País é apenas o 125º colocado no ranking de países menos burocráticos do planeta. Reforma tributária está entre as principais demandas do empresariado
Por Lucas Torres ([email protected])
Na literatura, o termo burocracia é definido como o excesso de procedimentos utilizados, em geral, como mecanismos de defesa da legalidade em um ambiente de grande desconfiança a respeito de fraudes e demais expedientes ligados à corrupção.
Como, então, explicar o fato de o Brasil ser, no ranking do Banco Mundial, o 125º colocado na lista dos países menos burocráticos do mundo e, ao mesmo tempo, o 105º entre 180 países elegíveis no ranking dos menos corruptos do estudo Transparência Mundial? Essa é a questão que há muito desagrada o empresariado nacional, que aponta o excesso de burocracia processual e tributária como um dos maiores entraves à sua capacidade competitiva.
Em relação aos processos, o economista chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, afirma que a solução passa por dois fatores primordiais: a digitalização da economia e da gestão pública; bem como a redução do peso e da participação do Estado em múltiplas etapas dos processos.
Essa visão tem, desde a ascensão de Michel Temer à Presidência, sido compartilhada pelo Governo Federal, que tenta criar medidas para diminuir o impacto da ‘meticulosidade exagerada’ e da característica analógica da administração pública nos trâmites de empresas e cidadãos.
Batizada de ‘Lei da Desburocratização’, a Lei 13.726, sancionada em outubro de 2018, prevê – entre outras ações – a ‘descartorização’, com o fim da obrigação de reconhecimento de firma no cartório, tornando a presença de qualquer funcionário público suficiente para a autenticação do documento; e a criação do ‘Selo de Desburocratização’, destinado a reconhecer e estimular práticas e projetos que simplifiquem o funcionamento da administração pública por meio da eliminação de exigências cabidas e exageradas e da adoção de soluções tecnológicas.
“A vantagem de ações como essas é que elas podem ser aplicadas de imediato, por simples determinação do poder Executivo, sem ter de passar pelos ritos do Congresso”, analisa Jason Vieira.
Soluções no campo tecnológico, para o qual bastaria o poderio e o desejo do Executivo, foram destacadas pelo presidente do Sincopeças-SP, Francisco De La Tôrre. “Se o governo digitalizar, por exemplo, os processos dentro da Junta Comercial, para que as pessoas possam abrir seus negócios, isso já facilitaria bastante. Existem tantas outras pequenas ações, como, por exemplo, na hora de entrar com um recurso na Secretaria da Fazenda ou na Receita Federal, se isso pudesse ser feito de forma totalmente digital também já facilitaria bastante, ou mesmo na defesa de eventuais controvérsias junto a esses órgãos”, sugere o dirigente, antes de complementar, tocando na questão trabalhista, recém-abordada no país: “Há também inseguranças ainda existentes no âmbito da relação capital-trabalho que, mesmo após a reforma, oneram bastante as empresas e contaminam o ambiente de negócio”.
Presidente do Sindirepa Nacional e do Sindirepa de São Paulo, Antonio Fiola complementa a análise de De La Tôrre sobre a questão trabalhista ressaltando que o maior problema da situação laboral no Brasil se dá pela não aplicação real das alterações previstas na reforma, que, mesmo depois de aprovada, ainda é ‘ignorada’ e dá lugar à manutenção do regime antigo. “Nosso regime trabalhista complica bastante não só as empresas, mas também a vida dos funcionários. Para a reparação, é necessário que o regime estabelecido com a reforma seja aplicado na prática”, cobra Fiola.
Discussão sobre sistema tributário é essencial para reduzir a burocracia no país
Destaque entre as arquiteturas mais complexas do mundo e responsável por algumas das maiores alíquotas praticadas no planeta, o sistema tributário brasileiro desagrada não apenas os empreendedores, mas também os cidadãos em geral e a maior parte dos especialistas que se debruçam sobre o tema.
Nos atendo apenas ao âmbito empresarial, o problema começa ser exposto no dado – fornecido pelo Banco Mundial – que aponta para o fato de as empresas brasileiras com mais de 100 funcionários gastarem, em média, 1.958 horas anuais, ou 81 dias por ano, para resolver processos ligados à burocracia tributária, carga que supera largamente o próximo país sul-americano na lista dos piores classificados, a Bolívia, com 1.025 horas/ano.
A situação piora progressivamente na comparação com a média dos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como a França, a Espanha e o Reino Unido, cujas empresas gastam em média 160,7 horas.
“Empresas dos Estados Unidos ou da Alemanha, gastam pouco mais de 10% do tempo gasto pelas brasileiras. Isso causa um impacto enorme”, acrescenta Francisco De La Tôrre.
As causas primordiais para tamanha disparidade entre o sistema brasileiro e aqueles aplicados às principais nações do mundo surgem da demasiada pluralidade de impostos utilizada, da complexidade das regras e da autonomia não controlada por parte de nossos estados.
Enquanto na maioria das principais economias do mundo os tributos são integrados ao Imposto de Renda ou ao Imposto de Valor Agregado (IVA), no Brasil essas cobranças se ramificam em uma grande quantidade de pequenas outras cobranças, tais como o Programa de Interação Social (PIS), a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o Imposto sobre Operações de Crédito (IOF) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), além de outros tributos, dos universais aos que só incidem sobre setores específicos.
“Esse excesso de tributos, somado ao excesso de regulações, faz com que os empresários não saibam direito nem o que devem pagar e acabam incorrendo em irregularidades”, aponta Jason Vieira.
O excesso de regulações, mencionado pelo economista da Infinity, espanta os especialistas na área de finanças mundo afora, tanto pela necessidade de verificações de tabelas com muita periodicidade quanto pela obrigatoriedade do uso de cálculos mais complexos do que os demandado pela maioria dos países do globo.
Para se fazer o Diferencial de Alíquota do ICMS, ou DIFAL, por exemplo , é preciso realizar um cálculo baseado na conferência de uma tabela de partilha entre as unidades da Federação que é alterada ano a ano.