Crise mundial do transporte marítimo tem impacto generalizado no setor produtivo brasileiro -

Crise mundial do transporte marítimo tem impacto generalizado no setor produtivo brasileiro

Setor de autopeças vem enfrentando dificuldades em meio à complexidade do cenário, que envolve desabastecimento e elevação de custos

Lucas Torres [email protected]

Fundamental no início do processo de interação comercial entre a Europa e os demais continentes, por volta do século XV, o transporte marítimo segue, 600 anos depois, como a principal via logística das negociações internacionais. De acordo com a Câmara Internacional de Embarcações, cerca de 90% de todo o comercio global acontece a partir da estrutura formada por portos e navios. A manutenção dessa relevância quase hegemônica durante tanto tempo exigiu do setor portuário e do grande ecossistema em seu entorno uma série de evoluções à medida que o conceito de globalização foi fazendo das exportações e importações uma prática não mais complementar, mas vital para o abastecimento das economias ao redor do mundo.

Uma das adequações mais emblemáticas ocorreu há cerca de 65 anos, a partir da adoção dos contêineres, estruturas que se tornaram peças-chave para a segurança dos produtos transportados. A robustez desse grande ‘invólucro de mercadorias’ permitiu aos transportadores encontrar formas de baratear as rotas logísticas a partir do uso de navios gigantes, capazes de transportar até 20 mil contêineres de uma só vez. Com ajustes pontuais no tamanho dos portos e a adoção ainda tímida de estratégias de automação nos últimos anos o transporte marítimo seguiu relativamente eficiente até o final de 2019 – quando o tempo médio de espera de navios com contêineres nos portos da América do Norte era de 8 horas, segundo relatório da IHS Markit. Essa configuração de águas calmas do comércio internacional pela via marinha, no entanto, tem dado lugar a um mar agitado desde a chegada da pandemia.

Segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a crise generalizada do transporte marítimo teve origem em meados de março de 2020, quando a paralisação dos portos chineses e as restrições impostas pelo gigante asiático às cargas internacionais provocaram grande represamento de navios e contêineres no país. “A partir deste momento, passamos a ter um excesso de navios e contêineres parados na China e a falta deles no restante do mundo”, relata Castro. Analisando os impactos dessa conjuntura no comércio brasileiro, o dirigente da AEB afirmou que as características predominantes de nossa balança comercial colocaram o país em situação mais vulnerável na comparação com outros países que, embora também estejam sofrendo efeitos negativos, estão sendo impactados de maneira menos agressiva.

Prioridade a portos que operam com mais contêineres vem prejudicando o Brasil

José Augusto de Castro, presidente da AEB, conta que, com a escassez de cargas e embarcações, os navios começaram a priorizar determinadas rotas, enfatizando movimentos para portos que contem com contêineres que possam sair carregados para outro destino. “Foi aí que começamos a ser um dos países mais afetados em nossos portos. Afinal, somos notabilizados pela exportação de commodities, produtos que não necessitam de contêineres para serem transportados”, afirma antes de completar com um dado que exemplifica bem o impasse gerado para a economia nacional: “No Brasil, 85% dos produtos que importamos são manufaturados. Ou seja, produtos que necessitam de contêineres. Já no âmbito da exportação, a lógica se inverte: ao menos 60% – talvez até um pouco mais – dos produtos que exportamos não precisam destes equipamentos”. Castro entende que tamanha disparidade entre as duas pontas da balança comercial brasileira fez com que nossos importadores de manufaturados passassem a sofrer com a falta desses produtos manufaturados – ou com o atraso em suas chegadas. Além disso, os exportadores desses itens industrializados passaram a ter dificuldades severas na hora de enviar suas mercadorias para fora do país pela via marítima. “Não foram raras as vezes em que estes exportadores tinham cliente e destino para enviar os produtos, mas simplesmente não puderam fazê-lo pela falta do contêiner e do navio”. Para este grupo de players brasileiros, onde estão posicionados os importadores e exportadores de autopeças, havia a esperança de que a situação tivesse um ajuste natural à medida que os momentos de maior restrição da mobilidade internacional dessem lugar a um aquecimento da economia motivado pelo fim da crise sanitária histórica. Na entrevista exclusiva concedida ao Novo Varejo, porém, o presidente da AEB relatou que embora a situação de escassez esteja sendo solucionada aos poucos, os problemas do comércio marítimo mundial estão longe do fim. E, agora, se concentram no aumento exponencial dos custos.


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