Quem atua no aftermarket automotivo há pelo menos uma década tem percebido um progressivo processo de diversificação da frota e dos componentes automotivos. Recentemente, este processo foi mensurado por um estudo inédito da Fraga Inteligência Automotiva que, entre outros fatores, apontou o fato de o número de versões de automóveis circulantes ter saltado de 1.225 para 15.699 entre os anos de 1994 e 2024. Vale apontar que este crescimento exponencial da diversificação da frota tende a aumentar ainda mais nos próximos anos. Afinal, além das variações nos modelos à combustão, temos tido um aumento substancial de veículos híbridos e elétricos, além da perspectiva da chegada de outros modais, futuramente, como os carros movidos a célula de combustível abastecida com hidrogênio.
Como resultado da diversficação da frota, varejistas e distribuidores têm visto crescer a importância do planejamento e da contratação de ferramentas de automação para a gestão de seus estoques. Foi pensando nisso que nossa reportagem convidou o Diretor do segmento de Aftermarket da Linx, Renato Lass, para uma entrevista exclusiva sobre o tema. Durante a conversa, o executivo destacou que o fato do setor de autopeças lidar com produtos de alto valor agregado aumenta o impacto de uma compra inadequada ou de uma venda perdida na comparação com segmentos que trabalham com produtos de menor valor. Quer saber mais e se preparar para mitigar os desafios impostos pela diversificação da frota ao mercado? Confira a entrevista a seguir.
Novo Varejo Automotivo – Distribuidores e varejistas de autopeças vêm enfrentando as consequências da diversificação da frota, o que aumenta a necessidade de ampliar seu portfólio de produtos. Que pressão este cenário causa na gestão do estoque?
Renato Lass – A pressão sobre a gestão de estoque no setor de autopeças tem crescido significativamente nos últimos anos, em grande parte devido à diversificação da frota e aos novos entrantes no mercado, especialmente fabricantes chineses, que trouxeram um mix de produtos diferenciado. Com a diversificação da frota e a introdução de veículos importados e, por consequência, de peças específicas para esses modelos, os distribuidores e varejistas enfrentam um cenário de diversificação constante. Esse movimento é ainda intensificado pelo volume de lançamentos das montadoras já estabelecidas, o que indica uma tendência clara de expansão do portfólio de peças no setor. Diante deste cenário, os varejistas enfrentam um desafio duplo: de um lado, o risco de ruptura pela falta de produtos essenciais no estoque; de outro, o perigo de obsolescência, já que manter itens que não tenham rotatividade pode elevar os custos de estoque. Esse equilíbrio entre atende à demanda de um mercado em constante mudança e evitar excessos no inventário exige uma gestão de estoque ainda mais sofisticada. Além disso, em meio à diversificação da frota, a assertividade se torna essencial tanto no momento da venda quanto da compra. É preciso, ao mesmo tempo, garantir que o SKU escolhido para o cliente final seja adequado ao modelo de veículo específico, minimizando devoluções, e realizar compras que atendam o conjunto de veículos que efetivamente demandam essas peças. Essa precisão na gestão do mix de produtos é crucial para evitar sobras e faltas de itens, além de assegurar que o estoque esteja sempre alinhado com as necessidades dos clientes finais.
Novo Varejo Automotivo – De que maneira a falta ou o excesso de produtos pode impactar negativamente um negócio de varejo que não trabalha com produtos perecíveis, como é o caso do varejo de autopeças?
Renato Lass – No setor de autopeças, que lida com produtos de alto valor agregado, o impacto de uma compra nadequada ou de uma venda perdida é significativamente maior do que em segmentos do varejo com produtos de menor valor. A falta de itens no estoque impacta não só uma venda isolada, mas também a fidelização dos clientes. Quando um consumidor vai à loja uma vez e não encontra a peça de que precisa, ele pode tentar novamente, porém, se a experiência se repetir, é provável que ele busque outro estabelecimento. Assim, o indicador de ruptura não deve ser visto apenas como um problema pontual, mas como uma ameaça potencial ao relacionamento de longo prazo com os clientes, que podem procurar concorrentes que ofereçam, eventualmente, uma experiência mais completa ou preços mais atraentes, gerando perdas futuras para o negócio. Por outro lado, o excesso de produtos gera um custo elevado de capital alocado em estoque, reduzindo a capacidade do varejista de investir na reposição de itens de alto giro, que trazem receita e margem necessárias para a saúde do negócio. Para manter um estoque saudável e garantir que ele seja rentável, é fundamental evitar tanto a falta quanto o excesso de produtos.
Novo Varejo Automotivo – Como a tecnologia pode auxiliar na compra assertiva por parte do varejista?
Renato Lass – A tecnologia é uma ferramenta poderosa para ajudar o varejista a realizar compras assertivas diante da diversificação da frota; contudo, ela depende de pessoas. Portanto, é essencial contar com equipes bem preparadas e disciplinadas, pois são os dados inseridos por elas que movimentam as engrenagens do sistema de gestão e possibilitam tomadas de decisão baseadas em informações precisas. Sem a inclusão dos dados em todas as etapas, desde o cadastro de produtos até as movimentações de entrada e saída de estoque, o sistema não terá condições de fornecer informações confiáveis. A partir dessas informações, algoritmos de sugestão de compras baseados em histórico de vendas, posição de estoque, curva ABC e catálogo, aumentam em muito a assertividade das compras, pois se baseiam em modelos matemáticos testados e provados para gerar maior eficiência no estoque em uma grande diversidade de cenários de negócio, mesmo com a diversifcação da frota. A usabilidade da ferramenta também não deve ser subestimada, pois um sistema que traga uma experiência ruim para o usuário reduzirá a probabilidade de que tudo esteja efetivamente sendo registrado.
Novo Varejo Automotivo – E quando falamos de outros processos fundamentais na gestão do estoque como a padronização do registro dos produtos? Como a tecnologia pode auxiliar o varejista nesse sentido?
Renato Lass – A padronização do cadastro de produtos é o ponto de partida essencial para uma gestão de estoque eficiente, e hoje a tecnologia desempenha um papel fundamental nesse processo. Com o uso de catálogos digitais integrados aos sistemas de gestão, o varejista consegue vincular diretamente os dados dos fabricantes, o que aumenta a precisão tanto nas compras quanto nas vendas. Os catálogos digitais facilitam a identificação de itens similares e equivalentes, como peças de diferentes fabricantes com a mesma aplicação para um modelo de veículo. Essa organização permite que o sistema sugira compras com maior precisão, já que os produtos estão agrupados adequadamente e não há risco de adquirir itens duplicados para a mesma aplicação. Dessa forma, a tecnologia oferece ferramentas que ajudam a minimizar a dependência de processos manuais, permitindo que a equipe foque no que é mais crítico na gestão de estoque. Além do cadastro, a tecnologia pode apoiar em outros processos, como a gestão de promoções, que desempenha um papel estratégico na busca pelo equilíbrio do estoque. As promoções permitem que itens de baixo giro sejam substituídos por produtos de alta demanda. Esse processo precisa ser analisado de forma ampla, considerando o estoque como um todo, e não apenas a margem de um item isoladamente. Às vezes, um produto é vendido a preço de custo ou com baixa margem em uma promoção, mas, ao liberar capital e espaço, a ação permite investir em itens que gerarão lucro em pouco tempo. A omnicanalidade também desempenha um papel fundamental na gestão de estoque, aproveitando as diferentes características da demanda de cada canal. Se uma peça não tem uma boa saída na loja física, por exemplo, ela pode ter maior demanda em marketplaces, que alcançam consumidores de todo o Brasil e permitem uma margem potencialmente maior, mesmo com as comissões associadas.
O uso estratégico dos canais de venda, considerando o parque circulante de cada canal, ajuda o varejista a equilibrar melhor o estoque e a maximizar o retorno diante da pressão da diversificação da frota.
Novo Varejo Automotivo – Falando em termos de números, você tem uma estimativa do impacto de uma boa gestão do estoque no faturamento líquido de uma empresa de varejo?
Renato Lass – Existem diversos estudos de mercado que apontam o impacto de uma boa gestão de estoque no faturamento líquido do varejo, especialmente quando analisamos dois indicadores principais: a ruptura e a perda. De acordo com uma pesquisa mensal realizada pela Neogrid, a taxa de ruptura, que representa vendas perdidas por falta de produtos no estoque, gira em torno de 8% a 12% no varejo, o que, arredondando para 10%, significa que, em média, uma em cada 10 vendas é perdida por indisponibilidade de itens. Esse impacto direto pode se intensificar ao longo do tempo, prejudicando a fidelização do cliente e ampliando as perdas futuras. Já a taxa de perda, que abrange itens que saem do estoque sem registro – seja por furtos, validade expirada ou outras inconsistências – oscila entre 1% e 1,5% na média do varejo brasileiro, de acordo com estudos da Abrappe. Uma gestão disciplinada do estoque pode reduzir consideravelmente esse índice. Isso envolve a entrada adequada de notas fiscais, o cadastro padronizado de produtos, a emissão correta de notas nas saídas de estoque e inventários cíclicos para garantir precisão nos registros. Ter um estoquista dedicado e manter um estoque fechado também pode ajudar a minimizar perdas, já que, apesar do aumento de custos, os ganhos com a redução de perdas podem compensar o investimento. Afinal, no setor de autopeças, o estoque representa uma parcela significativa do capital da empresa – semelhante a uma conta bancária que exige controle restrito e confiança. Estabelecer esse controle rígido nas movimentações do estoque é essencial, especialmente em um mercado de produtos de alto valor agregado.
Novo Varejo Automotivo – Quando falamos de utilização de softwares e gestão automatizada de estoques, você diria que ela costuma ser utilizada mais comumente a partir de qual porte de empresa? Esse cuidado começa, por exemplo, nas médias ou as pequenas empresas já estão inseridas neste contexto?
Renato Lass – A boa gestão de estoque é essencial para empresas de todos os portes, e hoje existem soluções de software que se adequam a diferentes orçamentos e necessidades, desde gratuitas até mais sofisticadas. A escolha do software deve estar alinhada ao perfil do negócio, mas o mínimo de controle é fundamental desde o início para garantir processos bem organizados. Por isso, é recomendado que qualquer negócio, mesmo em estágio inicial, adote um sistema de gestão de estoque, pois corrigir problemas mais tarde é muito mais complexo. O básico – como o cadastro adequado de produtos e a disciplina na execução – deve estar presente em qualquer empresa. À medida que o negócio cresce, o nível de sofisticação das ferramentas também precisa acompanhar. O que funciona para uma operação pequena talvez não seja suficiente quando o volume de lojas, colaboradores e compras aumenta. Por isso, é um processo gradual: começa-se com um sistema mais simples, e à medida que a empresa amadurece, é possível evoluirpara tecnologias mais robustas. Também é importante lembrar que a tecnologia, para ser eficaz, depende de pessoas pre – paradas para usá-la. Adotar um sistema muito robusto sem a maturidade adequada pode sobrecarregar a equipe e trazer resultados contrários aos esperados. Por isso, acreditamos em um avanço progressivo e proporcional à capacidade de cada empresa e equipe, sem pular etapas, para garantir o máximo benefício com cada evolução tecnológica implementada.
Novo Varejo Automotivo – A Linx tem experiência em trabalhar com varejistas de autopeças? Conte um pouco das soluções que vocês disponibilizam e dos resulta – dos que já produziram para este nicho de mercado.
Renato Lass – A Linx possui ampla experiência no atendimento a varejistas de autopeças, com clientes de variados portes, desde pequenos negócios até grandes grupos econômicos com várias unidades pelo país. Um dos nossos maiores diferenciais para esse segmento é o catálogo digital integrado ao software de gestão, que permite aos clientes enxergar não só o próprio mix de produtos, mas também visualizar outras peças e aplicações, incluindo itens de diferentes fabricantes. Dessa forma, é possível a precificação diferenciada com base na aplicação específica de cada peça, o que é um grande diferencial competitivo.
Outro ponto relevante é a integração com marketplaces, atendendo à demanda dos varejistas por uma presença digital mais forte. Nossa solução per – mite usar o mesmo estoque para vendas físicas e online, evitando problemas como a venda duplicada de uma peça e garantindo que o inventário esteja sempre atualizado entre os canais. Além disso, oferecemos uma solução completa para conciliação de vendas e meios de pagamento, tanto na loja física quanto no online, gerenciando de forma segura e eficiente os pagamentos via crédito, Pix, boleto, assim como os realizados nos marketplaces, que envolvem complexidades adicionais, como comissões e fulfillment. Nossa plataforma proporciona uma governança sólida dos dados, facilitando o planeja – mento estratégico dos nossos clientes e dando suporte ao crescimento sustentável dos negócios. Recentemente, compartilhamos um case de sucesso com a São Geraldo, uma empresa de Viçosa-MG que atua tanto no balcão de autopeças quanto em serviços de oficina. A São Geraldo uti – lizou a nossa tecnologia para implementar a curva ABC, o que trouxe maior visibilidade para os produtos que precisavam de atenção, ajudando a aumentar a eficiência das operações, reduzir rupturas e perdas. Esse exemplo prático ilustra bem como nossa solução agrega valor ao varejo de autopeças, gerando resultados tangíveis e uma gestão mais estratégica.