Setor de varejo e consumo lança manifesto alertando contra perigo das ‘bets’ -

Setor de varejo e consumo lança manifesto alertando contra perigo das ‘bets’

Entidades empresariais alertam para o fato de que gastos com apostas atrai recursos da população, especialmente entre os mais pobres

Após o governo federal publicar uma portaria para apertar o cerco sobre as plataformas eletrônicas de apostas, conhecidas como “bets”, 15 entidades empresariais que representam setores de varejo e consumo divulgaram nesta quinta-feira um manifesto alertando para riscos associados ao crescimento dos gastos dos consumidores em geral com os jogos.

O governo está dando forma final às regras que vão formalizar o setor no país a partir de janeiro de 2025, inclusive com a previsão da cobrança de impostos, aprovada em lei no Congresso no ano passado.

Para as entidades que assinaram o manifesto, as “bets” deveriam estar sob maior regulação e pagar mais tributos, dada a natureza viciante dos jogos de azar. O documento defende restrições à propaganda por parte das plataformas de apostas e elevação da tributação sobre a atividade.

Movimento abaixo do normal

O setor de bares e restaurantes, lojas de moda e redes de franquias têm sentido, no dia a dia dos negócios, que a demanda não está tão pujante quanto poderia, diante do bom momento do mercado de trabalho, com emprego e renda em alta, disseram os líderes empresariais.

O documento — lido no Latam Retail Show, feira de negócios e congresso do setor encerrada nesta quinta-feira, em São Paulo, e divulgado inicialmente pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), uma das entidades signatárias — alerta para o fato de que o crescimento das “bets” atrai “recursos da população dos mais diversos segmentos e faixas etárias”, principalmente “nas classes mais baixas” e entre os mais jovens.

— Isso pode, não só no varejo, mas de forma geral, afetar o jeito como a economia anda — afirmou Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV.

Segundo Paulo Solmucci Jr., presidente da Abrasel, que representa o setor de bares e restaurantes, o consumo das famílias com alimentação fora de casa parece estar abaixo do normal. Ainda mais diante do bom momento do mercado de trabalho, com crescimento do emprego e da renda.

— Historicamente, com a renda melhorando, temos um reflexo bem acima da reação da economia como um todo (no faturamento do setor), o que não está acontecendo — afirmou Solmucci Jr., citando estimativas de que as apostas on-line estariam retirando em torno de R$ 100 bilhões de potencial de consumo da economia.

Problema atinge funcionários

Bares e restaurantes têm sentido efeitos negativos também no relacionamento com seus funcionários. Os empregados do setor são um dos públicos consumidores típicos das bets, disse Solmucci Jr.:

— Os funcionários estão jogando e ficando sem dinheiro, pedindo vale o tempo todo (para os patrões).

Segundo Fabiana Estrela, diretora-executiva da ABF, que representa as empresas que usam o sistema de franchising em seus negócios, nos mais variados setores, a preocupação com a saúde financeira e mental dos funcionários também tem sido frequente entre os associados.

O tema ficou mais frequente nas conversas entre empresários no último mês. Agora, a ABF está estudando oferecer palestras ou fazer campanhas de informações sobre o tema para os funcionários das redes associadas.

— Estamos começando a organizar palestras. Esse volume de preocupação começou há um mês, de maneira mais forte. Já vínhamos acompanhando, mas um mês atrás o assunto entrou na pauta. Não tem um franqueador ou um dia nosso que não tem alguém comentando alguma coisa sobre a preocupação com as “bets”, seja sobre funcionário ou sobre o cliente ou sobre a economia” — afirmou Fabiana, lembrando que as apostas atraem, principalmente, pessoas jovens em idade produtiva.

A preocupação é tanta que a questão do impacto dos gastos com apostas no consumo entrou na pauta de uma reunião de representantes da ABF com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de agosto, segundo a diretora-executiva da entidade.

Cobranças junto ao governo

Além dos alertas, o manifesto cobra algumas medidas por parte do governo, como “impedir de forma imediata o uso do cartão de crédito para pagamento das apostas”, proibição que só entrará em vigor em 2025, conforme a regulamentação definida até agora.

Outra cobrança é “rever a tributação prevista na lei”, de forma que “ela seja mais gravosa na operação de apostas on-line, tanto para a empresa de apostas quanto para o apostador”.

Segundo Gonçalves Filho, do IDV, embora contatos isolados sobre o tema já tenham ocorrido entre as entidades e autoridades do governo, o grupo signatário do manifesto também pretende fazer novas reuniões em conjunto, em Brasília, para cobrar mais regulação sobre as plataformas de aposta:

— O jogo está aí e vai continuar existindo. Precisamos já de regulação forte em todos os aspectos.

Confira o manifesto na íntegra e as entidades que assinam:

“As entidades nacionais que assinam este manifesto representam os mais importantes setores ligados ao consumo, comércio e varejo do Brasil, os maiores empregadores privados do país. E não podem se omitir ante o crescimento dos jogos e de tudo que está relacionado aos seus mecanismos conhecidos como ‘Bets’ ou jogos de apostas eletrônicas.

Eis os principais pontos para reflexão e ação:

  1. Essas modalidades de jogos estão crescendo seu faturamento de forma exponencial, atraindo recursos da população dos mais diversos segmentos e faixas etárias, mas de forma mais marcante nas classes mais baixas e de menor idade, redirecionando renda destinada ao consumo pessoal, inclusive de alimentos;
  2. Esse crescimento também tem atraído recursos direcionados pelos programas Bolsa Família/Auxílio Brasil para as famílias mais carentes e, originalmente, destinados às condições mínimas de sustentação familiar;
  3. O crescimento exponencial dos jogos e apostas traz consequências sérias para famílias e indivíduos pelo componente viciante, criando transtornos mentais e físicos e gerando problemas psicossociais que vão sobrecarregar o já sobrecarregado sistema público de saúde;
  4. O crescimento descontrolado das ‘bets’ gera vício e amplia o vínculo com jogos de azar, gerando comportamento compulsivo – em especial entre os mais jovens e vulneráveis emocionalmente, e com graves implicações psicológicas pelo aumento do endividamento para os apostadores e suas famílias;
  5. O cenário atual já mostra a deterioração das relações pessoais e emocionais, com empregadores públicos e privados tendo que atuar para dar apoio ao crescente número de casos crônicos que afetam o desempenho profissional, e num processo em visível escalada.

Por essas e outras razões, as entidades signatárias se integram e passam a atuar de forma conjunta para:

  1. Promover uma maior e mais ampla sensibilização sobre o potencial de problemas sociais que advirão dessa expansão;
  2. Regulamentar a comunicação publicitária, patrocínios e outras modalidades convencionais ou digitais de estímulo às apostas;
  3. Impedir de forma imediata o uso do cartão de crédito para pagamento das apostas, o que só ocorreria em 2025 pela legislação aprovada;
  4. Impor responsabilidade às empresas de apostas para que se tornem corresponsáveis por tratamentos envolvendo saúde mental e causados pelo vício com jogos nessas modalidades;
  5. Rever a tributação prevista na lei 14.790/2023, de modo que ela seja mais gravosa na operação de apostas on-line, tanto para a empresa de apostas quanto para o apostador.

Existem circunstâncias em que é preciso ir contra a correnteza representada pelo amplo engajamento em prol das apostas eletrônicas, para levar em conta o que é mais importante, saudável e responsável em prol da nação.

Associação Brasileira de Franchising (ABF)

Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos e Serviços para o Varejo (ABIESV)

Associação Brasileira das Indústrias Ópticas (ABIÓPTICA)

Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT)

Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (ABMAPRO)

Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL)

Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX)

Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD)

Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços (AFRAC)

Associação Nacional de Restaurantes (ANR)

Associação Brasileira de Strip Malls (ABMALLS)

Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB)

Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL)

Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV)

Instituto Foodservice Brasil (IFB)


Notícias Relacionadas