Gostemos ou não, é assim que está posto -

Gostemos ou não, é assim que está posto

O aftermarket automotivo brasileiro está prestes a enfrentar um ciclo que vai resultar na chegada de milhares de peças originárias de até 300 mil veículos sucateados em decorrência das enchentes no Rio Grande do Sul – isso para não falar de peças reaproveitadas de estoques de diferentes perfis de estabelecimentos comerciais

Uma das questões mais controversas para o aftermarket automotivo brasileiro é a regulamentação dos desmontes de veículos. Tanto os que são favoráveis à tese quanto aqueles que se posicionam contrários têm argumentos de sobra para defender suas posições.

A concorrência com as peças usadas sempre existiu, em maior ou menor grau. No começo, os estabelecimentos em que os carros terminavam seus dias eram chamados genericamente de ‘ferrosvelhos’. Me lembro com muita clareza de um deles quase na esquina da minha rua, no bairro do Alto da Lapa, zone oeste da capital paulista, no início da década de 1970. Hoje é absolutamente inimaginável um ferro-velho naquele local, que agora abriga uma elegante pizzaria…

Talvez impulsionados pelo crescimento da frota – que aumentou não apenas o volume de carros sucateados, mas também os furtos e roubos – tais negócios muitas vezes informais foram expandindo tentáculo e ganharam a denominação de ‘desmanches’, passando a ocupar terrenos cada vez maiores.

Não é segredo pra ninguém que em muitos deles os carros subtraídos de seus proprietários por vias criminosas viravam peças de reposição vendidas por preços convidativos. O caos generalizado na operação desses estabelecimentos acabou redundando em projetos de lei – que viraram de fato leis – visando a sua regulamentação.

Em janeiro de 2014, por exemplo, acompanhamos em detalhes a implantação da Lei do Desmonte no estado de São Paulo, promulgada para inibir o roubo de veículos e garantir controle sobre as peças reaproveitadas dos carros sucateados. Na oportunidade, algumas lideranças do aftermarket elogiaram a iniciativa que, em tese, garantiria o acesso do consumidor apenas a produtos de origem legal. Para estes formadores de opinião, a regulamentação era uma notícia positiva, considerando que, gostando ou não, a concorrência dos desmanches estava posta e iria continuar. Por outro lado, a lei também trouxe insatisfação para aqueles que defendiam – e ainda defendem – que é preciso incentivar o uso de peças novas e que, na verdade, tais regulamentações beneficiavam, essencialmente, os lobbies das seguradoras, ávidas por maximizar receitas com o desmonte dos carros dados como perda total. Eram, enfim, estímulos legais a uma concorrência injusta. Mas, afinal, por qual motivo estamos trazendo esse assunto agora para reflexão? Elementar, meu caro Watson.

O aftermarket automotivo brasileiro está prestes a enfrentar um ciclo que vai resultar na chegada de milhares de peças originárias de até 300 mil veículos sucateados em decorrência das enchentes no Rio Grande do Sul – isso para não falar de peças reaproveitadas de estoques de diferentes perfis de estabelecimentos comerciais. No caso dos carros sem possibilidade de recuperação, o desmonte – gostemos ou não, de novo – é absolutamente inevitável.

A única barreira para que essas peças não sejam introduzidas no mercado de forma clandestina é a legislação. No caso, aquela que regula o reaproveitamento desses componentes. É o que mostramos em nossa reportagem de capa. É bastante legítimo ser contrário ao reaproveitamento de peças de veículos – ainda que a agenda ambiental cada vez mais venha a alavancar esse processo. Só que neste momento único que estamos vivendo, gostemos ou não, a lei pode ser nossa tábua de salvação contra um destino ainda pior


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