Desenvolvimento local é indispensável para neoindustrialização brasileira -

Desenvolvimento local é indispensável para neoindustrialização brasileira

Frota de veículos elétricos usados e produção de novos podem viabilizar fabricação de baterias no país
Crédito: Shtutterstock

A construção de um caminho próprio para o processo de descarbonização no Brasil acaba levando à necessidade de uma série de ações locais, como pesquisa e desenvolvimento e produção de novos veículos, sistemas e componentes. Tudo isso pode redundar em mais oportunidades para os fabricantes brasileiros. Mas, também, em desafios. Participante do evento ‘Conexão Sindipeças’, Uallace Moreira Lima, Secretário de Desenvolvimento, Indústria, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC, provocou o setor a assumir atitudes disruptivas. “É o momento de ousar e explorar novas rotas tecnológicas. Por isso, na regulamentação do Mover, fizemos questão de explorar rotas tecnológicas desafiadoras”.

De fato, o Mover – Programa de Mobilidade Verde e Inovação visa estimular as áreas de pesquisa e desenvolvimento das indústrias que atuam no Brasil. E hoje, esse pilar está muito relacionado à eletrificação veicular – mas não apenas ela. “A descarbonização é um dos temas importantes, mas temos outros, como segurança veicular, conectividade, segurança cibernética. Quando a gente coloca toda essa demanda tecnológica, a cadeia de fornecimento pode contribuir com as suas competências, pensando soluções que sejam fora do padrão convencional para a região. Precisamos olhar para essa diferença que temos em relação a outras regiões e pensar na geração de valor. Ou seja, localizar é fundamental, além de trazer riqueza, geração de em prego e outros valores, nos obriga a desenvolver e tirar o máximo daquela tecnologia”, disse João Irineu Medeiros, da Stellantis. E quais seriam essas rotas de inovação local? A mais antiga delas, conforme destacou Irineu, é o próprio etanol. “E aquela que nós precisamos continuar evoluindo. Ninguém mais vai trabalhar no etanol. Há o exemplo do veículo a célula de combustível usando etanol. A célula de combustível existe lá fora, mas usando etanol eu acho que cabe a nós”.

O executivo da Stellantis citou ainda componentes que se tornarão obrigatórios nos veículos até o final da década, como as câmeras de ré. “Elas são importadas, precisam ser localizadas. O volume vai subir de 60 mil para 2,5 milhões por ano, porque todos os carros terão que ter essa tecnologia”. Este, aliás, é um ponto fundamental; afinal, produção local só se viabiliza com escala. “O Brasil não está sozinho nesse mundo. Tem Tailândia, Índia, países africanos, México, enfim, vários outros mercados com demandas parecidas, que também precisam de soluções mais baratas. A gente não pode fazer toda essa agregação de valor alienando consumidores, porque os carros estão ficando mais caros para atender essas demandas”, acrescentou Márcio Alfonso, diretor de Engenharia, Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da montadora chinesa GWM, outro participantes do encontro. João Irineu Medeiros confirmou que o Mover deve estimular a produção local de veículos eletrificados, o que fará crescer mais uma demanda e, portanto, mais uma oportunidade: a fabricação de baterias. “O carro elétrico tem de 20% a 30% menos peças, mas um grau de dificuldade maior, que é a bateria. A bateria passa a ser um componente chave nesse processo, está em franca evolução e vai continuar evoluindo. Precisa reduzir o peso e o custo, ela representa 40% do custo do carro e pesa entre 300 e 400 quilos”.

Dos 10 materiais críticos para a produção de baterias, o Brasil tem pelo menos oito em minas e reservas. Naturalmente, a questão da escala se impõem mais do que nunca, porque, no momento, o Brasil não tem essa demanda. Mas João Irineu defendeu a produção local no futuro, citando estudos que a montadora realizou. “Para saber quando o Brasil poderia ter volume expressivo de demanda de células de bateria, que é a menor unidade da bateria, células de lítio, para justificar uma fábrica. Cada célula tem aproximadamente 4 volts, então calculamos o número de células necessárias. Em 2030, para fazer as baterias dos carros que estarão em produção, estamos falando de aproximadamente mais de 20 milhões de células. Isso já justificaria uma fábrica para fornecer células de bateria para a América do Sul”. Neste sentido, Roberto Fantoni, Senior Partner da McKinsey, acrescentou que, em 2023, com uma frota de cerca de 10 milhôes de veículos elétricos rodando pelo país, a maior demanda por baterias poderá vir dos carros usados. Durante o evento, o executivo da Stellantis se comprometeu a elaborar em parceria com o Sindipeças uma relação de componentes que terão maior demanda a partir da implantação do Mover para justificar uma futura produção no Brasil.

A entidade pretende apresentar esse trabalho aos associados interessados nesta fabricação. E tudo isso é fundamental para o processo de neoindustrialização que o Brasil pretende – e precisa – desencadear. “O setor automotivo tem que fugir da ideia de ser um seguidor de tecnologias para ser um revolucionário e promover disrupção tecnológica. Algumas tecnologias já estão consolidadas e têm líderes no mercado mundial. Temos um conjunto de fatores que nos permite ousar, para que a gente não precise ser um seguidor. O Brasil precisa buscar essa estratégia, talvez pensando se o hidrogênio verde não é uma grande janela de oportunidades para que a gente dê o grande salto e lidere essa rota tecnológica, dadas as condições e peculiaridades que fazem com que o Brasil seja diferenciado. Sem isso, dificilmente a indústria será um vetor do desenvolvimento econômico brasileiro”, desafiou Uallace Moreira Lima, do MDIC.

Cinco fatores ditam ritmo da transição energética

No evento ‘Conexão Sindipeças’, Roberto Fantoni, Senior Partner da McKinsey, apresentou cinco fatores que a consultoria considera determinantes para ditar o ritmo de adoção de veículos elétricos:

1 – Demanda do consumidor “Nas nossas pesquisas, aproximadamente um quarto dos consumidores demonstra interesse que sua próxima compra já seja de um veículo elétrico – por esse veículo estariam, inclusive, dispostos a pagar um prêmio. E nessa compra estariam também abertos para considerar outros modelos de propriedade como, por exemplo, o carro por assinatura”.

2 – Tecnologias e custos “Devemos ver a paridade entre veículos elétricos e veículos a combustão no Brasil entre 2024 e 2029, dependendo do modelo e intensidade de uso”.

3 – Cenário regulatório “A regulação é relativamente neutra para a adoção de veículos elétricos no contexto relativamente favorável dessa regulação para o setor”.

4 – Infraestrutura “Por outro lado, a infraestrutura continua sendo um desafio importante. O Brasil conta hoje com um centro de carregamento para cada 20 veículos aproximadamente, enquanto que o ideal seria algo como um para 10 veículos elétricos. Além disso, existem deficiências na própria rede elétrica que eventualmente precisam ser tratadas com investimentos que podem até ser importantes”.

5 – Casos de uso e massa crítica “E, com tudo isso, a gente já vê alguns casos de uso no Brasil se viabilizando, como, por exemplo, elétricos para frota de veículos compartilhados, assegurando que a massa crítica gradualmente chegue. Ao mesmo tempo que essa trajetória das vendas é relativamente íngreme, a trajetória no parque ou na frota é bastante mais lenta e o Brasil deverá ter algo como 11 milhões de veículos elétricos na frota até 2040. Esta transição da combustão para elétricos deve vir acompanhada por mudanças importantes na dinâmica competitiva, dado que uma parcela relevante – aproximadamente dois terços – desses veículos hoje está sendo vendida por agentes que não estavam no Brasil 10 ou 20 anos atrás, como BYD, Great Wall e Cherry”.


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