Claudio Milan
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Entre 1959 e 1982, o Fusca foi o líder de vendas no mercado brasileiro. Era o carro mais barato do país e aquele que ensinou gerações a dirigir. Impossível naquela época andar 10 metros nas ruas sem tropeçar num Fusca.
Mas, projetado na década de 30 do século passado, o carro entrou nos anos 80 já bastante obsoleto e pedindo substituição. O desafio para a Volkswagen era imenso. Afinal, como substituir um best seller, modelo eleito Carro do Século e ícone da indústria mundial?
A resposta foi um carro totalmente novo que bateu na trave de se tornar um fracasso, mas virou o jogo e venceu de goleada. É claro que você sabe do que estamos falando: o Gol.
Foi em 15 de maio de 1980 que o Gol foi apresentado à imprensa especializada e, já que era para substituir o Fusca, a Volkswagen decidiu equipar a novidade com o motor 1.300 refrigerado a ar que rendia 47 cavalos de potência. Pode isso, Arnaldo?
Barulhento, fraco e pouco econômico, o Gol logo recebeu uma chuva de vaias da torcida e ameaçou mandar mais cedo pro vestiário todo o planejamento da Volkswagen para substituir seu campeão de vendas.
No entanto, o carro estava prestigiado pela diretoria, que já no ano seguinte deu um cartão vermelho para o motor 1.3 e colocou no lugar a verão 1.6, também refrigerada a ar e com “estonteantes” 67 cavalos de potência. Um golaço?
Não. Igualmente barulhento e lerdo, o carro ainda estava longe de brigar pela conquista do campeonato. Essa primeiríssima geração com motores de Fusca ficou conhecida com Gol batedeira. Pode chamar também de Gol contra…
VIRADA
Foi só em 1984 que o jogo começou a virar. Naquele ano, em resposta ao recém-chegado Escort XR3 a Volkswagen apresentou o Gol GT. A versão tinha rodas de liga leve aros 14, bancos Recaro e vinha equipada com o inédito motor 1.8 refrigerado a água que estava reservado para o Santana, modelo de luxo que nem havia sido lançado.
Com comando de válvulas mais bravo e potência declarada de 99 cavalos – diz a lenda que passavam de 100 – o GT foi um sucesso de crítica e público. Digamos que foi um Gol de placa…
A partir daí as defesas adversárias não conseguiram mais conter a ofensiva do pequeno hatch da Volkswagen, que no ano seguinte ganhou o motor 1.6 do Passat e, finalmente, tomou conta da disputa. Esse era o Gol que a Volkswagen queria ter lançado em 1980, mas por uma questão de custo final para o consumidor fez a opção que quase levou o carro pra segunda divisão. Ainda na década de 80 o elenco cresceu com a chegada do sedã Voyage, da perua Parati e da Picape Saveiro, todos derivados do hatch.
Em 1987, com visual levemente modernizado, o Gol se tornou campeão de vendas no mercado brasileiro e levantou a taça até 2013. Fez mais bonito que a Seleção do Lazaroni. E aí o Gol não parou de evoluir. Em 1994 veio a segunda geração, apelidada de bolinha. O Gol bolinha passou por duas reestilizações – que espertamente, por uma questão de marketing, a Volkswagen chamou de G3 e G4 – até 2008, quando aí sim, veio uma geração realmente nova, a G5, que está aí até hoje.
Em sua incrível trajetória, o Gol colecionou grandes conquistas, como ter sido o primeiro carro brasileiro equipado com injeção eletrônica, em 1988, e também o primeiro a ter motorização flex, em 2003. Foi ainda o primeiro carro brasileiro montado em CKD no exterior, em países como Argentina, China e Irã.
Mas todo campeonato um dia tem que terminar. Chegou a hora de o Gol pendurar as chuteiras. Foram 42 anos de conquistas no mercado brasileiro, uma trajetória única que provavelmente jamais será igualda. O Gol deixa os gramados com mais de 8 milhões de unidades fabricadas e 27 anos liderando as vendas de automóveis no país. Esse mereceu a taça.
Gol Last Edition marca despedida do modelo
As edições especiais de despedida têm se mostrando uma oportunidade atraente para montadoras e colecionadores de automóveis. No vácuo das duas gerações do Fiat Uno no Brasil e da própria Kombi, a Volkswagen anunciou o Gol Last Edition que, como o nome diz, marcará a despedida de seu maior sucesso comercial no país.
Limitada a 1.000 unidades numeradas e custando 95,99 mil reais, a versão será vendida no Brasil e na América Latina exclusivamente na cor Vermelho Sunset, herdada do Nivus.
Na dianteira, a grade superior recebeu detalhes preto piano, seguindo a linha de detalhes exclusivos, como as rodas de liga leve de 15 polegadas pintadas de preto brilhante e os adesivos nas portas com alusão à edição.
Na traseira, a nomenclatura “Gol Last Edition” traz a mesma fonte utilizada no Gol GT, protótipo construído pela Volkswagen para o Salão do Automóvel de 2018, além da faixa que interliga as lanternas traseiras, escurecidas exclusivamente para a última edição.
O carro é equipado com o conhecido motor 1.0 que rende 84 cv de potência e 10,3 kgfm de torque máximo, atrelado ao câmbio manual de cinco marchas.
Internamente, bancos revestidos em tecido exclusivo que remete aos assentos Recaro do Gol GTI, além do destaque em baixo relevo com o nome da edição e as costuras vermelhas. Completando o clima esportivo do interior, o teto foi revestido na cor preta, assim como as colunas A e B.
O painel de instrumentos traz grafismo exclusivo para a Last Edition, além do volante multifuncional revestido em couro, que também recebeu costuras vermelhas. No console central, o sistema de infotainment Composition Touch com espelhamento Android Auto e Apple CarPlay foi instalado logo abaixo do acabamento em estilo fibra de carbono, onde foi posicionada a placa da edição limitada com a numeração da unidade.
Minha história com o Gol
Por Claudio Milan
Os manuais de redação são claros: jornalista não pode ser notícia. Mas, como estamos em clima de festas de fim de ano e Copa do Mundo, a ocasião permite uma “licença poética” para acrescentarmos mais um box nesta nossa homenagem ao carro mais vendido na história da indústria automotiva brasileira.
Nos anos de 1960 e 70, boa parte dos brasileiros aprendeu a dirigir num Fusca. A partir da década de 1980, esse privilégio foi transferido para o Gol, que se tornou o automóvel mais popular do país. Nenhum dos dois foi o carro em que aprendi a dirigir, mas o Gol acabou sendo meu primeiro carro.
Em setembro de 1984, saia da concessionária Central de Veículos, no centro da capital paulista, o Gol GT que se tornaria pelos anos seguintes um companheiro infalível de lazer, namoro, faculdade, trabalho e casamento. Sua vocação esportiva era marcada pelo muito potente para a época motor 1.8 a álcool acoplado a um impecável câmbio ainda de quatro marchas, pneus de perfil baixo, bancos Recaro e uma estabilidade invejável. Devo confessar que naqueles tempos, em que os radares eram escassos, era muito difícil conter a tentação de acelerar além do razoável.
É claro que a despedida do Gol traz uma leve tristeza para quem conviveu tanto tempo com um como eu. O Gol agora vai embora. Mas não o meu: 38 anos e apenas 38 mil quilômetros rodados depois de passar pela cancela da concessionária, o velho Gol GT vermelho Royal vai continuar brilhando na garagem e também aos domingos nos encontros de antigos Brasil afora. Lá em casa, a bola não vai parar de rolar.