Carros elétricos terminam o ano em alta, mas aindahá questões a responder -

Carros elétricos terminam o ano em alta, mas ainda
há questões a responder

Etanol ou energia solar? Essa e outras perguntas ainda pairam sobre o futuro de um mercado que bateu recordes em 2023

O ano de 2023 foi marcante para diversas definições em torno da pauta da eletrificação veicular no Brasil. Isso porque, além de recordes sequenciais no âmbito da venda de veículos em todas as categorias, o país viu a BYD, maior player do segmento no cenário mundial, escolhê-lo como base para sua expansão definitiva nas Américas. Em um movimento para lá de simbólico, a gigante chinesa garantiu o direito de assumir a antiga fábrica da Ford, na cidade de Camaçari (BA), prometendo investimentos de R$ 3 bilhões para produzir os primeiros veículos elétricos nacionais e, de quebra, avançar na pesquisa em torno da combinação de eletrificação e etanol. De acordo com o Diretor do Grupo de Infraestrutura da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Carlos Roma, movimentos como estes são mais importantes do que avanços no campo da infraestrutura, pois, ao impulsionarem o barateamento dos carros elétricos e híbridos no país, pavimentam o caminho para a criação de uma demanda que obrigará os governantes a se movimentarem nesse sentido. “Criar alternativas para fabricar carros elétricos baratos é infinitamente mais difícil do que construir uma infraestrutura de abastecimento. Sendo assim, não tenho dúvidas que, gerada a demanda, o país irá acelerar rapidamente no âmbito da infraestrutura. Até porque, no que diz respeito aos carregadores, ela pode ser facilmente instalada em residências e condomínios residenciais”, analisa Roma.

INFRAESTRUTURA

 Como base para sua projeção, Carlos Roma – que atua há mais de três décadas no setor automotivo, tendo passado por grandes como Ford, GM e a própria BYD – utiliza o histórico observado durante a massificação do carro à combustão. “Quando a Ford popularizou o seu automóvel, na primeira década do ano de 1900, ainda não tínhamos sequer estradas e postos de combustíveis prontos para receber aquela massa de veículos. É como a história do ovo e da galinha. O que vem primeiro? Pois é, no caso dos automóveis, primeiro chegam os carros, depois a infraestrutura para viabilizar sua disseminação em massa”, pontua o executivo. Se analisarmos os números que medem o ritmo de crescimento da frota de carros elétricos no país, é possível aferir que boa parte dos brasileiros compartilham a lógica utilizada por Roma. Isso porque o volume de carros puramente elétricos rodando no nosso território está crescendo a um ritmo significativamente mais acelerado do que a malha de carregadores.

Híbridos a etanol são tendência, pelo menos por agora

Em entrevista exclusiva à reportagem do NovoVarejo, o chairman da BYD no Brasil, Alexandre Baldy, deixou claro que o histórico do país com o etanol será levado em conta pela montadora chinesa em sua estratégia de consolidação em nosso território. “Vamos criar em Salvador um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para o desenvolvimento deste motor híbrido flex, que possibilite o uso da energia que vem da cana-de-açúcar combinada com a eletricidade. Duas fontes de energia limpa para levar o Brasil em direção a um futuro mais verde e sustentável”, afirmou o executivo e ex-ministro das Cidades do governo Bolsonaro. Além de reforçar uma convicção de diversos players da indústria automotiva, a declaração de Baldy mostra uma confluência mercadológica da BYD com o comportamento do consumidor brasileiro. Afinal, os híbridos levam ampla vantagem em relação aos puramente elétricos no resultado das vendas. Segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), cerca de 141.753 mil veículos híbridos circularam no país ao longo dos primeiros sete meses de 2023 contra apenas 15.285 no enquadramento dos elétricos puros. Ao comentar o cenário e projetar os próximos anos de desenvolvimento dos carros elétricos nas terras brasileiras, Carlos Roma, da ABVE, concordou que essa herança limpa possibilitada pelo etanol deve servir como base para os avanços iniciais dos eletrificados por aqui. Apesar disso, porém, o dirigente da principal entidade do segmento discorda daqueles que rotulam o etanol como o futuro da mobilidade brasileira. Isso porque, segundo ele, tecnologia como a geração de energia a partir de placas fotovoltaicas se provará muito mais eficiente no médio e longo prazo. “As placas fotovoltaicas produzem muito mais energia ocupando um espaço muito menor. Sendo assim, elas não são apenas mais eficientes como modais energéticos para os automóveis, mas também mais sustentáveis, pois preservam muito espaço para atividades como a produção de alimentos, por exemplo”, afirma Roma.

Embora seja pouco citada nas discussões mainstream, a possível relação direta da eletrificação da frota com os investimentos em energia solar já está sendo mapeados pelos players de atuação segmentada. Recentemente, o Portal Solar, franqueadora de projetos fotovoltaicos no país, divulgou um estudo inédito em que previu uma movimentação de R$ 2,2 trilhões no mercado nacional de energia solar em decorrência do avanço dos carros elétricos e da produção de hidrogênio verde. “O estudo elaborado pelo Portal Solar aponta que a transição energética total da atual frota de veículos circulantes do Brasil traria uma demanda adicional de 403 terawatts-hora/ano (TWh/ano), volume que se aproxima da capacidade total de geração energia elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN) e exigiria o equivalente a cinco novas hidrelétricas de Itaipu”, mostra o relatório, antes de complementar: “O estudo, feito a partir de cruzamento de dados oficiais e projeções de entidades setoriais, órgãos de governo e institutos internacionais, destaca, por exemplo, a queda dos preços de equipamentos fotovoltaicos, a melhora na geração por metro quadrado das placas solares e os projetos de rápida instalação e de baixo custo da geração descentralizada, o que fazem da solar a tecnologia mais adequada para atender o crescimento exponencial do consumo”.

Diretor da ABVE mostra otimismo quanto à construção de uma rede de reparação, mas empresas relatam necessidade de investimento robusto

O aumento dos investimentos e a adesão progressiva dos brasileiros aos carros eletrificados sugerem que este mercado será, em breve, uma realidade no país. Esta projeção, no entanto, levanta uma questão fundamental, embora pouco glamourosa, quando o assunto é veículo automotor: quem vai reparar?

Questionado a respeito do atual estágio de preparação das oficinas brasileiras para consertar os automóveis eletrificados, Carlos Roma diz que ainda temos uma estrutura incipiente de reparação, mas que isso deve se resolver rapidamente à medida que a demanda pela manutenção e reparo desses veículos cresça no país. “Eu não tenho dúvidas de que nossa rede de reparação irá dar um show nesse sentido.

Afinal, já tivemos, em algum grau, essa necessidade de adaptação quando nossos carros deixaram de ter carburador para passar a ter a injeção eletrônica. Nos adaptamos muito bem e muito rapidamente”, relembra o dirigente. Embora o histórico mostre a versatilidade e a competência dos reparadores brasileiros, vale pontuar, porém, que as diferenças desta vez serão muito mais sensíveis – sobretudo pelos riscos existentes no manuseio de componentes de alta voltagem presentes nos carros elétricos. Quanto a este ponto, Roma contemporiza ao afirmar que os mecânicos e eletricistas brasileiros já operam com tecnologias semelhantes em outros nichos e se adaptarão, com treinamentos, às necessidades de traduzir este conhecimento para o universo automotivo. Em oposição ao tom otimista do porta-voz da ABVE, empresas como a Porto Seguro relatam um esforço de investimento significativo para se prepararem para as demandas dos carros eletrificados, afirmando que as oficinas, as concessionárias e os centros automotivos que se dispuserem a atender este modal de veículos terão de estar prontos para uma demanda complexa. Afinal, além da questão da segurança para o manuseio das baterias, os estabelecimentos também terão de instalar uma rede de recarga no local, bem como adquirir ferramentas específicas, uma vez que esses automóveis têm, em geral, mais componentes digitais e eletrificados que um carro comum. “Além disso, nas oficinas adaptadas, existem computadores voltados a acessar os sistemas desses carros para verificar parâmetros elétricos da bateria, tais quais seu nível de degradação e a projeção de vida útil”, informa a Porto Seguro.


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