Arena de Conteúdo da Automec discute o futuro da reparação veicular -

Arena de Conteúdo da Automec discute o futuro da reparação veicular

Evento teve como destaque a mobilização em torno da pauta ‘Right to Repair’

Lucas Torres

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Quando você pensa nos carros do futuro, qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça? Para boa parte dos expositores e visitantes da Automec 2023, a resposta para essa questão passa diretamente pela reparação veicular.

Isso porque se antigamente o reparo de um automóvel era iniciado por uma observação quase experimental do chamado ‘mecânico’, hoje ela é pautada por equipamentos sofisticados de diagnóstico e a exigência de um conhecimento profundo dos profissionais para operar novidades tecnológicas.

Quem vê a chegada de toda essa digitalização e conectividade ao universo da reparação como uma estrada livre ao ‘progresso’ pode, porém, estar enganado. Afinal, essa tecnologia – criada para acompanhar a complexidade dos novos automóveis – têm  vindo acompanhada de retrocessos no âmbito da liberdade do conserto automotivo.

A questão foi abordada em palestras na Área de Conteúdo da Automec XP, na tarde desta terça-feira – 25/04, e atraiu o interesse dos dirigentes das principais entidades do aftermarket nacional.

O primeiro a tratar do movimento conhecido como ‘Right to Repair’ foi o CEO da Alfatest, Clovis Pedroni Jr. Em apresentação intitulada “As Novas Tecnologias Automotivas, os Impactos na Reparação e o Movimento Right to Repair”, o executivo destacou o avanço dos carros conectados no Brasil e no mundo e detalhou como a ‘nova parafernalha dos automóveis’ tem sido usada pelas montadoras para monopolizar o acesso a informações cruciais no diagnóstico de problemas.

“Aqui no Brasil, a Stellantis instalou uma caixinha chamada ‘Módulo Security Gateaway’ (MGW) com sob a justificativa de diminuir a vulnerabilidade dos automóveis a ataques hackers. Essa caixinha, na prática, impede que os reparadores independentes acessem informações do automóvel e as restringem ao domínio das concessionárias autorizadas”, explicou Pedroni Jr.

Refutando a explicação dada pela montadora cujo guarda-chuva contém marcas como Fiat, Peugeot e Jeep, o palestrante relatou que empresas de equipamentos encontraram soluções criativas para possibilitar o diagnóstico dos automóveis a despeito do MGW – movimento que foi prontamente combatido pela companhia holandesa.

“Desenvolvemos um cabo para conseguirmos acessar essas informações. Como resposta, porém, a Stellantis alterou o local onde colocáva-mos essa ferramenta – com a simples finalidade de dificultar nossa solução. Aí eu pergunto: o que isso tem a ver com o combate a hackers que operam de maneira remota? Foi um atestado de hipocrisia”, sentenciou o CEO da Alfatest.

BOX – Confira os modelos que possuem o MGW no Brasil

Fiat: Toro (2019), Strada (2021), Pulse (2021), Ducato (2021), Fastback (2023)

Jeep: Renegate (2019) Compass (2019, (Comander 2022)

Ao lamentar a atitude dessa e de outras montadoras para dificultar o trabalho das oficinas independentes, Clovis Pedroni Jr. apontou que – caso não seja combatida com uma legislação eficiente – ela negará todos os possíveis benefícios advindos do incremento de peças e sistemas nos automóveis mais modernos.

Segundo ele, carros híbridos e com certo grau de automação exigem novos sistemas como Sistema de Gestão de Bateria (BMS), Sistema de Gerenciamento de Potência, Sistema de Controle do Motor, Freios com regeneração de energia e Controle híbrido, tecnologias que – embora exijam maior capacitação e investimento dos reparadores, se refletiram em um aumento da demanda e do ticket médio dessas empresas.

Para além de uma questão corporativista: o Right to Repair como garantia da cidadania

À primeira vista, a questão do direito ao reparo pode ser observada como uma queda de braços entre a cadeia da reposição automotiva independente e as montadoras de automóveis.

De acordo com a doutora em direito e integrante da comissão nacional de direito tributário do CFOAB, Raquel Alves Preto, porém, olhar a temática com este enquadramento é ignorar o quanto a questão fere diretamente pontos como o direito do consumidor.

Na apresentação denominada “O Direito de Reparar”, a especialista pontuou que, em seu cerne, a questão se trata de uma defesa do direito de escolha dos consumidores que pretendem reparar os produtos que compram.

“Ela fere em cheio o direito ao consumidor e o direito à propriedade, pois mantém nas mãos dos fabricantes o acesso a questões que deveriam ser daquele que comprou o produto. Caso continue como está, a relação comercial poderá ser caracterizada assim: você comprou – é seu, mas não tanto…”, contextualizou Alves Preto.

O impasse sobre a tentativa dos fabricantes em manterem seus controles sobre os produtos mesmo após a venda para impulsionar uma ‘venda casada com suas concessionárias’ já é, segundo a advogada, pauta relevante em diversos países do mundo há pelo menos uma década.

Ela lembra que, em 2012, o estado estadunidense de Massachusetts aprovou a primeira lei específica pelo direito de reparar voltada ao setor automotivo – medida que seguiu se espalhando por diversos territórios dos Estados Unidos e da Europa, tendo originado projetos de lei em 29 estados dos EUA e recomendações diretas de países como França e Alemanha.

“Existe um entendimento de que a falta do direito amplo ao reparo produz danos em três frentes: o dano ao consumidor, o dano ao meio ambiente e o dano econômico. O mundo já discute isso há bastante tempo, nós chegamos atrasados – mas ainda em tempo de solucionarmos a questão”, afirmou a advogada.

BOX – Prejuízo triplo

Ao detalhar cada uma das áreas sobre as quais a falta do Right to Repair incide, Alves Preto apontou:

– Consumidor: retira o direito à propriedade e traz custos adicionais

– Meio Ambiente: reduz a vida útil dos automóveis e limita a contenção de desperdícios de peças e outros produtos avariados

– Economia: retira o princípio da livre concorrência

Aproveitando a presença de líderes do aftermarket nacional, a advogada convocou os presentes a se unirem no esforço de exercer influência junto aos legisladores para a criação de um Projeto de Lei que proíba abusos desta natureza.

Tal convocação foi prontamente atendida pelos membros da Aliança Aftermarket Automotivo Brasil que, com entusiasmo, se reuniram no palco ao fim da palestra que foi classificada por eles como ‘mais um passo rumo à luta por um direito do setor e de todos os brasileiros’.


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