A que vieram? -

A que vieram?

Promessas de inovação no modelo de comercialização de autopeças para o aftermarket ficaram a desejar.

Por Luiz Sergio Alvarenga*

A indústria da reparação de veículos a exemplo de outros países é formada por micro e pequenas empresas, em sua maioria, de origem familiar, onde a paixão criou um amálgama nos últimos anos com um negócio rentável e de muita responsabilidade, porém, cheio de exigências e desafios. Mesmo estas mais de 100 mil oficinas independentes se abastecendo dos mesmos canais comerciais que encontramos nos Estados Unidos, Europa, América do Sul, ainda encontram muita distância com a reparação de veículos.

Os canais comerciais “originais” onde nos abastecemos com autopeças via montadora e através de suas 4.016 concessionárias de marca, isto sem considerar o segmento agrícola e motocicletas, e o canal de reposição “independente ou livre” como também é conhecido com suas mais de 500 indústrias de autopeças e centenas de distribuidores e varejistas que abastecem e até financiam parte das oficinas, dependendo de seu porte, tem suspirado algum novo modelo, mas que revelam na prática tímida ou nenhuma inovação, ainda não oferecendo um gatilho para destravar este gigante que movimenta mais de 60 bilhões de reais em peças e serviços, conforme último anuário do Sindirepa Nacional – 2019.

Há 21 anos surgia no Brasil um novo modelo de negócio na reposição automotiva, a “Rede Ancora”, que imaginávamos trazer alguma inovação no abastecimento de autopeças, mas o que vimos após estes anos foi a construção de uma rede de cooperação de varejistas de autopeças, que podem ter melhorado ou inovado na sua forma de comprar autopeças, porém, não agregaram valor a venda junto às oficinas independentes.

Não obstante e nesta esteira chegava ao Brasil no ano de 2014 um dos maiores varejistas de autopeças e acessórios de veículos dos Estados Unidos, a norte-americana “AutoZone” com suas mais de 5 mil lojas nos Estados Unidos, México e Porto Rico, onde novamente criou-se no imaginário a vinda de um modelo que fosse revolucionar o abastecimento de autopeças para as oficinas independentes, visto seu reconhecido sucesso na América do Norte, mas para nossa frustração o foco era no consumidor final (dono do veículo), como se o Brasil tivesse intimidade ou histórico com o chamado “Do It Yourself” (faça você mesmo); difícil imaginar que com a alta tecnologia dos veículos alguém em sua sã consciência fosse ou pudesse consertar seu próprio carro, situação inimaginável diante de tantos regramentos legais de meio ambiente, relações de consumo, processos não padronizados de garantias, entre outros desafios de toda a ordem.

Mais recentemente no ano de 2016, o Grupo Advent International, uma private equity (modalidade de fundo de investimento que consiste na compra de ações de empresas que possuam boas faturações monetárias), adquiriu a respeitosa Fortbras e sob esta bandeira adicionou ao seu portfólio inúmeros e reconhecidos varejos regionais, onde logo imaginou-se – como o varejo é muito próximos das oficinas e atua regionalmente, então aqui estaria a verdadeira inovação. Mas passaram-se quase 3 anos e não sentimos qualquer mudança e ainda nos deparamos com os seguintes dizeres no website deste conglomerado, que a razão de existir da Fortbras é “tornar a reparação e manutenção veicular algo fácil, rápido, honesto, transparente,divertido e sustentável para instaladores e consumidores” e não param por aí, completam com a frase “Estar cada vez mais próximo dos clientes é o principal objetivo, oferecendo os principais itens para reposição automotiva de marcas nacionais e estrangeiras com qualidade, agilidade e com atendimento qualificado”.

Tudo isto seria fantástico a exemplo dos outros modelos em que depositamos a esperança de algo novo para o negócio de reparação de veículos, mas não é bem isto que está acontecendo, pelo contrário, pois destacarem as palavras “honesto” como se as oficinas não o fôssem; “rápido”, mas que logística é essa que desconhecemos? Continuamos com as problemáticas de sempre; “divertido”, como considerar divertido dizer que cuidar da vida, da segurança dos donos de carros é algo divertido, pelo contrário, algo muito sério, o que demonstra total desconhecimento do setor. “Sustentável” seria se acompanhasse todo o ciclo de vida do produto que comercializa e fosse solidário com os custos que são todos despejados no elo final que são as oficinas, pois quem realmente joga a embalagem das autopeças no lixo é a oficina. E, por último, colocam como objetivo “estar cada vez mais próximo de instaladores e consumidores” chamam os reparadores de instaladores o que parece um tanto simplista em nosso entendimento.

Ainda mais recente as chamadas plataformas de comércio eletrônico – “e-commerce”, chegaram como solução mágica na comercialização e entrega de autopeças, mas não foi bem assim que aconteceu, pois as oficinas não sentiram que as entregas tenham ficado mais rápidas do que os canais tradicionais oferecem e além disto notamos que sequer estudaram questões relacionadas a padronização de códigos e nomenclaturas das autopeças, processos de garantia, devolução por entrega errada. Este novo canal, ainda sem muita regulamentação abre um novo e perigoso caminho para escoamento de produtos duvidosos, pois sua rastreabilidade e controles ficaram mais vulneráveis, além de fomentar o sistema “faça você mesmo”, ou buscando induzir de forma arriscada os consumidores a comprarem e levarem as autopeças em suas oficinas de confiança , impraticável e de alto risco sem orientação, lembrando que muito do que estamos falando está previsto em legislação, assim como a norma técnica ABNT NBR 15.681 dirigida aos profissionais automotivos e não curiosos e aventureiros, pois reparar ou realizar manutenção em veículos automotores se traduz em cuidar da vida, muito mais que do patrimônio. Vale destacar que o Sindirepa apresentou ao Congresso Nacional Anteprojeto para disciplinar as operações comerciais deste canal.

*Luiz Sergio Alvarenga é diretor executivo da Associação Brasileira Sindirepa Nacional


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