O avanço da pauta da sustentabilidade e seu consequente impacto sobre as autopeças remanufaturadas não é exclusividade do Brasil. Aliás, pelo contrário. Dados do mercado global mostram que essa indústria está em expansão acelerada e num estágio muito mais avançado do processo que o Governo Federal brasileiro pretende impulsionar no país com o Programa Mover.
Em 2023, o segmento movimentou US$ 61,46 bilhões, montante que cresceu para US$ 64,93 bilhões no ano passado e cuja projeção é que atinja US$ 91,45 bilhões até 2030, com uma taxa de crescimento anual de cerca de 5,83%.
Segundo Mohammad Tabish Raza, analista da consultoria Global Market Insights (GMI), este cenário tem sido impulsionado pela crescente demanda por alternativas mais acessíveis e a ampliação das políticas de economia circular em diversos países.
Além disso, regiões como América do Norte e a Europa já estão, há algum tempo, convivendo com um cenário que o Brasil conhece bem: o aumento da idade média dos veículos. Assim, com mais quilômetros rodados e componentes sujeitos a desgaste constante, consumidores e frotistas têm optado por peças remanufaturadas em busca de um custo-benefício mais atrativo Para termos uma ideia, a GMI estima que 50% do crescimento do mercado global de reaproveitamento de autopeças até 2027 virá da América do Norte, região que conta com infraestrutura consolidada e regulamentações que favorecem a remanufatura.
No contexto dos veículos comerciais, o mercado tem visto uma crescente adoção de peças remanufaturadas, principalmente em motores, transmissões, freios e sistemas eletrônicos. A preferência por essa alternativa está alinhada a uma estratégia de redução de custos operacionais, especialmente em setores como logística, mineração e transporte público.
A região Ásia-Pacífico também tem se destacado, com países como China, Japão e Índia investindo cada vez mais na remanufatura de autopeças como parte das estratégias de sustentabilidade e redução de resíduos. Neste contexto, Raza afirma que os chineses, em particular, têm liderado a adoção de veículos 100% elétricos (BEVs) e estão fortalecendo a indústria de remanufatura para componentes de baterias e motores elétricos – fator crucial para a sustentabilidade deste novo modal. Já na Índia, a crescente urbanização e o aumento da renda média impulsionam a aceitação de peças remanufaturadas, especialmente entre proprietários de veículos de passeio.
De volta ao cenário europeu, a GMI indica que, além da demanda, regulamentações ambientais rigorosas têm impulsionado a remanufatura como um pilar essencial da economia circular. Neste contexto, governos locais vêm adotando incentivos fiscais e políticas de reciclagem para reduzir o descarte de autopeças e fomentar o reuso de componentes de alto valor agregado.
Enquanto isso, no Oriente Médio e na África, o setor está em crescimento, impulsionado pelo custo acessível das peças remanufaturadas e pela necessidade de prolongar a vida útil dos veículos em regiões onde a renovação de frota ocorre de forma mais lenta.
Outro ponto a impactar o movimento é a evolução tecnológica. Segundo Raza, tecnologias como a inteligência artificial e a impressão 3D estão revolucionando os processos de remanufatura, permitindo maior precisão e eficiência na restauração de componentes.
Por fim, empresas do segmento também têm investido na expansão da produção por meio de parcerias com fabricantes originais (OEMs), fusões e aquisições e o desenvolvimento de marketplaces online, ampliando o alcance das peças remanufaturadas.
Gigantes já começam a se movimentar para trazer movimento ao Brasil
Embora o mercado brasileiro ainda esteja se preparando para acompanhar o movimento global rumo à economia circular, o país já conta com ações que demonstram avanços concretos da pauta.
Um exemplo desse avanço vem sobretudo de montadoras e fornecedores, que têm ampliado a oferta de produtos remanufaturados com garantia de fábrica e especificações rigorosas.
No campo das montadoras, a Stellantis, por exemplo, expandiu sua linha SUSTAINera, que oferece peças remanufaturadas para diversas marcas do grupo. A iniciativa já conta com uma gama de produtos que inclui turbocompressores, caixas de direção, motores de partida, alternadores e bicos injetores, e até o final de 2024 deve atingir mais de 180 componentes. O diferencial está no fato de que esses produtos mantêm a mesma qualidade das peças novas, mas com um custo reduzido e menor impacto ambiental.
Já no campo dos fornecedores, um exemplo relevante é a ZF Aftermarket, grupo que tem investido na remanufatura de embreagens e compressores de ar, garantindo uma redução de até 90% no consumo de matéria-prima e otimizando o uso de energia e água no processo produtivo.
É claro que para avançar, além das iniciativas individuais e do grande guarda-chuva do Programa Mover, o Brasil necessita de aprimoramento, sobretudo no âmbito do esforço regulatório, questão em que regiões como a Europa já deram passos importantes. Ainda assim, os últimos movimentos endossam as declarações de Ranieri Leitão no anuário do Sincopeças e não só indicam que estamos nos posicionando para ser um player estratégico no cenário global, como – e talvez ainda mais relevante neste primeiro momento – também que as empresas do aftermarket terão de se adaptar a uma nova realidade no futuro próximo.