Efeitos das chuvas no Sul serão sentidos por todo o Brasil -

Efeitos das chuvas no Sul serão sentidos por todo o Brasil

Inflação dos alimentos é um deles, alertou o ex-governador do Rio Grande do Sul em reunião do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo
Crédito: Shutterstock

O efeito das chuvas no Rio Grande do Sul será sentido em todo o Brasil – principalmente na inflação. A frase, de Germano Rigotto, ex-governador do estado e presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários, dá uma ideia das dimensões da tragédia.

Em sua palestra “Os desafios para reconstrução do Rio Grande do Sul”, apresentada nessa segunda-feira (27/05), durante reunião do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Rigotto, enumerou não só perdas que impactaram 85% dos municípios, mas também as quebras de safra que afetarão a distribuição de produtos, como o arroz.  

O Rio Grande do Sul é responsável por 70% da produção de arroz do país, sendo a maior parte absorvida pelo mercado interno. As chuvas destruíram pelo menos 1 milhão de toneladas. Mas 84% da safra local, equivalentes a 7,2 milhões de toneladas, já tinham sido colhidas, explicou Rigotto. 

O governo federal anunciou sábado (25) a intenção de importar 1 milhão de toneladas do grão para manter a oferta interna e equilibrar preços, para serem vendidos a R$ 4 como incentivo.

Tentando se reerguer, com as propriedades arrasadas pelas chuvas e em meio aos atuais problemas logísticos, o setor teme que esse seria um primeiro passo para desestimular a produção e gerar demissões, disse Rigotto. E geraria um “impacto enorme”, ameaçando não só a renda dos rizicultores, mas o custo de vida das famílias de menor renda, completou. 

Já a soja, que tem o Rio Grande do Sul como segundo maior produtor do país, já tinha 70% da safra colhida antes das chuvas, mas estima-se quebra de 2 a 3 milhões de toneladas do grão, de um total de 22 milhões. A estimativa é de perda de 5% da safra total do país (147 milhões de toneladas). Os setores de citricultura e hortifrútis também tiveram grandes perdas, ainda tentando ser contabilizadas

Outros setores da agricultura afetados no Sul são o de carne bovina, já que o estado responde por 15% da produção nacional, de frango (12%) e de carne suína (17%). Nestes dois últimos, as perdas estimadas são de R$ 183 milhões, com granjas devastadas e um cenário de “mortandade impressionante”, além de frigoríficos tomados pela água, afirmou.  

Rigotto reforçou que a situação da agricultura do Rio Grande do Sul vai demandar um investimento muito alto para recuperar o que perdeu, e voltar a produzir normalmente.

“As enchentes prejudicaram os animais e o cultivo da próxima safra, e se o governo não criar ações rapidamente para recuperar esse quadro, parecidas com as da pandemia (como o Pronampe, crédito aos pequenos negócios, que deve ser anunciado a qualquer momento pelo vice-presidente Geraldo Alckmin), o problema ficará cada vez mais sério.”

Segundo o ex-governador, que também faz parte do Conselho Político e Social (COPS) da ACSP, o Rio Grande do Sul representa 6,5% do PIB nacional, é a quarta economia do país (atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), representa 12,7% do PIB do agro, e tem participação de 6,1% na indústria. “Este impacto que temos hoje, de todo esse conjunto de tragédias que abate o Rio Grande do Sul, atinge não só todos os setores do estado, mas todo o país.”

SOLIDARIEDADE TEM QUE CONTINUAR

Afetado por 10 eventos climáticos extremos desde setembro de 2023, o Estado do Rio Grande do Sul mal havia se recuperado e, pouco mais de seis meses depois, sofre desde o final de abril com a maior “catástrofe climática” já registrada no país, segundo Germano Rigotto.  

Com 470 dos 497 municípios afetados pelas enchentes, ou 85% do estado, esse desastre, em termos de impacto, pode ser maior que o de Brumadinho, afirmou.

“Só em Porto Alegre, tivemos uma ‘loucura’ de precipitação de chuva de 600 mililitros em menos de um mês, que depois atingiu pesadamente a região Metropolitana (Canoas, Vale dos Sinos, do Paranhã e Eldorado do Sul). A média é 100. Há locais como o Vale do Taquari, região produtora muito forte, que passou por duas enchentes em menos de seis meses.”

Rigotto apresentou mais números da tragédia, apurados até o último dia 13 de maio. Pelo menos 80.826 pessoas estavam em abrigos, e 538.241 desalojados em todo o estado. Havia pelo menos 608 feridos, 127 desaparecidos e 165 óbitos. No total, mais de 2,145 milhões de gaúchos foram afetados de alguma forma pela catástrofe, informou o ex-governador.   

“É trágico, é terrível, e esses dados vão sofrendo alterações diárias”, completou. 

Ele citou também 286.010 pontos sem energia, 131.057 unidades consumidores sem água e uma “infinidade” de municípios com telefonia e internet prejudicadas. A logística está comprometida, com as BRs e estradas estaduais e vicinais com quedas de barreiras, e alguns municípios estão isolados: são 26 pontos de bloqueios, sendo 109 totais, 53 parciais e 164 liberados. 

O principal aeroporto, Salgado Filho, em Porto Alegre, ainda tomado pelas águas, continua fechado até 30 de maio, mas ainda não é possível medir o tempo para recuperação.  

“Não dá para se deslocar de um município para o outro, as indústrias não conseguem trazer insumos nem levar produtos. Essa dificuldade logística gera um efeito terrível na economia e na população, que não consegue trafegar”, destacou. Muitas empresas do setor siderúrgico e metal-mecânico estão paradas, gerando reflexos na produção de autopeças. “As montadoras, assim como o polo petroquímico, estão dando férias coletivas ou paralisando atividades.”

Mas Rigotto mencionou também as mais de 76 mil pessoas e 10 mil animais regatados, com ajuda do efetivo de 27.651 policiais e bombeiros e o chamamento de mais mil, além de 712 de outros estados, como São Paulo, e os voluntários que vão para o Sul para ajudar. 

Com custo de reconstrução estimado em R$ 19 bilhões (mas que pode chegar a R$ 100 bilhões, segundo alguns especialistas), o Rio Grande do Sul depende da “agilidade do governo federal” na liberação de medidas para isso acontecer, assim como da desburocratização de processos, para fazer os recursos chegarem mais rápido para quem mais precisa, reforçou. 

Hoje, por exemplo, há 68 abrigos com 65 mil pessoas que perderam suas casas, em municípios que terão que ser reconstruídos do zero. “Mas também vai ser preciso liberar crédito para pequenas empresas que tiveram a sede destruída e o estoque desapareceu.”

Além das discussões nas três esferas do governo, Rigotto lembra que será necessário discutir, em nível nacional, mecanismos de proteção às cidades em caso de eventos climáticos extremos. 

Mas, principalmente, não deixar, com o passar dos dias, o assunto esmorecer e a imprensa, aos poucos, dar cada vez menos espaço para a tragédia no Sul.

“O quadro é sério. Por isso precisamos de todo esse apoio e solidariedade que o Rio Grande do Sul tem recebido de todo o Brasil para poder seguir em frente.”


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