômica profunda provocada pela obrigação de afastamento social. Esta combinação nunca aconteceu na economia globalizada moderna.
A China, acabou mostrando a todos a eficácia da quarentena como instrumento para controlar o número de pessoas atingidas pelo Covid-19. Os demais países acabaram por seguir este caminho na falta de alternativas conhecidas.
Mas se este caminho permitiu certo controle na evolução da crise da saúde pública, na economia trouxe uma interrupção quase total das atividades produtivas, criando ao mesmo tempo um choque negativo de oferta e de demanda em função do colapso da renda dos trabalhadores, empresas e governos.
Aqui, mais uma vez, os números econômicos já conhecidos da China servem como indicador da intensidade da queda da atividade econômica que se segue à quarentena social, bem como, mais à frente, vai mostrar a velocidade e a forma da recuperação que certamente virá. Vou fazer uma linha do tempo da crise até agora, bem como dos possíveis cenários para sua recuperação. Mas gostaria de deixar clara antecipadamente minha posição sobre o melhor comportamento para enfrentarmos os próximos meses, fruto de minha longa experiência como economista, membro de governos passados e empresário;
“Não entre em pânico, pois nem o mundo nem o capitalismo vão acabar agora, embora mudanças importantes deverão acontecer como resultado desta crise”.
Embora, como disse acima, nunca ocorreu no mundo moderno uma crise econômica como esta que estamos vivendo, algumas características podem ser encontradas em momentos semelhantes no passado. Cito duas delas: a crise da Bolsa de Nova York em 1929 e a chamada crise do mercado imobiliário americano em 2008. A partir das lições de como se combater o pânico que toma conta dos agentes econômicos e – através deles – dos mercados financeiros e dos negócios, os governos construíram um protocolo de ações para lidar com os desajustes que ocorrem.
Este protocolo envolve intervenções drásticas dos bancos centrais, para lidar com o pânico financeiro nos mercados, e dos governos centrais para compensar, com recursos fiscais, a queda brutal da demanda privada por bens e serviços. Chama-se keynesianismo, uma forma conjunta de atuação das autoridades governamentais, criada a partir das análises e propostas do economista britânico John Maynard Keynes, com as quais as crises citadas acima foram enfrentadas com êxito.
Esta é a primeira vitória sobre a crise. Vivemos hoje com uma redução evidente do pânico financeiro dos últimos 60 dias no exterior e no Brasil (vejam o gráfico abaixo). E como, na minha opinião, ele não deve voltar a dominar os agentes econômicos, nossa insegurança, a partir de agora, deve-se apenas na forma – intensidade e tempo – de como a recuperação da atividade econômica vai ocorrer a partir do fim da quarentena.
Em relação a evolução da pandemia e do chamado isolamento social, fator que vai definir a intensidade da recessão que vamos viver nos próximos meses, gostaria de dizer o seguinte: Enquanto os mercados financeiros se perdiam no pânico inicial, o quadro da pandemia tomava contornos mais claros a partir das informações coletadas no campo da doença, principalmente na China. Estes dados, coletados e tratados com instrumentos estatísticos, passaram a mostrar um padrão na evolução da doença ao longo do tempo dando aos especialistas condições de fazer projeções, orientar os governos e diminuir o pânico do desconhecido que havia se instalado.
A partir da publicação diária na imprensa da situação em todo o mundo, foi ficando claro que o padrão ocorrido na China poderia ser replicado em todos os países. O que diferenciam as curvas até agora obtidas é, principalmente, a rapidez e a disciplina com que a quarentena foi implantada pelos governos nacionais. Mas mesmo os países que se atrasaram na implantação da separação social, apresentam um padrão para o controle da doença muito semelhante aos da China, da Coréia e outros países menores que já estão adiantados no controle do vírus entre seus cidadãos. O Brasil está ainda um pouco atrasado, muito embora a curva de evolução da doença mostre muito fortemente o mesmo padrão.
Se estiver certo na minha avaliação, a ação pronta dos Bancos Centrais conseguiu acomodar a primeira onda de pânico vinda do mercado financeiro. Nos últimos dias inclusive vem ocorrendo uma recuperação importante dos preços das ações em Wall Street – mais de 20% em relação ao piso de março – e uma postura mais racional no dia a dia das negociações. Mas permanece incerta como será a reação da economia real diante de um quadro de recessão com as características da crise atual: corte brusco da receita das empresas pela ausência de seus funcionários e a queda brutal da renda pessoal dos trabalhadores, criando um vácuo por dois ou três meses sem que ocorra uma destruição física da infraestrutura econômica dos países. Para responder esta questão vamos precisar de um tempo maior de observação. Mas como escrevi acima, sem pânico.
Gráfico do índice de ações S&P da Bolsa de Nova York (Wall Street)
- A linha vermelha mostra a posição no pânico de março
- A linha preta a variação ajustada estatisticamente do índice a partir do número mínimo que chegou
*Luiz Carlos Mendonça de Barros é Presidente do Conselho de Administração da Foton. Já exerceu os cargos de presidente do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, foi Diretor do Banco Central do Brasil e Ministro das Comunicações