Desemprego é protagonista na crise de demanda do varejo brasileiro -

Desemprego é protagonista na crise de demanda do varejo brasileiro

Com o primeiro trimestre de 2017 já em seu crepúsculo e a tão esperada melhora da atividade econômica nacional ainda no campo das perspectivas, é necessário que se retome o debate sobre o tamanho da crise do país, bem como os impactos nos mais diversos setores da sociedade.

Dados recentemente divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) consolidaram a ideia de que o setor varejista tem enfrentado seu pior cenário em mais de uma década, registrando um fechamento líquido de 108,7 mil lojas no ano de 2016 – sempre é importante destacar que o número se refere ao setor de varejo como um todo.

Entre tantas dificuldades enfrentadas pelo comércio durante a crise, o aumento exponencial do desemprego dos brasileiros nos últimos dois anos é certamente um dos protagonistas nessa equação.

Um país com cerca de 13 milhões de desempregados e 24 milhões de pessoas com mão de obra subocupada passa necessariamente a conviver com o problema da demanda, não só pela diminuição da renda média das famílias, mas também pela crise das expectativas – cenário em que a população adota uma abordagem mais conservadora no momento da compra a fim de ou manter uma reserva de capital que a dê suporte diante de possíveis imprevistos, entre eles a perda do emprego.

Para discutir o impacto do desemprego no varejo no panorama geral da sociedade, o Novo Varejo entrevistou o coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o economista Francisco Menezes, em um bate-papo que reuniu dados pouco explorados na maioria das análises da conjuntura econômica brasileira e questões empíricas coletadas pelo instituto durante pesquisas realizadas em campo.

Além das análises conjunturais, a entrevista de Menezes destacou a importância de uma resiliência ainda maior dos varejistas brasileiros durante a crise, sobretudo os de pequeno e médio porte. “Persistam enquanto puderem. As crises não são eternas e, por vezes, nos surpreendem pelas alternativas de superação que provocam”.

 

Novo Varejo – De acordo com dados divulgados pelo IBGE o país tem hoje 13 milhões de desempregados. Qual o impacto desse número no que se refere à vulnerabilidade social do brasileiro durante a crise vigente?

Francisco Menezes – Esse, provavelmente, é um dos maiores custos que se paga como resultado da crise. O desemprego, nos níveis a que já chegamos, castiga duramente os trabalhadores. Se aos 13 milhões de desempregados acrescentarmos a mão de obra subocupada – também medida pelo IBGE, considerando aqueles que trabalham menos horas do que desejariam – temos um total de 24 milhões de pessoas nessa situação, o que implicou em 21% de subutilização da força de trabalho em 2016. É um índice muito elevado e preocupante, porque empurra essas pessoas para uma situação de dificuldades materiais, de frustração de expectativas e insegurança quanto ao futuro. Esse quadro de desocupação se manifesta em quase todo o país, mostrando maior severidade nas grandes regiões metropolitanas. É preciso que se tenha em mente o fato de que o desemprego traz efeitos que vão muito além dos problemas econômicos em si, desestruturando famílias e até minando o equilíbrio da sociedade.

 

NV – Como esse cenário de alta desocupação impactou a demanda no varejo nacional?

FM – Os dados mostram que em 2016 tivemos o pior resultado desde 2005. Este efeito não é resultado somente da retirada do consumo por aqueles que já estão desempregados. Mas há o problema das expectativas, que é algo sempre vital na economia. E aí aparece também o temor de perder o emprego por aqueles que estão empregados e que, por prudência, preferem aguardar para voltar ao consumo. Além disso, a renda dos trabalhadores tende a cair em um quadro de crescimento do desemprego também desfavorecendo a demanda. Devemos ainda considerar três outros fatores que têm determinado os maus resultados. O primeiro foi o encarecimento do crédito, que ficou escasso e isso teve efeito importante na queda das vendas, principalmente nos segmentos de produtos de maior valor, como automóveis e motos. O segundo, o endividamento das famílias, que cresceu acentuadamente neste ano. E, por último, a própria inflação, que também se elevou, principalmente para os alimentos e medicamentos, gerando uma retração de consumo em cadeia, porque as famílias são obrigadas a destinar uma maior parte de sua renda para a compra daquilo que é mais essencial.

 

NV – De acordo com o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a recessão econômica do país está à beira de ter um final. Tal projeção tem sido vista com cautela e até alguma desconfiança tanto pelo mercado, quanto pelos institutos de pesquisa. Com base nas sinalizações da economia nacional nesse primeiro semestre, qual a sua visão pessoal sobre essa expectativa?

FM – Nunca houve um ministro da Fazenda que viesse a público dizer que as coisas não vão melhorar. Isso acontece porque, como comentei, a economia também é influenciada pelas expectativas. Creio que não se pode ainda prever o que acontecerá. Em minha opinião, a economia brasileira tem vários problemas estruturais que não foram enfrentados. Um deles está nas elevadíssimas taxas de juros da dívida pública, que têm prevalecido há vários anos e que, em 2016, custaram R$ 330 bilhões. É altamente desejável que as taxas de juros sejam reduzidas do seu patamar atual. Observe-se que a sua redução recente, até aqui, não foi real, pois continua inferior à queda da inflação. Existe, também, o problema tributário, que é de resolução política muito complexa. O fato é que o país arrecada bem menos do que é necessário para poder arcar com custos essenciais, incluídos aí investimentos em infraestrutura que são imprescindíveis para que o país volte a se desenvolver. O não enfrentamento dessas causas estruturais da crise brasileira e a adoção em seu lugar de um ajuste fiscal de rigor inadequado agravaram os desequilíbrios já existentes, provocando uma contínua queda da receita, em face da retração econômica e sem gerar um equilíbrio das contas públicas.

 

NV – Supondo que o país volte a crescer este ano, qual seria o impactado para a recuperação do emprego?

FM – Poderá ocorrer alguma recuperação da economia, até porque o Produto Interno Bruto caiu 3,6% em 2016 e 3,8% em 2015. Existe uma capacidade ociosa dos setores produtivos que pode ser acionada com relativa facilidade. Mas existe um consenso entre os especialistas que estudam a questão do emprego de que serão necessários alguns anos para que o mercado de trabalho possa se recuperar, não devendo antes de 2021 chegar aos números de empregos formais alcançados no final de 2014. E caso se confirme essa previsão, não terá o mesmo significado daquele ano, quando se chegou a uma condição próxima do pleno emprego, já que existirá um maior número de pessoas disputando as vagas ofertadas devido ao crescimento natural desse contingente. O fato da recuperação do emprego não se dar na mesma velocidade da retomada da economia não é uma situação específica do Brasil. Aconteceu repetidas vezes em diferentes países que passaram por períodos recessivos. Nas recessões norte-americanas de 1990/91, 2001 e 2007/09 o fenômeno se repetiu. As causas mais frequentes estão ligadas a que, com as mudanças ocorridas na economia, costuma haver a necessidade de realocação da mão de obra para outros setores, nem sempre se encontrando esses trabalhadores adequadamente preparados para assumirem as novas funções. Acrescenta-se, ainda, o desaparecimento definitivo de empresas, bem como as dificuldades que se registram para as pequenas e médias empresas – justamente as que utilizam mais mão de obra – para voltarem a crescer e contratar. E, antes de contratarem, buscarem utilizar ao máximo os trabalhadores que não foram dispensados, através do pagamento de horas extras, até se assegurarem de que a demanda por seus produtos teve um crescimento que vai se manter.

 

NV – Olhando especificamente para o pequeno varejo, não é raro encontrarmos empresas que em razão da queda da demanda acabaram tendo que diminuir sua capacidade de operação ou, eventualmente, até que fechar as portas. Qual o seu conselho para esse pequeno empresário que está se sentindo pressionado?

FM – As dificuldades dessas empresas é um fato lamentável não só para o setor, mas para todo o país, dado o que representam em termos de capacidade empreendedora e quanto ao contingente de trabalhadores a elas vinculados, além de outras tantas virtudes. Não me sinto confortável para aconselhar aqueles que a duras penas dão continuidade a suas atividades, tenho a confiança de que saberão encontrar as melhores alternativas. Arrisco-me, apenas, a sugerir dois pontos. O primeiro, de que persistam enquanto puderem. As crises não são eternas e, por vezes, nos surpreendem pelas alternativas de superação que provocam. O segundo é baseado em experiências vividas em situações de crise em outros países. Não aceitem que suas dificuldades sejam taxadas como resultado de erros ou incapacidades pessoais. Vivemos uma crise global e muito aguda no Brasil, A razão dela é a escolha de modelos que precisam ser revistos e substituídos. Suas dificuldades, vividas enquanto pequenos empresários, decorrem dessa situação e o fato de sobreviverem prova o valor dos esforços que empenham.

 


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