Da euforia à incerteza -

Da euforia à incerteza

2025 chega com paradoxo entre bons resultados e pessimismo macroeconômico

Incerteza é, historicamente, um termo que está sempre presente em algum grau quando o assunto é o ambiente econômico brasileiro. Às vésperas da virada do ano, porém, podemos dizer que a palavra chegará a 2025 com tons mais agudos.

No centro deste contexto está o paradoxo de uma economia que mistura números animadores a uma grande desconfiança por parte do mercado e de algumas autoridades monetárias. Entre os pontos positivos, destaca-se o fato de o PIB nacional ter acumulado alta de 3,3% ao longo dos três primeiros trimestres de 2024 – percentual que, de acordo com os analistas do Boletim Focus, deve ser muito semelhante à marca de fechamento do ano –, bem como uma taxa de desemprego na casa dos 6,4%, a menor da série histórica iniciada em 2012.

Já no que se refere aos aspectos negativos tanto para a população em geral quanto para a atividade produtiva, chamam atenção uma inflação na casa dos 4,8%, bem acima da meta de 3%, taxa de juros de 12,25%, com sinalização de alta significativa no futuro próximo – pode chegar a 14% – e uma desvalorização cambial representada pelas cotações recorde do dólar, no fechamento desta edição bateu em astronômicos R$ 6,30. Ainda no campo das preocupações, vale mencionar o descontentamento do mercado quanto à capacidade do governo de manter a saúde das contas públicas por meio de um plano consistente de equilíbrio fiscal. O pacote apresentado ao Congresso foi considerado pelos analistas insuficiente, para dizer o mínimo.

Achou que os indicadores macroeconômicos são paradoxais? Bom, a situação pode ficar ainda mais complexa quando os cruzamos com números de alguns segmentos da economia – notadamente o varejo, a indústria e o setor automotivo. Definitivamente não é a maneira mais simpática de desejar aos leitores um feliz ano novo. Mas é o que está posto – ao menos neste momento.

Crescimento de emprego e renda garante bom desempenho do varejo

O ano de 2024 começou com grande desconfiança em relação ao comércio varejista. Apesar disso, o setor tem surpreendido e superado com folga os resultados de 2023. De acordo com dados divulgados neste mês de dezembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período de janeiro a outubro o volume de vendas do comércio varejista acumulou alta de 5% em relação ao mesmo período do ano passado, alta esta que, no recorte dos últimos doze meses, ficou na casa dos 4,4%.

Tal desempenho se mantém estável quando considerados os dados do varejo ampliado, que inclui veículos, motos, partes e peças, material de construção e atacado de produtos alimentícios, bebidas e fumo. Neste extrato, a alta do acumulado do ano até outubro ficou na casa dos 4,9%, enquanto o crescimento do recorte de 12 meses atingiu 4,3%. Vale pontuar ainda que, em outubro, na divulgação oficial mais recente do IBGE, o crescimento das vendas foi praticamente unânime em todo o território brasileiro.

No varejo restrito, 19 das 27 unidades da federação tiveram crescimento, enquanto que no varejo ampliado, o número de unidades com desempenho positivo foi de 22 – veja nesta edição matéria com as informações completas. De acordo com o responsável pela Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do instituto, Cristiano Santos, o desempenho do setor varejista brasileiro em 2024 caminha para superar os resultados obtidos em 2023.

Tamanha pujança do setor, a despeito da desconfiança em relação à conjuntura econômica e de uma inflação acima da meta, se dá – de acordo com especialistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – por uma relação direta entre o aquecimento do mercado de trabalho e o aumento da renda média da população, esta última impulsionada ainda pelo avanço dos programas de transferência de renda que têm mantido as condições das famílias comprarem itens básicos como alimentos e remédios.

Setor industrial deve dobrar o crescimento em relação a 2023

Para aqueles que torcem o nariz para o desempenho do varejo por apontá-lo como um sinal de aposta sobrevalorizada na chamada ‘economia do consumo’, aqui vai um dado intrigante: a indústria brasileira também deve fechar o ano em alta.

No último dia 10 de dezembro, o Secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Uallace Moreira, apontou que o setor deve fechar 2024 com uma alta superior à previsão inicial de 3% e dobrar o avanço de 1,6% alcançado em 2023. Na avaliação do executivo, os principais motivos para os indicadores positivos são a alta da geração de empregos no setor, bem como os resultados já gerados pelo anúncio do Programa Nova Indústria Brasil (NIB) realizado em janeiro deste ano e que, segundo ele, marcou uma nova fase industrial no país, iniciando um ciclo de ‘neoindustrialização’.

Na mesma linha do integrante do atual governo, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, afirma que o NIB tem sido essencial para o ano positivo do setor, dando novo fôlego às empresas e as engajando em agendas como a inovação e a descarbonização.

Em entrevista de encerramento do ano, Anfavea comemora resultados e projeta continuidade em 2025

No último dia 12 de dezembro, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) concedeu uma coletiva para consolidar os resultados do setor no ano de 2024. Em clima de comemoração, a entidade destacou o fato de o mercado automotivo brasileiro ter registrado o seu maior crescimento desde 2007, com um aumento de 15% nos registros e o maior ciclo de investimentos da história – ultrapassando a cifra de R$ 180 bilhões, bem como a geração de 100 mil novos empregos.

Tão ou mais relevante que os números, segundo a Anfavea, foi o fato de o setor tê-los alcançado a despeito de desafios significativos ao longo do ano – como enchentes, greves e problemas de abastecimento. Entre os destaques apontados ao longo do calendário bem-sucedido, estiveram a transição tecnológica, com crescimento significativo de modais como carros elétricos, híbridos e híbridos plug-in, bem como a mudança na dinâmica da balança do setor, sobretudo pela consolidação dos veículos chineses como a principal fonte de importação do país.

Sobre este último ponto, aliás, o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, apontou diversas vezes para uma preocupação, chamando de ‘perigoso’ o crescimento das importações de veículos produzidos em países asiáticos – à medida que, segundo ele, estes movimento pode causar quedas em empregos e afastar investimento das montadoras já estabelecidas no país..

No âmbito das projeções, a Anfavea indicou que, em 2025, as vendas do mercado automotivo no país devem ter um crescimento de 5,6%, com a possibilidade de atingir a marca de 3 milhões de unidades caso as taxas de juros baixem e o marco de garantias amplie a oferta de crédito.

Apesar disso, o setor segue com desafios históricos da conjuntura nacional, tais como ineficiências logísticas, incluindo atrasos nos portos e custos elevados, o imposto de importação IOF e os encargos trabalhistas.

Lideranças do aftermarket automotivo elegem os principais temas do setor em 2024 e projetam os destaques de 2025

Para traduzir a realidade do aftermarket brasileiro ao longo deste ano e oferecer certo grau de previsibilidade sobre o que vem pela frente a partir da virada do calendário, convidamos algumas das principais lideranças do setor. Participaram da roda de conversa Ranieri Leitão (Presidente do Sincopeças Brasil), Antonio Fiola (Presidente do Sindirepa Nacional), Heber Carvalho (Presidente do Sincopeças-SP) e Renato Fonseca (Presidente da Anfape). Também foram convidados os presidentes da Andap, Rodrigo Carneiro, e do Sicap, Alcides Acerbi Neto, que não puderam responder até a data de fechamento desta edição.

Novo Varejo – Qual foi a principal pauta que marcou o aftermarket automotivo em 2024?

Ranieri Leitão – Em 2024, o aftermarket automotivo foi fortemente marcado pela importância da mobilidade de baixo carbono e pela busca por práticas mais sustentáveis, reforçando a necessidade de adaptação do setor às novas exigências globais. Discussões estratégicas e eventos importantes, como a AUTOP 2024 e o Fórum de Integração do Aftermarket Automotivo Brasil, evidenciaram o papel fundamental das empresas na descarbonização e no desenvolvimento de uma mobilidade mais eficiente e moderna. Outro tema que ganhou relevância foi a falta de mão de obra qualificada, desafio que já se apresentou como um gargalo crítico e que se intensificou em 2024. A transformação tecnológica do setor exige cada vez mais profissionais preparados e comprometidos. Como resposta a essa realidade, criamos no Ceará – através do Sistema Sincopeças, Assopeças, Assomotos o Instituto Autop, com o propósito de capacitar técnicos profissionais e formar cidadãos alinhados às necessidades do nosso mercado – ação que poderá ecoar em todo o território nacional. A educação e a requalificação profissional tornaram-se pilares fundamentais para acompanhar a evolução do setor e garantir um futuro sustentável e competitivo.

Antonio Fiola – O fortalecimento da Aliança do Aftermarket Automotivo Brasil que reúne a Andap, Sincopeças Brasil, Conarem, Anfape, Asdap e Afer, entidades legitimamente representativas do mercado de reposição automotiva brasileira, reconhecidamente o quarto maior mercado do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão. Tivemos um número relevante de parcerias realizadas e a mobilização para que o movimento do Right to Repair ganhe força se torne legislação no Brasil, assim como já acontece em outros países. 

Também tivemos representatividade em eventos internacionais, como Automechanika, em Frankfurt, na Alemanha, e APEX, em Las Vegas, nos Estados Unidos. Essa troca é muito muito importante e muito enriquecedora para avançarmos com questões relevantes para o desenvolvimento do aftermarket brasileiro.

Heber Carvalho – O que ficou em evidência foi a elevação da idade da frota automotiva, que obteve expressivo aumento por falta da comercialização de veículos novos. Consequentemente, registramos a expansão das vendas dos seminovos e o crescimento do fluxo da manutenção desses veículos, criando uma oportunidade significativa para o setor varejista de reposição e oficinas de manutenção e reparação automotiva.

Renato Fonseca – No mercado brasileiro de reposição, a principal pauta em 2024 foi o fortalecimento das cadeias de suprimentos locais e a consolidação da Aliança do Aftermarket Automotivo do Brasil. Essa união das entidades representativas dos diversos elos da cadeia tem sido crucial para promover interesses comuns, especialmente no que tange ao Right to Repair, o Direito de Reparar dos proprietários de veículos. Essa iniciativa visa a garantir que consumidores e reparadores tenham acesso a informações técnicas, peças de reposição e software, aumentando a competitividade e impulsionando o mercado de reposição. Além disso, com as interrupções nas cadeias globais causadas por eventos recentes, empresas brasileiras do setor se concentraram em aumentar a produção nacional e estabelecer parcerias estratégicas locais para garantir a continuidade do fornecimento. Esse movimento foi também impulsionado pelo crescimento do mercado interno, com uma demanda crescente por veículos mais antigos que exigem manutenção constante.

Novo Varejo – Olhando para 2025, quais devem ser os principais desafios e oportunidades para as empresas do setor?

Ranieri Leitão – Para 2025, o setor automotivo continuará num cenário de transformação, enfrentando desafios estruturais e explorando oportunidades estratégicas. Os principais pontos de atenção incluem:

1.      Escassez de Mão de Obra Qualificada: A falta de profissionais preparados continuará sendo um dos maiores desafios do setor. Será essencial investir em capacitação técnica e contínua, fornecendo talentos para atender às demandas crescentes de uma frota mais moderna e tecnológica.

2.      Adaptação ao Novo Perfil da Frota: A eletrificação, a hibridização e a modernização dos veículos exigem que as empresas ofereçam soluções técnicas e operacionais para acompanhar essa nova realidade.

3.      Inovação Tecnológica: A digitalização e o uso de ferramentas como Inteligência Artificial e Automação se consolidarão como diferenciais competitivos. As empresas que investem em inovação terão mais eficiência operacional e serão melhor posicionadas no mercado.

4.      Sustentabilidade: O compromisso com práticas seguras e alinhadas às metas globais de redução de emissões criará oportunidades para empresas que desenvolverem soluções responsáveis e eficientes.

5.      Consolidação e Eficiência Operacional: O cenário econômico exigirá mais eficiência nos processos e a criação de parcerias estratégicas para fortalecer a competitividade.

Antonio Fiola – O acesso às informações técnicas para a realização dos reparos é um ponto muito preocupante e que interfere diretamente nas atividades das oficinas, por isso trabalhamos para que o Right to Repair se torne uma legislação e capacitação técnica dos profissionais é outro desafio, principalmente, falando de manutenção de híbridos e elétricos.

Heber Carvalho – Os desafios sempre são as expectativas com os novos modelos que em pouco tempo chegarão ao nosso setor. As oportunidades surgirão para aqueles que preservam a qualidade das peças e suas origens. E, no caso do reparador, com maior qualidade dos serviços prestados.

Renato Fonseca – Para 2025, um dos principais desafios será lidar com a volatilidade econômica e as flutuações cambiais que impactam o custo das peças e insumos importados. Além disso, a informalidade no setor continua sendo uma barreira para o crescimento sustentável. Outro desafio crucial será avançar na garantia dos direitos de reparação do consumidor (Right to Repair), assegurando que os consumidores tenham acesso a informações técnicas, peças e softwares necessários para realizar reparos de maneira acessível e eficaz. No entanto, existem grandes oportunidades, como a expansão da digitalização nos processos de venda e distribuição. As plataformas online estão se tornando cada vez mais importantes para alcançar clientes em todo o País. Além disso, com a crescente conscientização ambiental, há espaço para o desenvolvimento e a oferta de produtos mais sustentáveis e recicláveis. As empresas que investirem em tecnologia e inovação estarão em melhor posição para capturar essas oportunidades.


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