Por Lucas Torres
Na maioria das vezes em que se discute a tecnologia no varejo faz-se pela ótica das ‘tendências’ – daquelas questões que, embora ainda não presentes, poderão afetar o setor em momentos futuros. Essa abordagem pouco inspira os executivos mais conservadores que, com suas razões, definem tendência como “uma série de sinais de um acontecimento futuro que pode se concretizar ou não a depender de uma série de variáveis”.
Pensando o tema justamente com a cabeça de quem quer traçar um panorama concreto no varejo brasileiro, a GS&UP – empresa especializada em potencializar comercialmente as startups voltadas ao varejo – desenvolveu junto a mais de 70 varejistas nacionais a pesquisa ‘Aplicação de tecnologias no varejo brasileiro: onde estamos e para onde vamos?’, cujo objetivo principal foi identificar quais são as tecnologias realmente presentes na atual realidade do setor no nosso país. Não apenas no âmbito do interesse, mas, sobretudo, do investimento.
Em entrevista exclusiva ao Novo Varejo, o sócio-diretor da GS&UP e coordenador da pesquisa, Caio Camargo, discutiu os resultados do estudo e contextualizou os insights retirados do material com as realidades dos diferentes perfis de players presentes em um ecossistema tão diverso quanto o brasileiro.
Novo Varejo – No que consiste a pesquisa “Aplicação de tecnologias no varejo brasileiro: onde estamos e para onde vamos”?
Caio Camargo – A ideia da pesquisa é criar um roadmap de tecnologias e inovações para o mercado, mapeando de forma clara como o mercado vem considerando adotar algumas tecnologias. Constantemente o mercado é bombardeado por informações de novas tecnologias ou possibilidades para melhorar a forma como o varejo opera ou se comunica com seus consumidores. Assim, buscamos entender conversando com as principais empresas do mercado qual é a verdadeira importância de algumas tecnologias para sua realidade e como ou em quais elas pretendem investir nos próximos anos. A pesquisa foi realizada com os principais decisores de inovação e tecnologia nas empresas abordadas, entre gerentes, diretores e c-levels, de acordo com a nomenclatura adotada pela organização.
NV – O que esse trabalho revelou?
CC – A pesquisa reafirmou algumas crenças sobre o que de fato é essencial ao negócio, e o que, de alguma forma, ainda é apenas “buzz” ou pouco aplicável. Após um período de crise, em que muitos ainda estão se recuperando, o varejo irá cada vez mais apostar em tecnologias que de fato possam fazer diferença no negócio, pressionado pelos avanços tecnológicos ou pela demanda de seus consumidores. A pesquisa apontou que os principais interesses e investimentos serão focados em questões como dados (Big Data); meios de pagamento, que se tornam cada vez mais digitais; ou questões de apoio à logística, que operem o last mile ou o clique e retira (click & collect). De outro modo, inovações como drones ou sistemas automatizados de entregas, as possibilidades de rastreabilidade através de blockchain e até mesmo as soluções em 5G, que surgem com promessas ambiciosas em relação a mudar a maneira como compramos ou nos comportamos em relação ao que compramos, por enquanto estão fora do plano de negócios das empresas, talvez por ainda não terem cases concretos de sucesso, o que poderá mudar com o passar do tempo.
NV – Qual é a importância dessa pesquisa para situarmos o atual momento do varejo brasileiro ante às ‘pirotecnias’ e elementos futuristas demonstrados em algumas feiras de varejo ao redor do mundo?
CC – Acredito que esse é exatamente o ponto. Auxiliar o varejista a se pontuar em relação a tudo o que é sempre falado e divulgado, podendo focar no que de fato aumentará sua produtividade e competitividade.
NV – É justo dizer que a indústria de varejo local, sobretudo no que diz respeito às médias e pequenas empresas, ainda vive um momento de construção de uma base tecnológica, de finalização de uma transição de uma era analógica para uma era digital? Ou você acha que, de maneira geral, essa transição já foi finalizada?
CC – Não, de maneira alguma. Sobretudo no pequeno comércio e nas cidades distantes das capitais, o varejo ainda é predominantemente analógico, longe do mercado digital. Isso obviamente está mudando, a partir do momento em que as tecnologias se mostram mais democráticas e fáceis de serem implantadas. É importante dizer que o consumidor tem um papel importante em tudo isso, criando a demanda. É ele que é o protagonista dessa mudança. A rápida adoção de aplicativos de delivery para comida, por exemplo, fez muitos pequenos negócios adotarem o caminho desses aplicativos para se conectarem aos consumidores que buscam conveniência e velocidade. Temos que lembrar que os aplicativos já mudaram a maneira como o consumidor vê seus programas favoritos, ouve música, pede comida e até mesmo utiliza transportes de maneira variada. É uma questão de tempo até usarem para toda e qualquer compra ordinária. O pequeno varejo precisa entrar no jogo.
NV – Quando falamos em Big Data e Analytics como a tecnologia com maior interesse e índice de investimento por parte dos varejistas brasileiros, isso pode ser interpretado como uma guinada do empresariado local rumo a maior eficiência administrativa e operacional?
CC – Com certeza. Mas também existe a questão de minimamente entender seu mercado para poder acompanhá-lo. Há uma busca pela transformação do “achismo” em “saber”, e em tornar tudo o que pode ser gerado de dados em ações úteis ao negócio. Acompanhar o ritmo do mercado, até pela velocidade da tomada de decisão em alguns negócios, tem se tornando um gigantesco desafio e, por isso, os dados e a maneira como podem ser utilizados têm sido cruciais para as marcas que desejam alcançar ou manter-se em posições de liderança em seu mercado. Se até mesmo nosso futebol hoje vive de dados e estatísticas para decisões de quem entra em campo, ou como o time vai jogar, por que no mundo dos negócios seria diferente?
NV – E quanto aos meios de pagamento? Quais tecnologias estão integram essa categoria e quais são os gatilhos que têm impulsionado o interesse do nosso varejo nesse sentido?
CC – Há uma série delas, mas há um interesse geral em utilizarmos cada vez menos o dinheiro da forma como conhecemos e passarmos a realizar operações praticamente sem a necessidade de papel ou até mesmo de cartões. O celular tem se tornado um dos principais caminhos para que isso aconteça, mas questões como o reconhecimento facial para pagamentos, por exemplo, tem ganhado cada vez mais força no mercado. Não se trata somente de uma questão de conveniência, mas também uma questão que pode melhorar em muito, a segurança das pessoas no dia a dia.
NV – Falando sobre logística, terceiro quesito apontado como o de maior foco pela pesquisa, a alta taxa de interesse e, mais importante, de investimento do varejo local ao tema indica que o e-commerce já é realidade por aqui, mesmo quando não tratamos das gigantes do segmento? Significa que apenas ter e-commerce hoje não basta e que já estamos em um estágio de disputa por eficiência e agilidade nesse comércio digital?
CC – Exatamente. A briga não é mais por ser digital, mas por ser eficiente, atendendo o mercado dentro de sua expectativa. O consumidor tem sido cada vez mais resistente em relação a prazos extensos de entrega, exceto nos casos em que o benefício é muito interessante, como os preços de alguns marketplaces do exterior, muito abaixo do encontrado por aqui. Porém, olhando para o varejo mais tradicional, há uma pressão do mercado para que a entrega seja o mais imediatista possível, e isso vem pressionando o mercado a buscar alternativas de melhorias e eficiência.
NV – Te surpreendeu o baixo desempenho da categoria ‘startups’ na pesquisa? A que se deve esse baixo interesse dos varejistas quanto ao estabelecimento de parcerias com esse ecossistema?
CC – É importante dizer que é uma visão do varejo sobre esse assunto, e que mesmo que haja bons exemplos pontuais, de maneira geral, o varejo parece ter se afastado do conceito de encarar as startups como investimento. De certa maneira, é correto dizer que o varejo ainda é confuso em relação ao tema, tendo dificuldades para se aproximar do ecossistema. Ele ainda não entende se precisa investir, se tornar sócio ou minimamente contratar os produtos ou serviços oferecidos por uma startup. Em minha leitura, uma vez que o varejo parece estar menos interessado, há uma boa oportunidade para aqueles que souberem aproveitar as boas oportunidades que a aproximação com o ecossistema pode oferecer.
NV – Traçando um paralelo entre o que mostrou a pesquisa comandada pela GS&UP com aquilo que foi visto na NRF 2020, o quanto o ambiente de interesse do varejo brasileiro e sua maturidade tecnológica estão distantes do que se vê no varejo norte americano ou chinês?
CC – Parafraseando o título do estudo, existe uma diferença entre onde estamos e para onde vamos. Há uma corrida do varejo brasileiro, principalmente os grandes players, em se digitalizar à maneira da China, buscando criar e conquistar espaço com superaplicativos. Empresas como GPA e Magazine Luiza, entre outras, estão tentando ganhar esse espaço. De outra maneira, movimentos de empresas como Amazon e Alibaba (Aliexpress), de olho cada vez mais no Brasil, estão forçando os players brasileiros a buscar diferenciação e competitividade em questões como logística e operações, se preparando para possíveis movimentos mais agressivos dos gigantes vindos de fora. Mas quando olhamos para a realidade atual do varejo brasileiro, como mostra a pesquisa, ainda estamos longe da digitalização dos negócios, ou de termos mais informações sobre nossos consumidores, mesmo que hoje nossa população, percentualmente falando, seja mais conectada até mesmo do que os chineses – temos cerca de 74% dos brasileiros, contra 56% dos chineses, que estão dentro da média global. Ou seja, o mercado está acordando que há uma demanda reprimida por possibilidades digitais de consumo. Precisamos lembrar que em praticamente todas as redes sociais o Brasil tem um papel de destaque em número de usuários e importância aos negócios. Em suma, o consumidor brasileiro já está pronto. O varejo precisa se preparar. Em relação a adotar tecnologias e novas formas de se comunicar com seus consumidores, os reticentes serão cada vez mais substituídos pelos resilientes.