Especialista aponta inflação atual como uma das piores desde a década de 1990 -

Especialista aponta inflação atual como uma das piores desde a década de 1990

Coordenador da FECAP, Ahmed El Khatib destaca pulverização da alta de preços entre segmentos, bem como a dificuldade de atacar um movimento oriundo de múltiplas causas

Lucas Torres jornalismo@novomeio.com.br

“Um dos piores choques de preços desde o final da hiperinflação dos anos 1990”. Esta foi a maneira com que o coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Ahmed Sameer El Khatib, descreveu a atual escalada da inflação nos mais diversos setores da economia brasileira. Essa percepção do especialista é corroborada tanto pelos números gerais – como os do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, que avançou robustos 8,35% nos últimos 12 meses – quanto os mais segmentados ao aftermarket automotivo, como a trajetória consecutiva de elevação dos preços das autopeças ao varejo, conforme apurado mensalmente pelas pesquisas MAPA e ONDA, do After.Lab.

Tamanha pulverização e abrangência da alta nos preços tem gerado enorme pressão na cadeia produtiva do país e, por conseguinte, em todos os estratos da população – sobretudo quando se considera a espécie de efeito manada de uma inflação que se iniciou nos produtos alimentícios e hoje tem no aumento de cerca de 13% da energia elétrica seu principal impulsionador. Ao realizar uma reflexão específica para os impactos desse cenário no âmbito da cadeia produtiva, El Khatib apontou que os setores de varejo e atacado têm sofrido os principais impactos. Isso ocorre, segundo o professor da FECAP, pelo fato de tanto indústria quanto os produtores rurais estarem adotando a estratégia de mitigar o aumento dos preços de matérias-primas e insumos cotados em dólar, moeda que se encontra solidificada acima da casa dos R$ 5,00 desde o segundo semestre de 2020, a partir da priorização das exportações e do repasse de custos para a ponta da cadeia. “Com o real desvalorizado em relação ao dólar seria como se os produtos brasileiros estivessem em promoção para o mercado externo.

Foi o que aconteceu em 2020 com o arroz: 35 países aumentaram as importações do Brasil e outros 25 passaram a comprá-lo. Com o dólar caro, o produtor prioriza as exportações, esvaziando o mercado local. O resultado é um preço maior em razão da procura e pouca oferta” – analisou El Khatib, pontuando os efeitos nefastos deste ambiente de negócios para varejistas e atacadistas. “Com a moeda brasileira desvalorizada, os preços internos são majorados e competem com os preços de exportação e, por consequência, essa diferença cambial é repassada ao preço final no atacado e no varejo”.

AUTOMOTIVO

Além de analisar os impactos deste movimento inflacionário para os players responsáveis por manter o consumo interno minimamente aquecido nestes tempos sombrios de perda generalizada de renda, o acadêmico lançou ainda uma lupa sobre os impactos sofridos pelo setor automotivo.

Um dos segmentos mais prejudicados pelo retorno do dragão da inflação, as montadoras têm sofrido, segundo El Khatib, com um aumento substancial de seus insumos e matérias-primas, tais como o aço, o alumínio e as resinas. Além das montadoras, sofrem com estas altas consecutivas os fabricantes de autopeças. Para o especialista, porém, a profundidade com que o aumento de preços tem se espalhado na economia local não poupa sequer um elo da cadeia automotiva da obrigação de repassar seus custos para o consumidor final. Para ilustrar este impacto 360º, El Khatib cita o exemplo das empresas ligadas à manutenção e à prevenção de danos em automóveis – para as quais a alta das autopeças se somou ao aumento da energia elétrica, elevando o custo dos serviços de mão de obra.

Repasse dos preços ao consumidor final se somara à crise da demanda para gerar horizonte nebuloso nos próximos meses

Em um de seus últimos arroubos de otimismo, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou – em 7 de julho, na Câmara dos Deputados – que o país irá surpreender o mundo crescendo entre 5% e 5,5% ainda em 2021, expectativa que superou com folga os 3,5% projetados na última previsão do PIB realizada pela pasta.

O otimismo quase hiperbólico de Guedes não encontra, no entanto, consonância com o cobertor curto que se coloca entre o urgente controle da inflação e a necessidade de promover incentivos capazes de aquecer o consumo e a demanda.

Segundo El Khatib, as iniciativas tomadas pela autoridade monetária para alterar a taxa básica de juros (SELIC) com aumentos sucessivos como forma de mitigar esse impacto inflacionário são válidas, mas não suficientes. Isso porque o controle da inflação depende de outras variáveis (algumas fora do controle governamental) como o significativo aumento dos preços das commodities (produtos de uso básico com cotação no mercado internacional, como minério de ferro, petróleo, alimentos) e restrição de oferta de alguns materiais e insumos utilizados na produção.

Além disso, o especialista aponta que a tentativa de controlar a alta dos preços com o aumento da SELIC não chega sem simbolizar um sacrifício de curto prazo, pois tende a funcionar como um freio para o crescimento do PIB e um obstáculo na retomada dos empregos. “É uma escolha com duras consequências”, sentenciou El Khatib.

Questionado sobre os principais erros e acertos da gestão de Guedes à frente da pasta do Ministério da Economia, o acadêmico elogiou as primeiras iniciativas – voltadas à construção de uma agenda liberal, de privatizações e de marcos legais. Mas fez críticas à sua inoperância em âmbitos mais ‘micro’, diretamente ligados à demanda.

Para ele, o abandono do lado da demanda é ilustrado por uma população que sofre e seguirá sofrendo com os aumentos nos preços, perda de poder aquisitivo e desemprego batendo na marca de 15 milhões de brasileiros. “Portanto, o cenário que se desenha não é nada favorável para o controle dos preços (não só em termos percentuais e de metas) para a população em geral que tem sua vida indexada aos índices de inflação – alimentos, combustíveis, alugueis e outros”, concluiu o coordenador da FECAP.


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