Avanço tecnológico reforça importância do planejamento tributário nas empresas -

Avanço tecnológico reforça importância do planejamento tributário nas empresas

Especialista no tema analisou o atual cenário e deu dicas importantes para empresários dos mais diversos portes e setores

Lucas Torres [email protected]

A série de operações deflagradas pela Receita Estadual do Rio Grande do Sul – que você vai conhecer melhor na reportagem de capa desta edição – tendo como base investigações que contam com o apoio da tecnologia, lança um alerta não apenas para as empresas do aftermarket automotivo, alvos da ofensiva, mas de toda a classe produtiva nacional. Afinal, incongruências que antes poderiam passar despercebidas, hoje podem ser detectadas por um cruzamento automatizado de dados, algo que, em um país regido por um sistema tributário de tamanha complexidade, resultará naturalmente em um crescimento no número de notificações por parte dos fiscos. A fim de compreender melhor este cenário, bem como orientar nossos leitores em relação às boas práticas a serem adotadas a fim de se resguardar de potenciais multas, conversamos com o especialista em direito tributário e sócio-fundador da RMS Advogados, Leonardo Roesler.

Na entrevista, Roesler refletiu sobre a disparidade da preparação das grandes empresas em relação às PMEs no que diz respeito ao planejamento tributário, pontuou os benefícios de uma boa gestão fiscal e analisou os potenciais impactos da reforma tributária no cenário corporativo nacional.

Novo Varejo Automotivo – Como o aumento do uso da tecnologia pelos órgãos fiscalizadores pode acarretar uma alta no número de punições pelo descumprimento das obrigações tributárias?

Leonardo Roesler – Em face da revolução tecnológica vivenciada nos últimos tempos, a capacidade dos órgãos fiscalizadores de processar e cruzar vastos volumes de dados tem se ampliado de forma significativa. A adoção de avanços como Redes Neurais Artificiais e algoritmos de aprendizado de máquina têm proporcionado à Fazenda Pública uma capacidade inédita de detectar irregularidades, inclusive as mais sutis que antes poderiam passar despercebidas ao olhar humano. A precisão proporcionada por tais ferramentas tecnológicas amplia a capacidade dos órgãos de identificar padrões e incongruências em transações tributárias. Atos que, no passado, poderiam ser inadvertidamente omitidos ou realizados de forma equivocada agora são submetidos a um rigoroso escrutínio digital. E não para por aí: a automatização de processos de autuação, derivada destas tecnologias, torna a penalização não apenas mais célere, mas também mais assertiva. Esta revolução gera consequências claras para o panorama tributário. Os contribuintes, cientes do poderoso aparato fiscalizatório, tendem a adotar posturas mais diligentes e conservadoras no cumprimento de suas obrigações. Aqueles que optarem por práticas arriscadas encontrarão um cenário no qual as chances de notificação e penalização são imensamente elevadas. A capacidade fiscalizatória ampliada também reverbera nos tribunais. A precisão e robustez das informações fornecidas pelos órgãos fiscalizadores dificultam contestações, moldando, assim, uma jurisprudência que tende a validar autuações embasadas em análises tecnológicas detalhadas. Portanto, à luz deste novo cenário, é imperativo que empresas e contribuintes revisitem e, se necessário, adequem seus procedimentos tributários. A era digital trouxe consigo uma nova fase de rigor na fiscalização tributária e a conformidade com a legislação nunca foi tão crucial.

NVA – A complexidade do sistema tributário brasileiro acarreta, muitas vezes, em erros das empresas na hora de recolher os seus tributos. Como você tem visto o tratamento dos órgãos julgadores neste sentido? Ao identificarem alguma irregularidade, eles buscam primeiro orientar os passos para a adequação ou a abordagem é mais punitiva?

LR – O sistema tributário brasileiro é notoriamente caracterizado por sua intricada natureza, permeada por uma miríade de normas, regulamentos e obrigações. Diante desta vastidão normativa, não é raro observar empresas, mesmo com toda boa-fé e diligência, enfrentando desafios e incorrendo em equívocos ao buscar cumprir suas obrigações tributárias. A multiplicidade de tributos, contribuições e taxas, aliada à frequente alteração na legislação, confere ao ambiente fiscal um grau de imprevisibilidade e complexidade. A postura dos órgãos julgadores, nesse panorama, tornou-se objeto de ampla discussão. Historicamente, o tratamento frente às irregularidades tendia a ser essencialmente punitivo, com os contribuintes sendo frequentemente penalizados por falhas que, muitas vezes, eram fruto da confusão gerada pela própria sistemática tributária. Tal abordagem, muitas vezes percebida como inflexível, suscitou críticas por parte de entidades empresariais, advogados tributaristas e, até mesmo, do Judiciário. No entanto, tem-se percebido uma sutil, porém relevante, evolução no modus operandi de tais órgãos. Em resposta às demandas por uma atuação mais pedagógica e menos punitiva, diversas administrações tributárias, em diferentes níveis federativos, têm buscado implementar mecanismos de orientação e esclarecimento aos contribuintes. Essa abordagem, que visa, primeiramente, à educação e ao esclarecimento em detrimento da punição imediata, reflete um entendimento mais contemporâneo sobre a função social da tributação e o papel dos entes fiscalizadores. É fundamental, porém, sublinhar que, apesar desse movimento mais orientador, as penalidades ainda são uma realidade palpável no cenário tributário brasileiro. Por esse motivo, é imperativo que as empresas invistam em compliance fiscal, mantendo-se atualizadas e adotando práticas diligentes para minimizar riscos e evitar surpresas desagradáveis. Em um ambiente de tributação tão multifacetado, a proatividade e a busca constante por informação e aperfeiçoamento tornam- -se ferramentas indispensáveis para a adequada gestão tributária.

NVA – De que maneira o planejamento tributário pode não apenas evitar erros, mas também permitir a chamada ‘elisão’ – que é quando as empresas diminuem seus valores tributários devidos de maneira lícita? LR – Ao falarmos de elisão fiscal, estamos nos referindo exatamente a essa busca lícita e legítima por meios menos onerosos de tributação. Ao contrário da evasão, prática ilegal que envolve a omissão ou fraude para reduzir ou eliminar o pagamento de tributos, a elisão configura-se como um mecanismo perfeitamente aceitável de planejamento tributário. Com base nas normas vigentes, é possível identificar oportunidades de redução da carga tributária sem transgredir os limites da lei. Entretanto, é fundamental destacar que, para que o planejamento tributário atinja seu potencial pleno e permita a elisão sem incorrer em riscos, ele deve ser fundamentado em critérios claros e objetivos. Isso envolve, por exemplo, a observância dos princípios da legalidade, da anterioridade e da tipicidade, bem como o respeito à finalidade e à capacidade econômica do contribuinte. A ação planejada não deve ser meramente formal ou artificiosa, mas sim possuir substância econômica e justificativa legítima. O planejamento tributário bem estruturado, além de evitar equívocos que possam resultar em contingências e penalidades, permite que as empresas explorem oportunidades de elisão. No entanto, é crucial que essa exploração ocorra sempre com prudência, responsabilidade e respaldo jurídico. Em um ambiente de crescente vigilância por parte dos órgãos fiscalizadores e de um Judiciário cada vez mais atento às nuances do direito tributário, a linha entre a elisão lícita e a evasão ilícita pode se mostrar tênue. Por isso, a consulta constante a especialistas e a atualização contínua sobre as mudanças legislativas e jurisprudenciais tornam-se atitudes imprescindíveis para uma gestão fiscal eficiente e conforme à lei.

NVA – Na sua visão, qual o grau de maturidade das empresas brasileiras no âmbito do planejamento tributário?

LR – A adoção de práticas consistentes de planejamento tributário, notadamente no cenário brasileiro, tem se mostrado uma atividade intrincada e vital para a saúde financeira das organizações. Quando observamos o panorama corporativo brasileiro em termos de maturidade neste âmbito, percebemos um cenário dicotômico que denota profunda desigualdade entre as grandes corporações e as pequenas e médias empresas. Historicamente, as grandes corporações, sobretudo aquelas com atuação internacional ou que pertencem a segmentos altamente regulamentados, têm desenvolvido competências avançadas no que tange ao planejamento tributário. Dotadas de recursos robustos e acesso a consultorias especializadas, estas empresas conseguem não só se manter em conformidade com as complexas normas fiscais brasileiras, mas também explorar eficientemente oportunidades de elisão fiscal. Sua capacidade de investir em tecnologias e em talentos especializados na área tributária lhes confere uma posição vantajosa, permitindo que otimizem sua carga tributária sem comprometer a integridade legal de suas operações. Por outro lado, as PMEs enfrentam um cenário substancialmente mais desafiador. Muitas empresas, especialmente as que estão em estágios iniciais de desenvolvimento, carecem da infraestrutura e dos recursos para um planejamento tributário eficaz. O custo elevado de consultoria especializada e a falta de pessoal interno qualificado para lidar com questões tributárias intrincadas muitas vezes relegam o planejamento tributário a um plano secundário. Ademais, a volatilidade econômica, que por vezes impacta mais severamente as PMEs, pode fazer com que a sobrevivência imediata da empresa ofusque a necessidade de um planejamento tributário de longo prazo. Este gap entre as grandes corporações e as PMEs, ao invés de ser meramente uma constatação, representa um entrave ao desenvolvimento econômico equilibrado. A ausência de um planejamento tributário eficiente pode expor as PMEs a riscos significativos, desde penalidades por não conformidade até custos tributários sub- -otimizados que afetam sua competitividade. É imperativo, para o equilíbrio econômico e a justiça fiscal que as ferramentas e recursos para um planejamento tributário eficaz se tornem acessíveis a empresas de todos os tamanhos e estágios de desenvolvimento.

NVA – Você acredita que a Reforma Tributária, nos moldes em que se apresenta no Congresso, pode reduzir erros no âmbito do recolhimento de tributos por, em tese, diminuir a complexidade do nosso sistema?

LR – Essa complexidade tem sido um fator preponderante para os erros no âmbito do recolhimento de tributos, uma vez que a multiplicidade de normas, regulamentos e obrigações acessórias frequentemente conduz os contribuintes a equívocos, involuntários ou não. A proposta da Reforma, ao que se apresenta, visa consolidar tributos, reduzir alíquotas e simplificar o processo de recolhimento, abordando tanto os impostos federais quanto os estaduais e municipais. Ao promover essa unificação, a expectativa é que haja uma significativa diminuição nas sobreposições e conflitos tributários intergovernamentais, bem como redução na necessidade de extensa burocracia para cumprir com as obrigações fiscais. Tal simplificação, inegavelmente, carrega o potencial de mitigar erros decorrentes da complexidade do sistema. Quando o contribuinte se depara com regras mais claras e procedimentos menos burocráticos, naturalmente a margem para equívocos tende a se estreitar. Além disso, a desburocratização e a transparência podem fomentar um ambiente de maior segurança jurídica, em que as empresas podem dedicar menos recursos para o mero cumprimento de obrigações tributárias e mais recursos para investimentos produtivos. No entanto, vale ressaltar que a implementação efetiva da Reforma Tributária não consiste apenas em promulgar uma legislação simplificada. O desafio reside também na adequada comunicação e orientação dos contribuintes, garantindo que estes compreendam e se adaptem de forma correta e tempestiva às novas disposições. Nos moldes propostos, entendo que, indubitavelmente, traz a promessa de uma maior simplificação do sistema tributário brasileiro. Entretanto, seu sucesso em efetivamente reduzir os erros no recolhimento de tributos dependerá não só da redação final do texto legislativo, mas também da capacidade do Estado e das entidades representativas em orientar, educar e auxiliar os contribuintes durante essa transição. Se bem executada, a reforma pode representar um marco na busca por um ambiente fiscal mais justo, eficiente e transparente no Brasil.

NVA- Uma vez reconhecida a irregularidade tributária de uma empresa, como ela deve proceder para mitigar os danos de possíveis punições? É possível ‘provar que houve um erro’ e se defender da acusação de má fé? Caso seja possível, este fator é relevante para a diminuição de uma eventual punição?

LR – Ao se deparar com irregularidades tributárias identificadas em seu âmbito fiscal, a empresa deve agir de maneira célere e estratégica, visando não apenas a regularização da situação, mas também a defesa de sua boa-fé, elemento crucial na configuração da potencial responsabilidade e, consequentemente, na determinação da eventual penalidade. Primeiramente, é imperativo que a empresa promova uma análise detalhada da irregularidade apontada, com o auxílio de especialistas em direito tributário. Este passo é fundamental para compreender a extensão do problema, determinar sua causa e traçar a estratégia mais adequada para sua solução. Ao identificar que a irregularidade advém, de fato, de um erro, a empresa pode e deve buscar comprovar essa situação. A apresentação de documentos, registros contábeis, e-mails, entre outros, pode evidenciar a ausência de intenção de fraudar o Fisco. Tais evidências, se bem articuladas e apresentadas, podem corroborar a tese de que o erro foi involuntário e que, portanto, não houve má-fé por parte do contribuinte. Outro elemento essencial no panorama da regularização de irregularidades tributárias é a figura da denúncia espontânea, um instrumento de direito tributário que tem como finalidade principal incentivar o contribuinte a adequar-se à legislação antes que a infração seja descoberta pelo fisco. Este instituto jurídico encontra assento no artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), o qual prevê que a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, desde que acompanhada do pagamento do tributo de – vido e dos juros de mora. Importante salientar que esta disposição do CTN, mesmo tendo origem em uma lei ordinária, foi recepciona – da pela atual Constituição Federal com status de lei complementar, conferindo-lhe robustez e primazia diante de outras normas de hierarquia inferior. O alcance do artigo 138 é vasto. Significa que, na prática, o contribuinte tem a possibilidade de regularizar tributos em atraso sem a incidência de multas. Adicionalmente, abre-se a porta para a restituição de valores de multas pagas nos últimos cinco anos, desde que esteja configurada a denúncia espontânea. Para uma compreensão adequada deste instituto, é preciso estabelecer determinadas premissas:

1.A caracterização da denúncia espontânea: ela se configura quando o contribuinte atende à obrigação tributária antes de qualquer procedimento de fiscalização ou até mesmo antes de se determinar o montante exato do tributo devido.

2. O foco da exclusão da responsabilidade reside nas multas. Independentemente de sua natureza – sejam elas punitivas, moratórias ou outras – originadas do descumprimento da obrigação tributária. Defendemos a aplicabilidade da denúncia espontânea tanto em relação à obrigação tributária principal (como o pagamento de tributos) quanto à obrigação acessória (a exemplo da entrega de declarações em atraso). Deste modo, a denúncia espontânea emerge como um recurso valioso para empresas que, ao perceberem suas falhas, buscam agir proativamente na correção e regularização, evitando penalidades e reafirmando sua postura de boa-fé e com – promisso com a integridade fiscal. Tal instituto, alinhado à comprovação da boa-fé previamente mencionada, serve como um robusto escudo de proteção contra sanções e contribui para um relaciona – mento mais transparente e harmônico entre contribuinte e Fisco.


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