Automóvel: de produto a plataforma para serviços digitais -

Automóvel: de produto a plataforma para serviços digitais

Dados são o combustível para o modelo de negócios das empresas automotivas no futuro. Claro está que as receitas não virão apenas com a venda do carro em si, mas a partir do ecossistema digital que permitira às empresas obterem ganhos também vendendo produtos independentes dos veículos e serviços em todo o ciclo de vida do cliente, não necessariamente ligado à mobilidade. Em entrevista exclusiva ao Novo Varejo, Ricardo Bacellar, sócio da KPMG e líder do setor automotivo, analisa a pesquisa e fala sobre o futuro do automóvel.

Qual é a conclusão do estudo mais importante para o mercado brasileiro?

O que chamou a atenção foi o posicionamento vanguardista do brasileiro. É um perfil que outras indústrias já haviam detectado, como o setor de tecnologia, tanto é que grande parte dos novos produtos ou eles apresentam no Brasil em primeiro lugar ou colocam o Brasil na primeira onda de lançamentos. O brasileiro está antenado e interessado em discutir e opinar de forma participativa no processo de evolução.

As tendências apontam para transformações de comportamento, usos e costumes do consumidor. Isso acaba gerando uma ruptura mais drástica. Qual é o tamanho do impacto?

Não só a indústria, mas também os consumidores já percebem o potencial de geração de receita a partir da prestação de novos serviços envolvendo carros conectados e não conectados, por mais que ainda seja um cenário nebuloso, as indústrias de tecnologia e automotivas juntas estão testando, se experimentando, se conhecendo. E quando você vê que já se trata de uma questão com certo grau de maturidade entre os consumidores a relevância cresce. Hoje há duas questões em amadurecimento. Uma é a eletrificação, não se discute muito mais se o carro elétrico pode vir, o carro elétrico é algo muito maduro e vem para ficar, você pode até discutir quanto tempo será necessário, há dificuldades de infraestrutura, mas que ele vem para se posicionar fortemente não há dúvida. Isso tem ficado claro nos salões internacionais. E não apenas quanto aos carros de passeio, também ônibus e caminhões. A outra questão é o carro autônomo. De novo, a discussão é parecida: quando vem. Mas também já não se discute carros autônomos como uma tendência. Isso já está maduro e cada vez que a gente faz o levantamento, a régua de chegada desses veículos vem encurtando com uma velocidade impressionante. Há quatro anos essa régua estava em 2040, caiu para 2030, 2025 e já há muitas montadoras prometendo para 2021 e quem sabe até antes de 2020.

Vale para o Brasil também?

Vale, a questão é só o delta relacionado à capacidade de investimento, de infraestrutura. Esses serão os grandes reguladores da velocidade das mudanças. As grandes discussões, na verdade, saltaram de patamar, foram para o lado da experiência do usuário. O que se discute hoje é, a partir dessa plataforma, quais novos serviços eu posso oferecer para os consumidores? Eu preciso me preparar para prover isso antes que alguém chegue e tome meu lugar.

Mais do que um produto, o carro será, então, uma plataforma para os serviços a serem vendidos?

Vai ser uma plataforma de serviços digitais. Uma coisa é certa: você pode até prescindir de dirigir, mas vai continuar dentro do carro, disponível para consumir o que quer que seja. Quem passa horas ocioso dentro do carro vai poder explorar esse tempo de várias formas. Basta imaginar o que a gente é capaz de fazer com um smartphone, imagina em um veículo com muito mais capacidade de processamento, velocidade de comunicação, armazenamento de dados, telas maiores e interatividade efetiva.

Já existem iniciativas reais envolvendo o fluxo de dados entre o carro e uma interface ligada ao segmento de manutenção. Há, por exemplo, aplicativos que realizam diagnósticos veiculares. Como essa revolução que se aproxima pode impactar o segmento de peças e serviços?

Isso vai gerar uma verdadeira transformação, uma transposição do modelo de negócios atual. O próprio modelo atual vai mudar muito com os recursos tecnológicos. Vamos usar o recall como exemplo. Hoje, a indústria trabalha com presunção de problema numa faixa de chassis. Ela não tem certeza de quais veículos terão problema. E ainda é obrigada a publicar o chamado na mídia. Agora, imagine se houver à disposição tecnologias que proporcionem mais assertividade nos veículos que efetivamente tenham um grande potencial de falha. Esse mesmo canal de comunicação permitirá uma interação um para um com os donos desses veículos. Vai transformar um momento negativo em um momento extremante positivo, saindo de uma posição reativa para proativa, o qualquer consumidor valoriza. E é possível ir ainda mais longe: nesse mesmo canal você pode fazer um agendamento customizado e, de posse das informações do perfil de consumo do dono do carro, proporcionar uma experiência diferenciada na concessionária ou oficina no dia e hora em que o serviço foi agendado. Pensa na possibilidade de cruzar três informações: telemetria, perfil de consumo e geolocalização. Se a montadora trabalhar esses três poderá prover uma infinidade de serviços customizados ao cliente. Por exemplo: fazer uma parceria com um varejo e informá-lo de que na hora “X”um cliente seu que gosta do um produto “Y” vai passar em frente a uma das lojas. Daí você imagina que o varejista poderá mandar uma mensagem para o motorista oferecendo um desconto para comprar aquele produto se parar na loja até determinada hora. Agora multiplique esse potencial por “N” tipos de serviços. É um potencial de negócios espetacular.

 

Onde estão os entraves para viabilizar esse conceito?

Há dois pré-requisitos importantes para a indústria. O primeiro é conhecer e saber administrar o big data, que ainda é uma novidade em geral, imagine para a indústria automotiva. É preciso aprender. E a segunda questão é a segurança da informação, que é algo que a indústria trata muito bem no ambiente físico, mas precisa saber trabalhar também no ambiente digital porque a porta que você abre para sair é a mesma que você abre para entrar. Prover o veículo de canais de comunicação como internet também abre portas que podem ser exploradas de forma maliciosa. A pesquisa mostrou que a segurança da informação é prioridade número um entre os critérios a serem considerados pelo consumidor na futura compra de veículos.

 


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