Montadoras de carro no Brasil: A história da indústria no país

A história e os futuros desafios das montadoras de carro no Brasil

Indústria automobilística tem ligação estreita com o processo de industrialização do país.
Uma das primeiras montadoras de carro no Brasil foi a alemã Volkswagen, que se instalou no bairro do Ipiranga, em São Paulo (SP), no ano de 1954.
Fábrica da Volkswagen, em São Paulo, no Bairro do Ipiranga (Divulgação/Volkswagen)

Do protecionismo de Getúlio Vargas ao desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, a história das montadoras de carro no Brasil se confunde com a história da transformação de um Brasil majoritariamente rural para uma nação industrializada e de enorme contingente operário urbano.

Desde o ano de 1891, quando o pai da aviação Santos Dumont trouxe da França para o Brasil um modelo Peugeot, os automóveis já circulavam no Brasil.

Eram em sua totalidade – no entanto, veículos vindos do ‘estrangeiro’, como se dizia na época.

À essa altura, no final do século XIX e início do século XX, a economia nacional tinha a veia agrícola como atividade amplamente majoritária – não apenas em termos de resultados e faturamentos, como é o cenário que observamos na atualidade, com o agronegócio funcionando como uma espécie de ‘locomotiva’ que puxa nossos resultados econômicos, sobretudo no âmbito da balança comercial, mas também em termos de volume.

Até 1930, quando o popular e controverso Getúlio Vargas chegou ao comando do executivo nacional, eram raras as fábricas mesmo em cidades como São Paulo.

Esse cenário foi se alterando de forma progressiva durante a chamada ‘Era Vargas’ – já que industrializar o país para abrigar a massa trabalhadora que se formava nas grandes cidades era uma das prioridades do presidente de ideologia trabalhista.

No caso da formação de uma indústria automotiva, porém, faltava o know-how industrial e – principalmente – uma demanda real para que pudesse escoar uma eventual produção local de automóveis.

Essa demanda veio a surgir apenas na década de 1940, quando o então pequeno parque industrial brasileiro foi chamado a produzir autopeças para veículos militares que seriam usados durante da 2ª Guerra Mundial.

Como muitas das inovações tecnológicas que surgiram no século XX, portanto, a horror da guerra global deixou a base para a criação de uma indústria automobilística brasileira como um legado positivo – um paradoxo para um dos episódios mais tristes da história da humanidade.

Logo após o fim da 2ª Guerra, com a tecnologia e o ferramental mais adequados para atender aos moldes da indústria automobilística da época, Vargas aproveitou o ambiente – que incluía ainda a devastação do continente europeu – para agir politicamente em torno da criação de uma indústria local.

Primeiro – em 1951, proibiu a importação de autopeças similares às nacionais. Três anos depois, em 1952, decretou a proibição da importação de veículos completos, já montados, para o Brasil.

A decisão, protecionista por um lado, teve impacto importante no desenvolvimento de um ambiente multinacional que se unia à ideia da criação de uma indústria automotiva robusta alocada em nosso território.

Isso porque, à época, empresas que viriam a se tornar as primeiras montadoras de carros no Brasil já haviam iniciado suas investidas nas terras tupiniquins.

Dois anos antes da proibição de automóveis montados imposta por Vargas, em 1951, a alemã Mercedes-Benz já havia anunciado a intenção de produzir caminhões nas fábricas brasileiras e a italiana Alfa-Romeo recebia autorização do Governo Federal para conveniar-se à Fábrica Nacional de Motores (FNM) para a produção de caminhões.

Além das montadoras europeias, as estadunidenses também iniciavam suas jornadas no país.

No mesmo ano dos importantes passos dados por Mercedes e Alfa-Romeo, a General Motors chegava ao Brasil para a inusitada produção de geladeiras.

Um ano depois, em 1952, fora criada a Willys do Brasil – ação que foi acompanhada logo em seguida pela Ford, que inaugurou sua fábrica de automóveis, caminhões, tratores e chassis para ônibus no bairro do Ipiranga, na capital paulista.

Em 1954, um ano depois de iniciar a montagem de veículos com peças alemãs no país – também no bairro paulistano do Ipiranga, a Volkswagen altera sua razão social para ‘Volkswagen do Brasil’ e anuncia a intenção de construir uma fábrica local.

Estava oficialmente iniciada a era das montadoras de carros no Brasil e estabelecido o modelo da produção de automóveis que até hoje predomina por aqui: empresas de origem internacional que abrem seus negócios por aqui.

Apesar da ‘blueprint’ para a indústria automobilística local ter sido criada e desenvolvida durante o governo Vargas, o setor no país recebeu a marca das digitais de outro histórico presidente da história de nossa república: o desenvolvimentista e agressivo Juscelino Kubitschek.

Ao assumir o executivo nacional em 1956, ‘JK’ – como é até hoje conhecido, empolgou as massas com o compromisso de estimular o ‘progresso’ industrial e tecnológico nacional a um ritmo frenético, ritmo esse traduzido pelo slogan ‘cinquenta anos em dez’.

Nesse contexto, tão marcante quanto a migração da capital nacional do Rio de Janeiro para a planejada e novíssima Brasília foram os incentivo dados pelo presidente para que a indústria automobilística se tornasse elemento e símbolo central de um ‘Brasil desenvolvido’.

Para fazê-lo, JK apostou no GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística) para estimular a fabricação massiva de veículos nas fábricas brasileiras – bem como estabeleceu por definitivo o modelo rodoviário como meio de transporte majoritário da nação.

GEIA foi oásis para montadoras de carros no Brasil nas décadas de 50 e 60

O núcleo de executivos criado por Kubitschek para dar a propulsão necessária para que a indústria automobilística local pudesse dar um salto definitivo – o GEIA, se baseou em um plano agressivo de incentivos fiscais.

Plano este que foi inegavelmente bem-sucedido sob o ponto de vista prático.

Quando assumiu a presidência, a frota nacional mal passava os 800 mil veículos – número que diante da construção da mobilidade urbana nacional em torno do sistema rodoviário se tornava cada vez mais insuficiente para atender às demandas de logística, a partir dos caminhões, e da locomoção individual da população em geral.

O Geia estabeleceu estão as metas ambiciosas de seu plano: um crescimento 90% para caminhões e 95% para automóveis, em peso – durante um período de quatro anos.

A fabricante de autopeças Dana detalhou os efeitos de oásis do GEIA em publicação no seu blog.

Logomarca da Simca do Brasil, uma das montadoras de carros no Brasil que teve projeto aprovado pela GEIA.
Simca foi uma das montadoras com projetos aprovados pelo GEIA

“O plano para fabricar caminhões aprovou seis projetos: FNM, Ford, GM, International, Mercedes-Benz e Scania-Vabis. Na sequência eram aprovados programas para jipes da DKW-Vemag, Land Rover (não concretizado), Toyota e Willys-Overland, depois as peruas Vemag e Volkswagen Kombi e, por último, automóveis FNM (2000 JK), Simca (Chambord), Vemag, VW (sedan, o Fusca) e Willys (Aero e Dauphine). Mesmo antes do plano, porém, algumas empresas se anteciparam à implementação administrada pelo governo”, relatou o blog da Dana.

.Um dos grandes símbolos do período de criação desse parque novo parque industrial composto pelas montadoras de automóveis foi a chamada região do ‘Grande ABC’ – perímetro metropolitano da cidade de São Paulo que abrange os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano.

O simbolismo do ABC paulista foi tanto até meados da década de 1990, que a região chegou a receber o apelido de ‘Detroit brasileira’, em referência à cidade que centralizava a produção de automóveis nos Estados Unidos.

Uma nova e descentralizada era da produção de automóveis se inicia nas vésperas do novo milênio

A fábrica da Ford, em São Bernardo do Campo (SP), que chegou a ser comparada com Detroit, nos Estados Unidos.
A fachada da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP) (Divulgação)

A história da humanidade nos mostra, no entanto, que em todas as oportunidades que determinada região ou povo acumula um quase monopólio do ‘poder’ – esse poder eventualmente irá produzir conflitos dentro de sua própria estrutura, até se tornar vulnerável para a um declínio inevitável.

Assim ocorreu com o ‘Grande ABC‘. EM 1990, a fabricação na Detroit brasileira concentrava a produção paulistana de automóveis quase em sua totalidade – algo extremamente significativo em termos nacionais, já que São Paulo respondia por cerca de 75% de toda a produção brasileira.

Desse período até o cenário divulgado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) – que apontou que São Paulo passou a corresponder por ‘apenas’ 46.6% da população nacional, diversos fenômenos sociais pressionaram a reconfiguração do mapa das montadoras de carro no Brasil.

Dentro desse contexto, a natural organização da grande classe metalúrgica que se formou no ABC deu origem a um movimento sindical bastante influente, o que inevitavelmente aumentou a pressão sobre a operação dessas montadoras.

Pressões por aumentos salariais e outros benefícios trabalhistas foram responsáveis por uma série de greves nas fábricas de automóvel e aumentaram seus custos de produção.

Além dessa organização dos metalúrgicos – fenômeno a partir do qual surgiu para a vida pública o ex-presidente do Brasil Luís Inácio da Silva, o Lula, mais um líder nacional de ligação estreita com a história das montadoras de carro no Brasil, o encarecimento da região quanto a questões como o mercado imobiliário também pressionou a margem de lucro das montadoras.

Era hora de procurar outros berços e – de uma vez, desta também geograficamente – nacionalizar a indústria automotiva local.

As montadoras clássicas do país como Volkswagen, Ford, GM e Fiat se uniram a marcas que buscavam oportunidade no país como Toyota e Honda para buscarem novas regiões que alocassem suas fábricas para produção local.

Para tanto, tal como no governo JK, elas contaram com pacotes de incentivo fiscal nos âmbitos federal, estadual e municipal – se pulverizando Brasil adentro.

A atual configuração do parque de montadoras de carro no Brasil

A planta da Toyota em Sorocaba é uma das mais recentes entre as montadoras que se instalaram no país.
Planta da Toyota em Sorocaba (SP)

Ao final dos anos 90, o movimento de incentivo para a descentralização do parque fabril de produção de automóveis dentro do território nacional – que incluiu, sobretudo, alívios na área tributária, não apenas cumpriu sua missão de tirar o monopólio do ABC, como foi além – reaquecendo o mercado de automóveis canarinho.

No atual momento, o Brasil conta com 20 montadoras de carro em operação – empresas essas que, somadas, possuem 65 fábricas em 11 estados da federação, somando capacidade instalada de 4,5 milhões de automóveis por ano e cerca de 5.5 mil concessionárias.

Entre si, essas montadoras não competem apenas pela demanda e o faturamento pela venda local – mas também utilizam a estrutura fabril nacional para exportar cerca de 22% de sua produção.

Como sonhava Getúlio Vargas, a indústria automobilística brasileira atual cumpre ainda seu papel de ‘nicho empregador do operário urbano’ – empregando aproximadamente 130 mil trabalhadores no território nacional.

Dentro desse escopo plural dos 11 estados abrigadores das montadoras de carro no Brasil, oito localidades se destacam em especial.

No Estado de São Paulo, cidades como Mogi das Cruzes, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Jacareí, São Carlos, São José dos Campos, Indaiatuba, Sorocaba, Sumaré, Iracemápolis, Itirapina, Piracicaba, Porto Feliz e Taubaté recebem montadoras como GM, Mercedes-Benz, Volkswagen, Scania, Toyota, Ford, Chery, Honda e Hyundai.

No Rio de Janeiro, os municípios de Itatiaia, Porto Real e Resende abrigam a Land Rover, a PSA (Citroen e Peugeot), MAN e Nissan.

Ainda no sudeste, em Minas Gerais, as cidades de Betim e Sete Lagoas figuram como casa das montadoras Fiat e Iveco.

Ao sul, no Paraná, a capital Curitiba abriga a Volvo, enquanto Ponta Grossa dá casa à DAF – enquanto São José dos Pinhais acumula Renault, Volkswagen e Audi em seu território.

No estado do Rio Grande do Sul, apenas Gravataí conta com uma montadora – a GM.

Araquari e Joinville são os municípios de Santa Catarina a entrarem no grande mapa das montadoras de carro no Brasil com BMW e GM.

O nordeste tem na Bahia um abrigo para a Ford, na cidade de Camaçari. Enquanto a cidade de Goiana, em Pernambuco, conta com a Ford.

Goiás, único estado do centro-oeste a figurar no democratizado parque fabril da indústria automotiva nacional, tem nas cidades de Anápolis e Catalão as montadoras Caoa, Mitsubishi e Suzuki.

O cenário de alguma prosperidade e muito protagonismo das montadoras de carro no Brasil – e da própria indústria automobilística nacional em si, tem sido desafiado por alterações sensíveis experimentadas pelo conceito de mobilidade urbana.

Conforme as inovações tecnológicas se acumulam e colocam em xeque a sustentabilidade de um modelo de locomoção baseado em automóveis individuais – e até no sistema rodoviário como um todo, as montadoras têm visto aumentar a necessidade de deixar a alcunha que as define como ‘fabricantes de automóveis’ para se tornarem definitivamente ofertantes de mobilidade, no sentido amplo.

Em reportagem publicada no mês de fevereiro pelo Jornal Novo Varejo, por exemplo, a publicação traz exemplos de montadoras que estão acoplando também itens como a locação de veículos e a oferta de serviços de mobilidade compartilhada dentro de seus escopos de negócio.

Quais serão os próximos capítulos das montadoras de carro no Brasil? Com o advento de novas potências industriais, podemos ter novidades nos próximos anos.


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