Lucas Torres jornalismo@novomeio.com.br
Historicamente, o setor de energia brasileiro se caracteriza pela pouca diversificação e a grande dependência das usinas hidrelétricas. Atualmente, mais de 60% da energia gerada no país vem desta matriz. Tal dinâmica, somada às instabilidades do volume de chuvas advindas do desequilíbrio climático do globo, têm impactado empresas e pessoas físicas de maneira significativa ao longo do ano de 2021.
Exemplo disso é o fato de a energia elétrica ter experimentado uma inflação de mais de 16% somente no atual calendário – aumento de preços justificado pela ligação das termoelétricas brasileiras a ‘todo vapor’, em uma tentativa de mitigar o baixo volume dos nossos reservatórios no momento e garantir o abastecimento para o cotidiano e a produção.
Com o objetivo de fugir do senso comum que analisa a disponibilidade energética pelo simples viés da ‘boa vontade de São Pedro’, convidamos Henrique Jager, pesquisador do Instituto de Estudos Energéticos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), para discutir maneiras de o Brasil se tornar um player proativo na gestão energética a partir de políticas públicas.
Durante a conversa, Jager – que já presidiu a Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) – destacou que a diminuição da vulnerabilidade do país em relação ao clima esbarra não apenas na pouca diversificação do nosso portfólio de matrizes, mas também em lacunas estratégicas da administração do nosso gerador maior: as usinas hidrelétricas.
Novo Varejo – Como você avalia o fato de mais de 60% da energia elétrica do país advir de nossas hidrelétricas na comparação com outros países? Estamos alinhados com o que tem sido feito ao redor do mundo?
HJ – Nossa matriz elétrica é uma das mais limpas do mundo e fortemente ancorada na geração de energia por parte das hidrelétricas. Poucos países no mundo apresentam situação similar, com destaque para a Noruega e o Canadá. O Brasil tem potencial para aumentar a participação das hidrelétricas na matriz elétrica por meio de uma exploração ordenada do potencial hídrico, com incentivo à instalação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH); e por um processo de repotencialização das usinas já existentes. Creio que o mais importante, dada a situação atual, é adotar uma gestão eficiente dos reservatórios existentes.
NV – O quanto essa predominância da água como fonte energética aumenta nossa vulnerabilidade em termos de dependência climática?
HJ – Estamos vulneráveis às mudanças climáticas porque não estamos adotando as medidas necessárias para nos contrapormos aos efeitos destas, seja por meio da mitigação das causas, seja por meio da adoção de ações para minimizar seus impactos. No caso do segmento de hidroeletricidade destaca-se para a necessidade do governo, por meio da ANEEL e da ONS, adotar uma gestão melhor dos reservatórios das hidrelétricas e incentivar a expansão e a diversificação da matriz elétrica do país. Assim, em situações como a atual, de baixo índice pluviométrico em algumas regiões, outras fontes tais como a eólica e a fotovoltaica, por exemplo, possam ser acionadas para equilibrar o sistema.
NV – Além das citadas, existem outras opções viáveis de diversificação de produção energética em escala dentro do país?
HJ – Outra fonte com forte potencial de crescimento é a geração de energia elétrica por meio das termelétricas a base de gás natural. Com a exploração das gigantescas reservas de petróleo e gás natural do pré-sal, nossa produção de gás natural tem aumentado muito e tende a continuar aumentando nos próximos anos, o que abre a possibilidade para que se utilize parte desta produção para a geração de energia elétrica. Apesar de esta última fonte ser bem mais poluente quando comparada às destacadas anteriormente, pode-se observar que ainda se produz energia elétrica no Brasil por meio de termelétricas movidas a carvão e óleo diesel. Ou seja, a expansão do parque de termelétricas movidas a gás natural pode ser uma oportunidade para limpar ainda mais a matriz elétrica do país, pois permitirá que se retirem de operação as unidades que produzem eletricidade a partir do carvão e do diesel.
NV – Como você tem visto o trabalho do Brasil neste viés de diversificação ao longo dos últimos anos?
HJ – O país vem retrocedendo na estratégia das políticas públicas que dialogam com o aumento da diversificação das fontes de geração de energia elétrica. Incentivos para a implantação de usinas eólicas e fotovoltaicas foram cancelados pelo governo federal este ano, e a ANEEL tem permitido que usinas termoelétricas movidas a carvão e diesel aumentem sua participação na potência outorgada. Outro fato que tem ser destacado é a decisão da atual gestão da Petrobras de reinjetar nos poços produtores mais da metade do gás natural produzido. Com isso, reduz a oferta desse produto no mercado, incentiva a sua importação, o que o torna mais caro e de fornecimento incerto, e desestimula novos projetos de geração de eletricidade por meio de termelétricas movidas a gás natural.
NV – A energia nuclear é, já há alguns anos, vista como uma alternativa energética por parte de nossos governantes. Não por acaso, tivemos investimento na construção das usinas de Angra. Em contrapartida, a recente ‘ligação’ dessas usinas acarretou em aumento das tarifas para o consumidor. Diante de todo esse contexto, gostaria que você opinasse sobre as vantagens e desvantagens dessa matriz. E em que estágio ela está no Brasil em termos de escalabilidade sustentável?
HJ – O Brasil nunca investiu, efetivamente, na geração de energia elétrica por meio das centrais nucleares. A participação da energia nuclear na matriz elétrica nunca passou de 5% e atualmente está em 1%. São só três usinas, duas em funcionamento e uma em construção. Apesar do potencial catastrófico de um acidente, o que fez com que alguns países como a Alemanha adotassem um programa de fechamento de suas usinas nucleares, a geração nuclear, se bem administrada e com todas as questões de segurança observadas, pode ser uma importante fonte de energia elétrica. A questão central nesse debate é: um país com as características climáticas como o Brasil deve investir nesta fonte para a geração de energia elétrica, considerandose os riscos envolvidos e seus custos? Creio que o programa atual é mais uma estratégia militar de dominar a tecnologia nuclear do que um projeto de diversificação das fontes da matriz elétrica.
NV – Nos dias atuais é impossível separar a pauta da eficiência energética da pauta da sustentabilidade ambiental. Sobre isso, quais são as alternativas de produção de energia limpa que seja, ao mesmo tempo, capaz de suprir as demandas do país, sobretudo do setor produtivo?
HJ – Sem dúvida, no estágio atual de desenvolvimento tecnológico, a hidroeletricidade e as energias eólicas e fotovoltaicas são as três fontes de energia com os menores impactos ambientais e com maior potencial de crescimento no país. E não há saída única. Teremos que investir na diversificação, no aumento da integração do sistema e na implantação de uma capacidade instalada maior do que a necessidade de consumo. Assim, garantiremos que se a energia gerada por uma determinada fonte em uma determinada região diminuir seu fornecimento tenha plena reposta pela produção de energia pela mesma fonte produzida em outra região ou por outra fonte na mesma região ou em outra região do país. Trabalhar com capacidade instalada maior do que a demanda tem um custo, mas se o país almeja estabilidade no fornecimento terá que conviver com esse custo. Do lado da demanda, as unidades produtivas terão que investir, também, em maior eficiência energética, reduzindo seu consumo deste importante insumo.
NV – Temos visto avanços na utilização da energia solar. O quanto este modal pode contribuir para a diversificação energética do país?
HJ – A energia solar tem um elevado potencial de crescimento no Brasil dada a forte incidência de raios solares por todo o ano na maior parte do território do país. Os dados da ANEEL indicam que a energia solar irá apresentar um forte ciclo de expansão nos próximos anos, seja por meio da instalação de usinas fotovoltaicas para produção de energia elétrica para o sistema integrado, seja por meio da expansão da geração descentralizada, quando as residências e as unidades produtivas geram a energia para o seu consumo próprio. O mundo investe maciçamente no aumento da produção de energia pelo aproveitamento direto dos raios solares, e no Brasil não será diferente.
NV – Como você avalia a atuação deste governo – e também dos passados – em relação às questões de energia. Temos sido proativos na mitigação de riscos a partir de políticas públicas e legislações?
HJ – Quando se fala em energia, se fala em planejamento de longo prazo. Nesse sentido, os governos anteriores têm parte da responsabilidade pela crise atual. Mas a paralisia do atual governo na gestão dos reservatórios das usinas hidrelétricas das regiões sul e sudeste agravou sobremaneira a situação, potencializando o risco de faltar energia elétrica no país. É importante que esse exemplo sirva como lição, e o país recupere sua capacidade de planejamento de longo prazo, se antecipando a possíveis crises e tendo a diversificação das fontes como princípio norteador da expansão do sistema.