Agenda do carro novo se sobrepõem às pautas do aftermarket no congresso -

Agenda do carro novo se sobrepõem às pautas do aftermarket no congresso

‘Bancada do carro novo’ conta com 236 deputados. Legislativo não enxerga mercado de reposição como uma extensão natural do setor automotivo

Por Lucas Torres ([email protected])

No dia 15 de julho de 2018, uma pesquisa do Datafolha sobre o índice de confiabilidade do cidadão brasileiro em suas instituições registrou o percentual de aprovação mais baixo da história do Congresso Nacional: 67% dos entrevistados declararam não confiar em nosso parlamento. Dos 33% restantes, 28% disseram “confiar um pouco”, enquanto ínfimos 3% afirmaram ter muita confiança.

A razão para tal descrédito do Poder Legislativo – o que melhor representa a vontade popular, ao menos constitucionalmente – é, sobretudo, a corrupção. A operação Lava-Jato – entre outras desencadeadas por instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal – escancarou o que boa parte dos brasileiros já sabia ou, no mínimo, desconfiava.

Existem, no entanto, outros fatores muitas vezes não percebidos de forma tão explícita pelo cidadão que acompanha mais superficialmente a vida política, fatores estes capazes de tornar ainda piores os índices exibidos acima.

Antes de apresentá-los, no entanto, é necessário compreender que o funcionamento do Congresso Nacional é movido, na prática, muito mais por motivações segmentadas do que por uma atuação, digamos, mais ‘holística’, pautada pelo chamado espírito público.

Tal segmentação ocorre, oficialmente, a partir do estabelecimento de frentes parlamentares específicas, destinadas a discutir assuntos setoriais e seus interesses como, por exemplo, energia alternativa; indústria de bebidas; pesca e aquicultura; e enfermagem.

Atualmente, existem quase 300 frentes como essas, cada uma contando com deputados de múltiplos partidos que se reúnem para discutir junto a lideranças empresarias temáticas legislações e políticas públicas para seus respectivos setores.

Além dessas subdivisões oficiais, existem ainda as bancadas, um conjunto de deputados suscetíveis e acessíveis ao chamado ‘lobby’ com grandes empresas e personalidades de determinados nichos, tais como o agronegócio, as igrejas evangélicas e indústria de automóveis. Você muito provavelmente já ouviu falar da “bancada da bala”, da “bancada da Bíblia” ou a “Bancada da bola”.

A indústria automotiva, no âmbito das montadoras, aliás, tem tradicionalmente um forte poder de influência sobre as definições das políticas públicas e legislações referentes ao tema da mobilidade no Brasil. Em 2015, por exemplo, uma série de e-mails apresentados pelo Ministério Público da União revelaram que lobistas de montadoras teriam conseguido alterar o texto original da Medida Provisória 471/2009, destinada a prorrogar o incentivo fiscal às montadoras e fabricantes de veículos instalados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Na ocasião, segundo o MP o conjunto de lobistas enxertou trechos sugeridos por ao menos duas montadoras, a MMC Automotores, fabricante da Mitsubishi, e a CAOA, montadora de veículos da Hyundai no Brasil, estendendo por cinco anos o crédito presumido de 32% do IPI. Tal extensão teria impactado em R$ 1,3 bilhão anuais em impostos que não entraram nos cofres públicos. O inquérito decorrente da denúncia resultou no indiciamento de 19 pessoas, entre executivos das empresas e membros de órgãos públicos. As montadoras citadas negam as acusações, consideradas absurdas uma vez que muitas outras montadoras aderiram ao programa e não faria sentido que uma ou duas empresas praticassem ilícitos para beneficiar também os concorrentes.

Em uma história menos longínqua, em julho de 2018, sensibilizado pelas montadoras, que argumentavam ser ‘impossível investir no Brasil pela falta de competitividade da indústria local’, o Governo Federal anunciou incentivos que podem chegar a R$ 1,5 bilhão anuais durante os próximos 15 anos por meio do novo programa automotivo Rota 2030. Ainda que a medida tenha como contrapartida investimentos da mesma proporção em pesquisa e desenvolvimento, a polêmica política de concessão de benefícios foi desde o princípio questionada pelo Ministério da Fazenda – o Brasil vive uma crise fiscal sem precedentes.


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