Aftermarket independente pressiona Comissão Europeia pelo direito à reparação -

Aftermarket independente pressiona Comissão Europeia pelo direito à reparação

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, debate em prol do Right to Repair pode ser apreciado na esfera legislativa

Claudio Milan

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A demora na elaboração de uma lei que proporcione o acesso do mercado independente às informações dos veículos necessárias para a realização dos serviços de manutenção tem irritado as lideranças do aftermarket automotivo na União Europeia.

O grupo de Provedores de Serviços Independentes (Independent Service Providers – ISP) recentemente encaminhou uma carta à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e ao Colégio de Comissários solicitando o fim dos sucessivos atrasos na criação de uma proposta de legislação que garanta ao setor o acesso a dados, funções e recursos no veículo.
“A Comissão se comprometeu a antecipar o acesso à legislação de dados veiculares em dezembro de 2020 até o final de 2021. Agora estamos em 2023 e a proposta foi adiada mais uma vez. Apesar de seis anos de meticulosa coleta de evidências pela Comissão e planos de política estratégica anteriores, a grande maioria do setor é deixada no limbo e as decisões de investimento são adiadas diante de substanciais barreiras de mercado que beneficiam apenas um segmento de um mercado potencialmente enorme. Incitamos a presidente da Comissão a retomar este processo. Esta legislação é vital para desbloquear o mercado do setor automotivo e de serviços de mobilidade. Quase todos os europeus usam alguma forma de mobilidade todos os dias e devem poder aproveitar os benefícios da inovação, escolha e acessibilidade baseadas em dados no ecossistema automotivo e de mobilidade. Hoje não podem. A Comissão deve corrigir isso”, cobra a ISP no documento. São signatárias da carta as entidades de representação do aftermarket na Europa ADPA, AIRC, CECRA, CLEPA, EGEA, ETRMA, FIA, FIGIEFA, Insurance Europe e Leaseurope.

Right to Repair patina na Justiça e aftermarket espera solução legislativa nos Estados Unidos


O debate sobre o direito à reparação não é novo nos Estados Unidos e vem sofrendo uma reviravolta com o surgimento dos carros conectados. Ao longo do tempo, algumas unidades federativas têm saído na frente para encontrar soluções que favoreçam o acesso do aftermarket independente às informações necessárias para a manutenção dos veículos. Como sabemos, os estados por lá gozam de grande autonomia na criação e aplicação de leis próprias.
A Califórnia foi pioneira na regulamentação, ainda em 1966, dos primeiros limites de emissão de poluentes por parte dos veículos. Foi também o estado que tonou obrigatório o conector OBD-II nos automóveis, medida que foi imediatamente estendida para todo o país.
A existência do OBD-II tornou possível a criação, em 2000, da Lei do Ar Limpo no estado, que buscava equilibrar a concorrência entre oficinas independentes e concessionárias a partir do acesso às informações técnicas necessárias à reparação dos veículos. “Para prevenir a poluição desnecessária, é do interesse deste estado garantir que a capacidade dos motoristas da Califórnia de obter serviço, reparo ou substituição de produtos defeituosos relacionados a emissões
componentes de seus veículos motorizados não seja limitada pela retenção arbitrária de informações de serviço, reparo ou peças por fabricantes de veículos motorizados, o que
pode resultar em reparos impróprios e desnecessariamente caros que também poderiam colocar em risco o público e resultar em concorrência anticompetitiva, efeitos prejudiciais aos melhores interesses do Estado”, dizia o texto legislativo. Já na época houve forte reação por parte das concessionárias ao direito de reparar do mercado independente garantido pela lei.
Avançando no tempo, em 2012 montadoras e lideranças do aftermarket do estado de Massachusetts acordaram que os fabricantes dos veículos concederiam às oficinas independentes, por um preço razoável, o mesmo acesso aos dados técnicos dos veículos que proporcionavam às concessionárias.
Só que de lá pra cá apareceu uma pedra no caminho: o carro conectado. Se no tempo do OBD-II as informações ficavam armazenadas no próprio veículo, agora elas são transmitidas por Wi-Fi para a nuvem das montadoras. E mais: não contemplam apenas conteúdo técnico sobre o funcionamento do carro, mas todos os dados gerados pelo motorista durante a utilização do veículo, como, por exemplo, sua localização – e, como tem sido dito, hoje não existe nada tão valioso do que estes dados. Desnecessário acrescentar que, por óbvio, o entendimento firmado em 2012 não trazia qualquer consideração sobre os dados armazenados em nuvem. O impasse foi parar na Justiça e, como costumamos dizer aqui no Brasil, um juiz “sentou” em cima do processo, que não saiu mais do lugar.
A esperança das entidades do aftermarket independente norte-americano agora é fazer com que o debate evolua na esfera legislativa federal, o que representaria um grande avanço para o movimento Right to Repair. Recentemente, um comitê bipartidário foi constituído a fim de elaborar uma espécie de manual sobre a privacidade dos dados gerados pelo veículo. Feito isso, espera-se que a questão seja debatida pelo poder legislativo ou, na pior das hipóteses, possa resultar em um acordo com abrangência em todos os 50 estados do país. O que as entidades do aftermarket sabem, por enquanto, é que qualquer que seja a conclusão, a discussão pode voltar à Justiça e se arrastar ainda por muito tempo.


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