Fórum ESG defende etanol no centro da política brasileira de descarbonização -

Fórum ESG defende etanol no centro da política brasileira de descarbonização

Dirigentes apontam para irracionalidade de se abrir mão das características de nossa região em prol de investimentos exclusivos na eletrificação da frota

Lucas Torres [email protected]

A palavra de ordem é descarbonização. Nesta quarta-feira, 26/04, a Arena de Conteúdo da Automec Experience reservou toda a sua agenda da tarde para refletir sobre o impacto da pauta ESG no setor automotivo e separar definitivamente a necessidade de maior sustentabilidade ambiental de discursos que a atrelam exclusivamente à eletrificação.

O fórum que reuniu nomes de peso aftermarket nacional como o Diretor de Inovação do Sindipeças, Mauricio Muramoto, o consultor da Bosch, Basaliel Botelho, o diretor da Anfavea, Henry Joseph Junior, o presidente da NTU, Francisco Christovam – além do jornalista Fred Carvalho, ecoou entre os presentes como uma espécie de ‘manifesto em prol da independência brasileira’ para encontrar a solução mais viável e condizente com as especificidades do país.

Responsável por abrir o painel, Muramoto destacou, antes de tudo, a urgência de uma mobilização em prol da diminuição da emissão de carbono – apontando o atual cenário de poluição como responsável direto por anomalias climáticas no Brasil e no mundo.

“Quando chove 600mm de uma vez em São Sebastião-SP e a Europa passa a conviver com secas agudas e constantes, é sinal de que não podemos seguir fazendo as coisas como estamos fazendo”, apontou o diretor do Sindipeças.

Dentro deste contexto, Muramoto reforçou a agenda estabelecida pela ONU no ano de 1999, com KPI’s claros para evitar que a terra aqueça a níveis quase irreversíveis até o ano de 2050.

Depois de reforçar o alinhamento pleno do Sindipeças com a pauta ESG, porém, o dirigente criticou a forma com que ela tem sido conduzida por boa parte dos players do mercado internacional.

A crítica se ancorou, acima de tudo, pelo fato de considerar que agentes políticos – que classificou como burocratas, estarem elegendo uma tecnologia específica para direcionar o mercado automotivo em sua busca por mais sustentabilidade.

“O inimigo é o carbono. Sendo assim, é preciso reunir uma gama de soluções para combatê-lo. A política pública não pode eleger as tecnologias que devem fazê-lo. Cabe a ela incentivar o mercado a encontrar as alternativas mais viáveis sob os pontos de vista ambiental, social e econômico”, analisou Muramoto.

Para ilustrar essa necessidade de uma avaliação plural das possibilidades, o dirigente chamou a atenção para o fato do etanol ser, atualmente, uma solução mais limpa do que a eletrificação europeia. Isso porque, segundo ele, uma análise criteriosa deve levar em conta a poluição gerada em todos as etapas do automóvel – de sua produção ao fim de sua vida útil, passando, é claro, pelo seu tempo de rodagem.

A análise de Muramoto teve como base um estudo da Volkswagen exposto na tela abaixo:

“Esses números, é bom dizer, não fazem do etanol uma solução universal. Afinal, ele não tem capilaridade para abastecer a Europa. Apesar disso, eles o colocam como uma alternativa a ser considerada e desenvolvida em suas diversas facetas, primeiramente para o Brasil, depois para locais como a África e a Índia”, pontuou o palestrante – antes de complementar.

“É por isso que eu digo, essa questão da descarbonização não pode ser tratada sob o viés de ‘ou’ e sim do ‘e’. Ou seja, diversas soluções contribuindo para um objetivo final”.

Ao concluir o raciocínio sobre o impacto positivo do etanol no meio ambiente quando se analisa o automóvel em seu ciclo completo, ‘do berço ao túmulo’, o dirigente fez questão ainda de desmentir afirmações internacionais que apontam para a possibilidade do Brasil estar sacrificando a saúde da Amazônia em prol da plantação de cana-de-açúcar.

Para fazê-lo, ele exibiu dados que revelam que 92% destes plantios se concentrarem nos Estados de São Paulo e do Paraná – ocupando modestos 0,8% do território brasileiro.

Viés ambiental não é a única razão pela qual o Brasil deve insistir no etanol

Estudos mostram a viabilidade ambiental do uso do etanol, seja como combustível único, seja em modelos de propulsão híbrida. Este, porém, não é o único fator que deve motivar o Brasil a lutar pela sua validação como solução a longo prazo junto a montadoras e a comunidade política.

De acordo com Muramoto, boa parte da motivação advém da possibilidade do Brasil poder se estabelecer como uma liderança em um nicho importante da corrida pela descarbonização da frota mundial.

“A China já se colocou no papel de principal agente no âmbito da eletrificação. Caso o Brasil a adote como modelo principal, o fará na posição de seguidor. Se conseguirmos estabelecer o etanol e, posteriormente, a célula de hidrogênio como tecnologias validadas internacionalmente, seremos referência – podendo, inclusive, exportar tecnologia”, conjecturou o dirigente do Sindipeças.

Por dentro do evento

No intervalo entre a apresentação de Muramoto e o início da palestra de Basaliel Botelho, da Bosch, o jornalista Fred Carvalho – moderador do fórum – fez um relato para lá de ilustrador sobre o contraste entre a realidade da descarbonização e a narrativa criada em torno da priorização absoluta do carro elétrico.

Carvalho contou que, há alguns meses, durante um almoço com jornalistas, Botelho foi questionado por um profissional da imprensa sobre as razões do Brasil estar tão atrasado no universo da eletrificação – estendendo a questão para um possível ‘atraso generalizado’ da indústria brasileira em relação ao resto do mundo.

O conselheiro da Bosch, no entanto, contrapôs a pergunta com a constatação de que a meta de todos os países do mundo não é estar à frente na eletrificação, mas sim da descarbonização – algo que o Brasil é pioneiro com o etanol e o sucesso dos modelos híbridos.

Na mesma linha que o colega, Basaliel Botelho colocou o atual momento crucial para os próximos passos da indústria brasileira – comparando-o ao período vivido pelo país durante a década de 1990.

Engenheiro da Bosch naquela época, o atual conselheiro da empresa alemã relembra o desafio de disrupção que a indústria local atravessou naquela época ao tentar desenvolver motores que pudessem aproveitar o etanol como combustível.

“Aquilo chacoalhou a indústria brasileira. Tínhamos apenas quatro montadoras produzindo veículos nacionais e estávamos dependendo muito do petróleo que vinha de fora. Era uma necessidade e um projeto que poucos acreditavam, já que – por conter água – o álcool tinha a tendência de ‘corroer tudo’ no motor tradicional”, relembrou Botelho.

O desenvolvimento do motor a álcool, porém, não era o único desafio em uma indústria brasileira ainda incipiente e isolada dos principais mercados do mundo.

Botelho lembrou, por exemplo, do fato dos motores nacionais à época possuírem carburador e existir a necessidade da implementação da hoje estabelecida injeção eletrônica.

“Relembro todo esse histórico para traçar um paralelo com o momento atual. Estávamos tentando ser pioneiros e enfrentávamos muita barreira por parte da indústria e dos agentes públicos. Lembro que fui à Brasília diversas vezes para tentar viabilizar o carro Flex no início dos anos 2000 e muitas delas sem sucesso”, relatou o homem forte da Bosch da América Latina.

Para concluir o raciocínio que conecta o atual momento com histórias marcantes da indústria automotiva nacional no início do século e sentenciar aquilo que ele pensa ser a chave para o estabelecimento definitivo do etanol como alternativa validada para a descarbonização, Botelho lembrou do papel da população brasileira na aprovação do carro Flex.

O executivo destacou que o fato dos brasileiros estarem, cada vez mais, recorrendo por conta própria ao chamado ‘Rabo de Galo’ (mistura de álcool com gasolina) – em motores inadequados, o que diminuía suas vidas úteis – pressionou os tomadores de decisão do país a aprovar o Flex, modelo que rapidamente explodiu e hoje corresponde a 92% da frota nacional.

“A conclusão que toda essa trajetória nos dá é: o mercado é quem define a tecnologia – não há como fugir. O que nós precisamos fazer é criar o mercado”, sentenciou Botelho.

Etanol permite descarbonização em alto nível, mesmo sem renovação da frota

Para amarrar todos os apontamentos dos colegas, Henry Joseph Jr., da Anfavea, citou um outro componente fundamental para posicionar o etanol como alternativa central para o Brasil em sua trajetória de descarbonização.

O dirigente destacou que, antes de olhar para os impactos das novas tecnologias, o Brasil deve se atentar para uma realidade: não apenas carecemos de programas que possam renovar a frota nacional, como estamos convivendo com seu envelhecimento progressivo.

“Não temos inspeção veicular, nem outro programa que possa renovar a idade de nossos carros. O Sindipeças apontou, por exemplo, que a idade média de nossos automóveis é de cerca de 10,8 anos”, disse o palestrante.

Diante do atual cenário, Joseph Jr. indica que uma solução efetiva de descarbonização deve passar necessariamente por medidas que otimizem o desempenho da frota circulante – o que seria possível a partir de uma política pública que incentive o uso do etanol como opção primária nos modelos flex.

“Essa particularidade nos leva a crer que o Brasil tem condições de fazer a transição para um mercado de baixo carbono naturalmente, com a coexistência de diferentes tecnologias e sem necessidade de impor maiores restrições mercadológicas a curto ou médio prazo”, concluiu Joseph Jr.


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