Ambiente instável força empresário brasileiro a ter perfil mais 'improvisador' -

Ambiente instável força empresário brasileiro a ter perfil mais ‘improvisador’

Coordenador de cursos de pós-graduação da FIA reflete sobre pesquisa que traçou perfil predominante do empreendedor no país

Lucas Torres [email protected]

Alguém com mais facilidade para resolver problemas imediatos e enfrentar os desafios com muita coragem e improviso do que para planejar. De acordo com estudo divulgado pela Febracis Escola de Negócios, junto a mais de 47 mil gestores e empreendedores em todas as regiões do país, este é o perfil predominante no universo do empresariado nacional. Ao levantar o perfil comportamental dessas pessoas, o trabalho concluiu que: 58,6% da amostra possui maior facilidade para solucionar problemas e que 58,5% enxerga a capacidade de incentivar pessoas como seu ponto forte. Em contrapartida, apenas 39,13% se identificam como metódicos e estáveis, enquanto 32,11% acham que são detalhistas e organizados. Segundo o coordenador de cursos de pós-graduação da Fundação Instituto de Administração (FIA), Ivan Rizzo, este cenário é fruto direto do ambiente de negócios local. Afinal, diferente de outros empreendedores ao redor do mundo, o brasileiro não conta com apoios como linhas de crédito sistematizadas e programas de fomento consistentes. “O empreendedor brasileiro tem uma característica especial, que é a necessidade”, pontua Rizzo.

Nesta entrevista exclusiva ao NovoVarejo Automotivo, o especialista não só refletiu sobre como este cenário tem moldado o empresariado nacional, mas também apontou quais são alguns dos principais riscos dessa abordagem mais ‘executiva’ e o que pode ser feito para mitigá-los.

NovoVarejo Automotivo – Um levantamento realizado pela ­Febracis identificou que 58,6% dos empreendedores brasileiros se consideram mais carismáticos, persuasivos e destemidos do que metódicos, detalhistas e organizados. De acordo com o que você observa no dia a dia como consultor, você vê este cenário refletido de alguma maneira nas empresas brasileiras?

 Ivan Rizzo – É uma característica peculiar do brasileiro sim, saber improvisar e se virar com o recurso que tem. Nosso planejamento sempre é revisitado, tem alguma regulamentação que era para ser de um jeito e sai de outro, prazos mudando toda hora… Mas tem seu lado positivo também. Um exemplo é a churrascaria tipo rodízio, invenção típica brasileira – atribuída a Albino Ongaratto. Um belo dia a churrascaria estava lota – da, garçons sem saber qual pedido era de qual mesa e o proprietário resolveu passar todos os cortes em todas as mesas.

NVA – Qual é o caminho mais viável para se tornar uma empresa cal – cada numa abordagem mais analítica e num planejamento estratégico, capacitação dos empreendedores ou contratação de perfis correlatos? O que acaba saindo mais barato e mais eficiente?

IR – “Mais barato ou mais eficiente” muitas vezes embute uma armadilha. Sem rodeios, a gente vive em um mundo mais complexo – o termo da vez é “policrise”. A quantidade de alternativas e fontes de informação ao consumidor cresce exponencialmente. Assim, ter certezas será cada vez mais raro. Um bom analista é capaz de descobrir oportunidades que não aparecem aos olhos destreina – dos. Mas se a empresa (ou o empreendedor) não estiver prepara – da – uma situação que a gente chama de desvantagem competitiva – isso pode ser mais fonte de dor de cabeça que de solução.

NVA – Você acredita que pessoas mais detalhistas e organizadas possuem um perfil mais voltado a serem ‘funcionários’ do que a empreender ou, quando em uma cultura que incentiva o empreendedorismo, estas acabam sendo atraídas para esta prática?

IR – O empreendedor brasileiro tem uma característica especial, que é a necessidade. Enquanto outros países têm linhas de crédito sistematizadas para novos negócios, programas bastante consolidados de fomento, nossas boas iniciativas não tem um volume tão grande quanto gostaríamos.

NVA – Quais são os problemas mais comuns das empresas caracterizadas por focar mais no operacional do dia a dia do que em um planejamento e uma direção em ‘médio e longo prazo’? IR – Quem manda em qualquer negócio, independentemente do tamanho, é o fluxo de caixa. E um dos problemas estruturais da nossa economia é a falta de liquidez – por isso essa discussão tão volumosa em torno da taxa de juros. Não dá para só apontar o dedo inquisidor ao sujeito que está ali se afogando no dia a dia. Mas quem vai ajudá-lo a virar a mesa é ele mesmo, se perguntando todos os dias como pode ser mais eficiente, quais processos podem ser melhorados, como diminuir lead time e aumentar conversões, etc. Nosso cérebro é bom demais para aceitarmos ficar na mesma situação de sempre.

NVA – Quando falamos deste cenário, mais ‘executor’ do que ‘planejador’, existe alguma diferença entre empresas de médio e grande porte na comparação com as PMEs? Em suma, o que pergunta é, se a estrutura em geral mais enxuta das PMEs as deixa mais propensas a uma capacidade reduzida de planejamento?

IR – Não tenho uma resposta genérica… De onde veio a oportunidade de uma empresa menor? Aproveitamento de um nicho de mercado? Se sim imagina-se que o empreendedor tenha ou tido um insight por sua experiência naquele mercado ou feito muita pesquisa e seus esforços são todos bem fundamentados. Por outro lado, as PMEs têm a leveza necessária para aproveitamento de oportunidades.

NVA – Quando falamos especificamente no setor varejista, quais são os problemas mais comuns gerados por lacunas ­táticas e estratégicas?

 IR – Me tira o sono quando o empresário confunde moda com tendência. Moda passa. Tendência dói, transforma. Em um exemplo bem simples, no início da carreira trabalhei em uma importadora de equipamentos de ginástica e, logo depois do Carnaval vivemos a moda do patinete dobrável. Entre desenvolver fornecedor lá na China comprar, embarcar e desembaraçar aqui passaram-se mais de 180 dias e, com esse tempo, a moda também passou. O dinheiro que poderia ter virado comissão de vendedor, promoção, mídia ou qual – quer outra coisa virou estoque, que parou de girar. Uma sequência de decisões similares pode colocar em risco a saúde da empresa.

NVA – Como os consultores de negócios e as instituições de ensino podem atuar para minimizar os gargalos observados nas empresas brasileiras?

IR – Para os consultores, é fundamental desde o início deixar claro e ter bastante atenção ao escopo do trabalho. Se for implementar um software, não é necessário mudar a rotina do departamento. Se for auditoria de estoque, não se deve desenvolver campanha de marketing. Isso é sensível porque, como sabemos, alguns problemas chegam em cadeia. Caso isso não aconteça, das duas uma: ou você vai ser incorporado à estrutura organizacional – e deixa de ser consultor – ou vai cair no redemoinho operacional do seu cliente e passar a fazer parte do problema.


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