Especialista em reestruturação de empresas dá dicas para sobreviver em meio a cenário de amplo endividamento das empresas do varejo -

Especialista em reestruturação de empresas dá dicas para sobreviver em meio a cenário de amplo endividamento das empresas do varejo

Gestão e posicionamento são armas contra conjuntura ameaçadora

Um relatório divulgado no mês de julho pela consultoria Virtus revelou que as varejistas do Brasil estão cada vez mais endividadas. Considerando dados do Banco Central sobre créditos concedidos ao varejo, o levantamento revelou que as empresas do setor estão negociando atualmente R$ 56 bilhões em dívidas e que, no recorde das empresas listadas em bolsa, o endividamento das empresas do varejo total praticamente dobrou entre 2019 e o 1º trimestre de 2024.

Diversos fatores compõem a fotografia deste cenário. Dos juros insistentemente altos dos últimos meses à crise do modelo de negócios de grandes magazines, passando pelos desafios de adequação a uma era cada vez mais digital, os gestores têm se deparado com um mar de desafios para superar.

Para especialistas em reestruturação de empresas como o CEO da Excellance, Max Mustrangi, porém, é possível escapar desse emaranhado de problemas ‘controlando aquilo que é possível ser controlado’.

Em entrevista exclusiva à nossa reportagem, o especialista destacou o posicionamento de marca e um olhar muito mais direcionado para a rentabilidade do que para o volume de faturamento.

“Muitas vezes você quer ficar vendendo volume, volume, volume do faturamento e não percebe o seguinte: a chave para a eficiência financeira melhorar está no corte daquilo que dá prejuízo. Olhando assim, é possível trabalhar de maneira mais enxuta, com um faturamento até menor, mas com uma lucratividade sustentável”, afirmou.

Para Mustrangi, aliás, a atual conjuntura de juros e o consequente encarecimento do crédito eleva a importância da busca pela eficiência. Afinal, se as condições de negociação para os gigantes estão muito duras, para os micro, pequenos e até médios elas se tornam quase inviáveis.

Confira abaixo a íntegra da entrevista e saiba como manter a saúde do negócio:

Novo Varejo – A que você atribuiu a maior aceleração do endividamento das empresas do varejo varejistas do país ao longo deste ano de 2024 no comparativo com os anos anteriores?

Max Mustrangi – No centro de tudo, está a perda do poder de compra do consumidor. Apesar de ouvirmos falar de taxa plena de emprego, temos cada vez mais empregos de menor qualidade, menor segurança e, claro, menor salário. Tudo isso com uma taxa de inflação crescendo acima do esperado e uma taxa de juros que pressiona a questão do crédito.

Com esse consumidor mais empobrecido, os varejistas perdem naquilo que chamo de qualidade da venda. Em alguns setores, o volume até se mantém em patamares razoáveis, mas instala-se uma luta por margem que, no fundo, é uma luta onde ninguém vence.

Os executivos começam a entrar em guerra de preço, de desconto e etc. Tudo para tentar buscar a compensação do faturamento no volume, busca essa que frequentemente termina em prejuízo operacional, dívidas e uma procura bastante perigosa que é de crédito junto ao mercado financeiro. 

Esse é o ciclo que tenho visto se repetir e que está por trás desse momento difícil para o varejo.

Novo Varejo – Você falou dessa batalha por preços que tem estrangulado a margem do varejo e imagino que quem atua no setor esteja sentindo isso na pele. Imagino, porém, que o aumento do endividamento das empresas do varejo também tem provocado uma outra batalha: a da disputa por crédito na praça. Como as pequenas e médias empresas têm se saído neste cenário, dado o fato de que as ‘gigantes’ também disputam, de certa forma, nesta mesma arena? 

Max Mustrangi – Essa é uma situação realmente muito complicada. Afinal, nós temos um mercado financeiro extremamente assustado. Porque, embora pareça que emprestar dinheiro com as condições atuais de juros seja um bom negócio, as empresas estão cada vez mais alertas de que existe um risco iminente de perder o chamado ‘principal’. Isto é, não só os juros envolvidos na operação, mas o próprio montante emprestado.

Para as grandes empresas, isso tem gerado uma série de movimentos perigosos. Como o ato de recorrer a injeções financeiras dos controladores, dado que muitas empresas não têm mais garantia real para dar.

Aí você imagina, se as grandes estão neste cenário, imagina as médias e pequenas que têm muito condição de dar garantia, muito menos real.

É claro que essas menores têm outras saídas como recursos de programas governamentais como o Pronamp. Mas se não há condição de pagar, também gera um grande enrosco.

Atualmente, o melhor caminho é se reestruturar antes que seja necessário pedir crédito como ‘última saída’.

Novo Varejo – E quais dicas você daria para uma empresa que quer evitar entrar nesse ciclo de crédito?

Max Mustrangi – O primeiro passo é saber minuciosamente qual é a margem e ter os custos de estrutura muito bem mapeados e contabilizados. Parece básico, mas muitas empresas não têm. E não falo só das MPE’s…

Depois disso, é mudar o foco de faturamento para rentabilidade. É preferível ter uma geração de caixa com bons resultados do que um negócio gigantesco em que é preciso ir ao banco bater para pegar dinheiro.

O mundo, como um todo, entrou nessa onda de EBITDA que, no fundo, não serve para muita coisa se não para o valuation na hora de fazer uma venda. Não dá para fazer muita coisa com isso no dia a dia do negócio.

Essa confusão atrapalha muitas empresas. O que mais vejo é gente abrindo ponto de venda quando deveria estar fechando ponto de venda.

Novo Varejo – E quem, ao passar a olhar por essa ótica, perceber que o foco no faturamento o levou para um buraco? Como especialista em reestruturação, você acredita que é possível adotar ações concretas para ‘pivotar’ antes de recorrer ao mercado financeiro?

Max Mustrangi – Muitas vezes sim. É preciso, porém, deixar o orgulho de lado. Muitos empresários ainda acreditam que fechar lojas e diminuir de tamanho é dar um passo para trás quando essas atitudes são aquelas que poderão garantir a manutenção da autonomia e da saúde da empresa.

O que é que você está vendendo que te dá lucro? O que dá prejuízo? De novo, não falo de volume ou faturamento. Falo de rentabilidade.

Pare de focar em volume, volume, volume. Eu até brinco. Se o avião está caindo, jogue pela janela tudo o que faz peso atrapalha a chance de sobrevivência de quem precisa sobreviver.

Então, infelizmente, a dica é cortar. Cortar os itens que dão prejuízos, cortar – muitas vezes – pessoas. Reduzir a estrutura, ainda que isso signifique reduzir junto o faturamento.

Na hora que se joga fora esses itens que dão prejuízo e incham o negócio, a rentabilidade vai aumentar. A partir daí, sim. O negócio está do tamanho que deveria? Agora é hora de estabilizá-lo e voltar a pensar em crescer com sustentabilidade.

Deixe o orgulho e até o coração de lado e busque a eficiência financeira. Essa é a lição.

Novo Varejo – Até aqui, olhamos por um prisma amplo. Mas sabemos que o varejo é muito grande e heterogêneo. Dentro desse contexto, você consegue apontar segmentos que estão sofrendo mais que outros pela atual conjuntura? 

Max Mustrangi – Olha, eu prefiro sempre fugir dessa abordagem. Porque, ao atender empresas de diversos segmentos, aprendi que sofrer mais ou menos com a conjuntura depende mais daquilo que as empresas podem controlar do que do segmento em si.

No varejo alimentício, por exemplo, temos empresas que vão muito bem e outras que estão quebrando. Tudo está ligado à gestão e ao posicionamento.

Você está vendendo commodity ou se posiciona em alguma especialidade? Não falo aqui, do produto, tá? Falo do valor agregado que se entrega, o serviço agregado, aquilo que gera caixa operacional.

Quem se posiciona como especialidade está se saindo bem porque é menos pressionado por aquela disputa de margem que falamos lá no início. Então, é olhar para dentro.


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