Associação do setor espera que eletrificados atinjam 30% do mercado até 2030 no Brasil -

Associação do setor espera que eletrificados atinjam 30% do mercado até 2030 no Brasil

Em entrevista exclusiva, diretor de infraestrutura da ABVE reflete sobre avanços em 2022 e analisa preparação do país para crescimento contínuo.

Lucas Torres [email protected]

Mais um ano de avanços consistentes. Assim a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) avaliou os resultados do mercado ao longo de 2022. Entre os números que motivam este sentimento de satisfação se destaca o fato de que, pela primeira vez na história do país, as diversas modalidades de carros elétricos superaram os carros estritamente movidos a gasolina no âmbito dos emplacamentos: 49.245 unidades contra 48.800. Além da vitória neste enquadramento que, na prática, compara o volume de venda dos eletrificados com a venda de veículos importados, a ABVE comemora o crescimento do market share do modal no ano passado em relação a 2021, período em que sua representatividade saltou de 1,8% para 2,5% em relação ao total de emplacamentos de veículos leves. Fator importante a ser observado, no entanto, é que em terras brasileiras falar sobre o avanço dos eletrificados significa necessariamente destacar a popularidade das modalidades híbridas. Afinal, em 2022 os híbridos comuns e os chamados híbridos plug-in (que podem operar apenas a base da bateria por mais tempo e contam também com carregamento por cabo) representaram um market share de 82,8% do total de vendas da categoria. Para discutir o significado destes dados na fotografia do setor automotivo nacional e analisar o avanço dos eletrificados sob a ótica do aftermarket, nossa reportagem conversou com o diretor de infraestrutura da ABVE, Márcio Severine.

Novo Varejo Automotivo – O fato de as vendas de carros híbridos terem superado as de carros movidos exclusivamente a gasolina mostra uma tendência de consolidação desta tecnologia no Brasil?

Márcio Severine – Temos verificado um crescimento consistente do mercado de eletrificados no Brasil. Tivemos dois dígitos de crescimento anuais ao longo dos últimos quatro anos e, no ano passado, conseguimos atingir um market share de 2,5% em termos de emplacamento. Este é um número bastante significativo, já que em 2021 nós tínhamos atingido 1,8%. Isso em meio a esta crise do mercado automotivo, falta de veículos e etc. Os números refletem que o eletrificado veio para ficar, como mostra o fato desta modalidade ter superado a venda de veículos a gasolina, como você falou.

NVA – Diante destes sinais de crescimento contínuo, qual é a projeção da ABVE para o mercado de eletrificados no médio prazo? Qual deve ser o ritmo deste avanço em relação a mercados como Europa e Estados Unidos?

MS – Nós temos uma projeção de seguir crescendo e atingir um market share de 30% até o ano de 2030. Lembrando que aqui estamos falando dos eletrificados de maneira geral. Ou seja: veículos movidos estritamente a bateria; os híbridos; e os híbridos plug-in. Quando olhamos por uma ótica global, a China, a Europa e os Estados Unidos esperavam atingir estes 30% até 2030, mas acabaram já alcançando neste ano. Então, o crescimento lá fora está sendo bastante acelerado. Aqui o ritmo é mais lento muito pela falta de produtos. Afinal, as montadoras tendem a priorizar seus principais mercados e ‘quando sobra uma coisinha’ acaba vindo pra gente. Na minha opinião, portanto, o nosso crescimento poderia ter sido até maior, caso mais produtos estivessem disponíveis.

NVA – Você acredita que o fato de o Brasil ter uma energia limpa já consolidada como o etanol irá facilitar com que a eletrificação da frota seja realizada no modelo híbrido e não no ‘elétrico puro’?

MS – Na minha opinião esta questão vai depender mais do consumidor. Cada um vai escolher o modelo que melhor se adequa à sua necessidade. Então, eu vejo que ainda há espaço para o carro a combustão, para o híbrido plug-in ou não plug-in e para o carro elétrico. A escolha vai depender daquilo que o cliente está precisando, da sua demanda. Por exemplo, se você trabalha em uma cidade grande e só usa o seu carro para o trabalho, um elétrico, grande ou compacto, vai te atender perfeitamente, pois você vai ter disponibilidade de energia, os pontos de recarga que estão crescendo rapidamente. Mas se é um cliente que fala “não, eu viajo todo fim de semana, quero ter minha segurança para viajar”, ele poderá optar pelo híbrido e ter flexibilidade para usar o combustível que estiver disponível. Já para um outro cliente que conviva com dificuldade para ter energia disponível, pois mora em uma cidade que ainda não tem carregador rápido, ele pode usar o carro a combustão. Então, no meu ponto de vista, o mercado vai manter todas estas tecnologias disponíveis. Quem vai definir a que mais serve a ele é o cliente. A beleza, para mim, está nesta flexibilidade.

NVA – A preparação da mão de obra da reparação automotiva também é uma questão a ser observada quando o assunto é popularização dos carros elétricos e híbridos. Como você enxerga os avanços dos nossos profissionais neste sentido?

MS – É um processo. Estamos entrando com uma tecnologia nova e, por isso, exige a preparação adequada da mão de obra. O mesmo, porém, aconteceu no passado quando você saiu do carro com carburador – em que o mecânico media a altura da boia na hora de injetar o combustível – e entrou na injeção eletrônica, em um cenário em que ele começou a conectar o carro com um computador para observar os sensores. Isso exigiu um treinamento de mão de obra na época. Hoje estamos neste mesmo processo, para que nossos profissionais aprendam a avaliar cada cenário, o que é preciso ter em termos de ferramentas e etc. Mas o mercado está caminhando para preparar os reparadores. Temos instituições como Senai, as montadoras que começaram a fazer este trabalho com a criação de concessionárias especiais e etc. Mais do que um problema, vejo como o surgimento de uma oportunidade de negócios. Ou seja, você vai poder, eventualmente, até oferecer um treinamento para auxiliar aqueles que pretendem montar uma oficina ou adequar o seu estabelecimento a este mercado. Tudo isso me dá confiança de que, no médio prazo, teremos a mão de obra adequada.

NVA – Ainda falando sobre o aftermarket automotivo, como você vê os custos de reparação do carro híbrido em relação aos modelos a combustão? Existe uma preocupação quanto aos custos da substituição da bateria, por exemplo.

MS – Os custos da bateria têm diminuído consistentemente todos os anos. Se você olhar o KW da bateria de dez anos atrás, hoje acho que estamos na casa de 1/10 do valor. Então, o preço caiu muito e segue caindo ano a ano. Novas tecnologias de bateria também têm entrado, trazendo mais capacidade de armazenamento e vida útil maior, além de menor preço. Há também outras tecnologias, como a chamada divisão por módulos, em que, por exemplo, você tem uma bateria de 50 KW com dez módulos de cinco, se uma parte começa a dar defeito, você apenas troca o módulo que deu problema. Então, todas estas atividades e inovações visam a reduzir custos, aumentar a autonomia e a vida da bateria. Isso está acontecendo. Penso que quanto mais o carro elétrico se populariza, mais você vai tendo disponibilidade de componentes. Temos no horizonte, inclusive, o início da produção de baterias localmente, o que também vai contribuir para a queda nos preços. Gosto de traçar um paralelo. Lembra quando a televisão de plasma foi lançada há 15, 20 anos? Um aparelho de 30 polegadas custava 100 mil reais. A mesma coisa vai acontecendo com os eletrônicos de forma geral, inclusive os veículos.

 NVA – Ainda no âmbito do aftermarket, sabemos que a logística reversa de um componente como a bateria é chave para que o ecossistema de carros eletrificados possa ser considerado de fato sustentável. Como você vê a preparação do Brasil neste sentido?

MS – Nós já temos uma logística reversa de baterias. O Brasil conta com o Programa de Coleta de Baterias há muito tempo. Hoje você não descarta a bateria em qualquer lugar. Você descarta no ponto adequado e ela vai para reciclagem. Este processo já está vigente. Temos também aqui empresas especializadas na reciclagem de baterias de telefone celular que agora começam a operar com baterias de lítio, dos automóveis. Então, o processo já está montado, o que vai acontecer é a necessidade de adaptação para um volume maior nos próximos anos. Além desta questão da logística reversa, gostaria de pontuar que a vida útil da bateria de um carro é de cerca de 12 anos e com 12 anos ela perdeu de 20% a 30% de sua capacidade. Então, ela terá a segunda vida, podendo ser utilizada para montar sistemas de armazenamento de energia que atuam como espécies de geradores. Neste papel, elas poderão ser utilizadas por mais 10 a 12 anos.

 NVA – Você acha que o Brasil pode se tornar uma referência mundial na produção de carros híbridos-sustentáveis? É possível que nosso etanol nos coloque como um player central do mercado automotivo internacional no médio prazo?

MS – O Brasil sempre teve vocação para a produção e exportação de veículos. Então, precisamos retomar este lugar. Nós detínhamos, por exemplo, 100% do mercado de caminhões e ônibus na América do Sul. Mas, nestes últimos anos abrimos a guarda a tal ponto que os veículos elétricos que têm entrado em países como Peru, Chile e Colômbia são todos chineses. Precisamos de uma política da mobilidade elétrica que faça com que tenhamos uma produção para o mercado local e que consiga também atender essa demanda de exportação. Um exemplo que eu gosto de dar é o da Ford, que fechou a linha de produção por aqui por motivos estratégicos, mas manteve uma equipe grande de engenheiros visando o desenvolvimento. Ou seja, a gente tem mão de obra, tem tecnologia, tem experiência no mercado. Temos fornecedores grandes, fábricas interessadas em vir para o Brasil para produzir baterias de lítio. Não podemos perder isso. É necessário ter foco em dar condições para a indústria produzir localmente, o que vai baratear custos e gerar exportação.


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