Cientista política discute o que está em jogo nas eleições de outubro -

Cientista política discute o que está em jogo nas eleições de outubro

Para Mônica Sodré, limitação do debate à figura presidencial reduz as chances de melhora do cenário político no país

Por Lucas Torres ([email protected])

Embora as eleições no Brasil ocorram a cada dois anos, os quadriênios que marcam a eleição presidencial são carregados de uma expectativa especial para os cidadãos do país.

Isso ocorre, em grande parte, pela cultura da personificação que o brasileiro carrega quando o assunto é política. Espera-se sempre um líder. Um quase-mito que vestirá a faixa presidencial e mudará o curso de tudo o que há de errado na nação.

Diante desse cenário de distorção da percepção do processo político-eleitoral, o Novo Varejo dedica a entrevista desta edição à promoção de um debate mais complexo sobre as inúmeras variáveis em jogo no pleito do próximo mês de outubro.

Convidamos a cientista política, professora e diretora executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Mônica Sodré, para debater questões como o papel da Câmara dos Deputados nas relações de poder e representação do país, bem como as perspectivas de renovação na casa nas eleições que se aproximam.

Durante a entrevista foi discutido ainda o papel da sociedade civil na melhoria do funcionamento das instituições e do ambiente político como um todo e a importância de uma ‘participação além do voto’ para a consolidação desse processo.

Nesta edição que antecede o primeiro turno, a ser realizado em 7 de outubro, o Novo Varejo dedica especial atenção às eleições, convidando os leitores a uma reflexão sobre o tema e oferecendo elementos para contribuir com essa análise. Afinal, é fundamental estar preparado para escolher o melhor caminho na votação mais importante das últimas décadas.

Novo Varejo – Como você avalia o atual momento brasileiro para as eleições 2018?

Mônica Sodré – É um momento delicado. Crises – quaisquer que sejam elas – costumam deixar mais evidentes descontentamentos e insatisfações que nem sempre são recentes. Entre outros, a revelação das relações promíscuas entre capital e estado, assim como dados sobre seu volume, além da diminuição nos índices de emprego, renda e investimento vivenciados sobretudo nos últimos dois anos deixaram um legado de descontentamento com a política e os políticos. Isso tudo se soma a um ambiente de desinformação – que vai para além do fenômeno das fakenews – que traz novos elementos e instabilidade para o cenário eleitoral.

 

NV – O que muda especialmente na Câmara dos Deputados? Haverá renovação política?

MS – A Câmara dos Deputados é a Casa Legislativa cuja prerrogativa é a representação da população brasileira e é a casa iniciadora de boa parte dos projetos de lei que tramitam no Legislativo Federal. Atualmente, muito tem se discutido sobre sua necessidade de “renovação” sob o argumento de que nossos parlamentares se perpetuam no poder, seja pessoalmente ou por relações de parentesco. Entendo que o primeiro passo para a discussão do problema seja o próprio conceito de renovação, medido pela literatura da ciência política de maneiras distintas e utilizado à exaustão nos últimos tempos. É preciso atentar também para o fato de que num país republicano como o nosso a alternância de poder se dá a cada quatro anos, o que significa que alguma renovação já acontece. Há autores que apontam taxas de renovação, na Câmara dos Deputados, próximas a 40% para as ultimas legislaturas. Assim, entendo que a principal pergunta que deveríamos nos fazer é: por qual razão, a despeito de alguma taxa de renovação evidenciada por diferentes estudos no período histórico recente, não há melhora no ambiente político e na produção de políticas públicas no país? O problema passa sim pelo parlamento, mas não diz respeito somente à ascensão de novos quadros.

 

NV – É possível ter uma perspectiva do grau de renovação da Câmara dos Deputados nessas eleições 2018?

MS – Uma análise realizada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) revela que a taxa de substituição parlamentar nas últimas sete legislaturas ficou entre 40 e 50% e encontra-se entre as maiores do mundo. Esse ano, em razão das regras eleitorais aprovadas (redução do tempo de campanha eleitoral, proibição da doação de pessoas jurídicas, aprovação da cláusula de desempenho) e também do número de candidatos à reeleição, é esperado que esse índice seja menor.

 

NV – Se essa renovação acontece em alguma medida, por que a situação não parece melhorar?

MS – Tenho as seguintes hipóteses: a discussão no País ainda está muito calcada na figura do Executivo em Brasília. Além disso, entendo que o exercício da política está resumido quase que exclusivamente ao momento da urna, implicando baixo acompanhamento posterior, pela população, dos eleitos; o pouco entendimento sobre o sistema eleitoral proporcional e o uso estratégico disso pelas legendas e, por último, a dificuldade dos governos em garantir à população os elementos materiais da democracia, capazes de significar melhora na qualidade de vida das pessoas.

 

 NV – Quantos agentes políticos são eleitos a cada quatro anos?

MS – São eleitos mais de 70 mil agentes políticos, mas, em geral, acredita-se que uma única figura será a responsável pela melhoria do estado das coisas. Praticamente se ignora a existência de mais de 56 mil vereadores, assim como a de 1.059 deputados estaduais nas assembleias legislativas.

 

NV – Como obter melhorias na política e nos complexos problemas multifatoriais?

MS – A melhoria passa pelo uso consciente dos recursos públicos que os eleitos têm à sua disposição; pela qualificação dos mandatos executivos e parlamentares; pela redução das barreiras e dos custos de entrada a novos agentes políticos; pela possibilidade de que grupos sub-representados estejam presentes nos parlamentos; pela transparência no interior dos partidos políticos; pela redução das desigualdades econômicas e sociais que tornam a política e o seu exercício de privilégio de poucos; e, ainda, pela educação do eleitor.

 

NV – A melhoria na política se dará pela questão quantitativa ou pela renovação dos quadros?

MS – Construir boas e sólidas democracias leva tempo e não depende somente dos fatores institucionais. Além disso, não podemos cair na armadilha de acreditar que a melhoria se trata somente de uma questão quantitativa ou de renovação dos quadros, sob pena de assistirmos, 60 anos depois, a uma simples “circulação de elites”, descrita por Raymundo Faoro em 1958. É preciso olhar também para outros fatores como, por exemplo, a importância dos partidos políticos, a necessidade de estimular a transparência interna e a accountability dessas organizações, e a formação desses quadros. Há ainda outros aspectos igualmente importantes, como o fortalecimento das instituições de controle e a cultura/engajamento cívico da sociedade. A melhora na política se dá não somente pelos agentes eleitos, mas também por meio de uma sociedade que dela participe com maior regularidade e maior qualidade.


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