Recuperação, no entanto, só será consolidada por meio da aprovação de reformas
Lucas Torres
A histórica recessão da economia brasileira parece estar chegando ao fim. A melhora dos índices de confiança de empresários e consumidores parece ter acalmado o clima de depressão generalizada, alavancando um leve crescimento (0,23%) da atividade econômica do país no mês de junho. Dados – do segundo trimestre acumulado, no entanto, ainda apontam para uma retração de 0,53% – a nona seguida desde abril de 2014.
Embora ainda não esteja sendo sentida no dia a dia da maior parte da população, a recuperação da economia nacional é o assunto mais quente nas conversas entre profissionais e especialistas da área.
Recentemente, durante o seminário Reforma Fiscal, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o ex-presidente do Banco Central, Carlos Langoni, chegou a dizer que, na prática, a recessão já acabou, uma declaração surpreendente que ignorou os parâmetros técnicos de análise de situações recessivas.
De acordo com a teoria econômica, a recessão é marcada por quedas consecutivas do Produto Interno Bruto (PIB) de determinado país. No Brasil convencionou-se considerar os índices de atividade econômica – expostos pelo Banco Central – como ‘prévias do resultado oficial do PIB’, divulgado oficialmente mais tarde pelo IBGE.
Portanto, levando-se em conta a prévia do segundo trimestre de 2016, o PIB brasileiro se retraiu mais uma vez, atingindo sua nona queda consecutiva.
A declaração, para lá de otimista, de um ícone da economia brasileira repercutiu na comunidade do setor e dividiu opiniões. Os mais cautelosos, representados, por exemplo, pelo economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, fortalecem a necessidade de se aguardar que a melhora dos índices de confiança se traduzam na recuperação do PIB. “Sabemos que uma recessão é marcada por quedas sucessivas do PIB nacional. A expectativa é que o terceiro trimestre traga uma recuperação desse indicador, mas, enquanto isso não acontecer, não podemos nos antecipar em dizer que a recessão acabou. Temos de aguardar”, analisa. Outros, mais otimistas, como a especialista em macroeconomia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, já projetam o cenário bancado por Langoni. “O fim da recessão está próximo”, prevê a economista.
No setor automotivo, as perspectivas também começam a melhorar. Durante a abertura do Congresso Fenabrave, no final de agosto, o presidente da Anfavea, Antonio Megale, avaliou que, a partir de agora, as vendas de veículos terão crescimento gradual, o que culminará em retomada expressiva no ano que vem. O otimismo está em sintonia com a previsão do Banco Central, que, depois de mais de dois anos de trevas, já sinaliza expansão positiva do PIB para 2017.
Solidez da recuperação dependerá de reformas
A tendência de retomada da economia nacional impulsionada pela melhora dos índices de confiança deve, entretanto, ter alcance limitado – como já previam profissionais das ciências econômicas ainda no início do ano.
Durante o seminário “Tendências e Perspectivas para o Varejo em 2016”, promovido pela FGV em março deste ano, o doutor em economia pela Universidade de São Paulo, Marcos Fernandes, alertou para o fato de que o andamento do processo de impedimento da presidente afastada Dilma Rousseff produziria uma espécie de ‘choque de esperança’ no país, afetando positivamente o humor de empresários e consumidores, mas que a melhora substancial da atividade econômica brasileira só seria possibilitada por meio da realização de reformas estruturais.
Cinco meses depois, a expectativa de Fernandes – de que a realização de reformas é prerrogativa fundamental para a solidificação da economia nacional – se tornou uma espécie de mantra dos economistas do Brasil.
Para o consultor da Infinity Asset Management, Jason Vieira, é preciso que haja um rápido entendimento entre Governo e Congresso para a aprovação de reformas relacionadas ao âmbito fiscal – na direção de se garantir a sustentabilidade das contas públicas.
A tese é sustentada por Alessandra Ribeiro, que destaca a aprovação da polêmica PEC dos gastos públicos (veja no box a seguir) e a reforma da Previdência como questões urgentes para a solidificação do fortalecimento da economia nacional. “Se não conseguir caminhar nesta direção, o cenário econômico se torna bem mais pessimista e os índices de confiança certamente voltarão a cair”, prevê Alessandra.
Arquitetada pelo Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a PEC 241/16 tem como objetivo principal estabelecer o controle dos gastos públicos por meio da limitação do reajuste anual das despesas da União à variação da inflação do ano anterior.
Ou seja, caso a medida seja aprovada até o mês de dezembro, os gastos de 2017 se limitarão ao montante das despesas de 2016 corrigidas pela inflação acumulada no ano atual.
Desde anunciada, a emenda constitucional tem enfrentado resistência em diversos setores da sociedade brasileira, sobretudo pelo fato de – na opinião de seus antagonistas – provocar uma possível redução nos gastos necessários com educação e saúde, ferindo o princípio constitucional do não-retrocesso.
Alguns dos principais detratores da PEC, como o professor da Universidade de Campinas, Eli Lola Andrade, afirmam que, caso a medida tivesse sido a provada no ano de 2003, por exemplo, mais de R$ 3 trilhões deixariam de ser investidos somente na área da saúde até o ano de 2016.
Fim da interinidade pode impulsionar capacidade de negociação do novo governo
A necessidade da realização de reformas na área fiscal conviveu nos últimos meses com a indefinição de quem ocuparia a cadeira presidencial até o dia 31 de dezembro de 2018.
Dono de uma capacidade de articulação no congresso tão grande quanto sua impopularidade junto a grande parte da população brasileira, Michel Temer aguardou o desfecho do processo de impedimento de sua antiga companheira de governo, Dilma Rousseff, para dar prioridade total ao avanço da reforma fiscal.
Alessandra Ribeiro espera que efetivação de Temer reduza fragilidade do novo governo
Para Alessandra Ribeiro, existe a expectativa de que a efetivação de Temer reduza a fragilidade do novo governo, dando-lhe mais força para conduzir o chamou de ‘dura agenda do ajuste fiscal’. “Isso, no entanto, não significa que será fácil. Por ser um presidente com baixo capital político, a dificuldade fará parte do processo”, pondera.
Já Jason Vieira, questionado sobre uma possível resistência da população a algumas das reformas propostas pelo novo governo – e, diga-se, respaldadas por grande parte dos economistas brasileiros – afirma que essa característica de possuir ‘baixo capital político’ deve ser responsável por fortalecer Michel Temer durante o processo pouco simpático a alguns setores da sociedade civil. “As medidas, muitas delas impopulares, tendem a ser aprovadas se forem apresentadas fora do período eleitoral, com a continuidade da certeza de que Michel Temer não se candidatará à recondução para a presidência em 2018”, projeta.
A polêmica dos direitos trabalhistas
Com 11,4 milhões de desempregados, o Brasil passa por uma das épocas mais nebulosas de sua história recente no que tange a empregabilidade. Cenário este que fez ressurgir o debate sobre a rigidez das leis trabalhistas nacionais, tema que – desde o fortalecimento da classe trabalhadora, na longínqua era Vargas – nunca deixou de ser protagonista nas rodas de conversa do empresariado nacional, ainda que, em outros tempos, fosse discutido de forma mais velada.
O aumento da pressão dos empregadores nacionais, aliada ao desespero dos milhões de desempregados, deve aumentar a pressão para que o novo governo promova uma espécie de ‘flexibilização dos direitos trabalhistas’.
Para Jason Vieira, as tais medidas se mostram necessárias no momento atual para que se promova um aumento da oferta de empregos, por meio do estabelecimento de uma maior liberdade de negociação entre empregados e empregadores.
“Um dos primeiros pontos a ser revisto é o imposto sindical e, posteriormente, a legalização da corrente e totalmente difundida prática de terceirização, onde o que vale é o acordo entre as partes. Esta legalização traz a fiscalização necessária para que os direitos básicos dos trabalhadores sejam respeitados e que outros diversos sejam revistos de maneira mais humanizada”, sugere.
Mais moderada, Alessandra Ribeiro afirma que a questão trabalhista não deve ser prioridade do governo Temer. “Ele deve dar prioridade para a PEC dos gastos e reforma da previdência dado os seus impactos fiscais”, opina.
Intenção de Consumo sobe pela primeira vez em seis meses
Um dos recentes indicadores que apontam para uma possível recuperação da economia foi divulgado no final de agosto pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Pela primeira vez em seis meses a Intenção de Consumo das Famílias (ICF registrou aumento na comparação mensal: 0,9% entre julho e agosto. Numa escala de 0 a 200, a ICF alcançou 69,3 pontos, puxada pela variação positiva em todos os sete componentes do índice. Na variação anual, porém, houve um recuo de 15,3% e o resultado ainda evidencia uma percepção ruim, uma vez que está bem abaixo da chamada zona de indiferença, de 100 pontos.
Único componente acima dos 100 pontos, a avaliação do Emprego Atual subiu 1,6% em relação a julho. Com 102,3 pontos apresentou, no entanto, uma queda de 5,6% em relação ao mesmo período do ano passado. O percentual de famílias que se sentem mais seguras em relação ao emprego no momento é de 28,9%.
Com 44,2 pontos, o Nível de Consumo Atual subiu 0,5% em relação ao mês anterior. Na comparação anual, houve uma queda de 29%. A maior parte das famílias declarou estar com o nível de consumo menor do que no ano passado: 66%.
Agosto foi o primeiro mês, desde fevereiro, em que o item Momento para Duráveis registrou variação positiva, com 2,1% acima do verificado em julho. Com 41,9 pontos, teve um recuo de 22,8% em relação ao mesmo período de 2015. A maior parte das famílias – 76,3% – considera o momento atual desfavorável para a aquisição de duráveis.
As expectativas menos negativas para o segundo semestre levaram a CNC a revisar suas projeções para o varejo restrito de -5,6% para -5,4% ao final de 2016. Também houve revisão da projeção para o varejo ampliado (que engloba automóveis e materiais de construção) de -10,6% para -9,8%.
Indicador ago/16 | Variação | Mensal | Variação |
Emprego Atual 102,3 +1,6% | 5,6% | Emprego Atual 102,3 +1,6% | 5,6% |
Perspectiva Profissional 94,0 +0,5% | 5,4% | Perspectiva Profissional 94,0 +0,5% | 5,4% |
Renda Atual 85,3 +0,3% | 14,9% | Renda Atual 85,3 +0,3% | 14,9% |
Compra a Prazo 64,0 +1,1% | 20,9% | Compra a Prazo 64,0 +1,1% | 20,9% |
Nível de Consumo Atual 44,2 +0,5% | 29,0% | Nível de Consumo Atual 44,2 +0,5% | 29,0% |
Perspectiva de Consumo 53,6 +0,4% | 20,4% | Perspectiva de Consumo 53,6 +0,4% | 20,4% |
Momento para Duráveis 41,9 +2,1% | 22,8% | Momento para Duráveis 41,9 +2,1% | 22,8% |
ICF 69,3 +0,9% | 15,3% | ICF 69,3 +0,9% | 15,3% |
Fonte: CNC