Futuro da reparação veicular está associado ao sucesso do Right to Repair -

Futuro da reparação veicular está associado ao sucesso do Right to Repair

Novas tecnologias – que efetivamente acompanham a própria complexidade dos novos automóveis – têm trazido também importantes retrocessos na liberdade de escolha dos consumidores para a realização dos serviços de manutenção e reparo de seus automóveis.

Lucas Torres [email protected]

Quando você pensa nos carros do futuro, qual é a primeira coisa que vem à mente? Para boa parte dos expositores e visitantes da Automec 2023, a resposta para essa questão passa diretamente pelas transformações que vêm sendo impostas à reparação veicular. Se antigamente o reparo de um automóvel era iniciado por uma observação quase exclusivamente baseada na experiência do mecânico, hoje – e cada vez mais – ela é pautada por equipamentos sofisticados de diagnóstico e a exigência de um conhecimento profundo dos profissionais para operar novidades tecnológicas. Quem vê a chegada de toda essa digitalização e conectividade ao universo da reparação como uma estrada livre ao ‘progresso’ pode, porém estar enganado. Afinal, essa tecnologia – que efetivamente acompanha a própria complexidade dos novos automóveis – têm trazido também importantes retrocessos na liberdade de escolha dos consumidores para a realização dos serviços de manutenção e reparo de seus automóveis.

A questão se faz presente entre as principais pautas do Aftermarket Automotivo brasileiro e, naturalmente, também ganhou protagonismo na Automec 2023. Evento de conteúdo que debateu o direto de reparar atraiu o interesse dos dirigentes das principais entidades do mercado de reposição nacional. O primeiro a tratar do movimento conhecido como Right to Repair foi o CEO da Alfatest, Clovis Pedroni Jr. Em apresentação intitulada “As Novas Tecnologias Automotivas, os Impactos na Reparação e o Movimento Right to Repair”, o executivo destacou o avanço dos carros conectados no Brasil e no mundo e detalhou como a “nova parafernalha dos automóveis” tem sido usada pelas montadoras para monopolizar o acesso a informações cruciais no diagnóstico de problemas. “Aqui no Brasil, a Stellantis instalou uma caixinha chamada ‘módulo Security Gateway’ (SGW) sob a justificativa de reduzir a vulnerabilidade dos automóveis a ataques de hackers. Essa caixinha, na prática, impede que os reparadores independentes acessem informações do automóvel e as restringem ao domínio das concessionárias autorizadas”, explicou Pedroni Jr.

Refutando a explicação dada pela montadora cujo guarda-chuva contém marcas como Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, o palestrante relatou que empresas de equipamentos encontraram soluções criativas para possibilitar o diagnóstico dos automóveis, a despeito do SGW, movimento que foi prontamente combatido pela montadora.

“Desenvolvemos um cabo para acessar essas informações. Como resposta, porém, a Stellantis alterou o local onde colocávamos essa ferramenta com a simples finalidade de dificultar nossa solução. Aí eu pergunto: o que isso tem a ver com o combate a hackers que operam de maneira remota? Isso chega a ser até um pouco de hipocrisia”, apontou o CEO da Alfatest.

Modelos que possuem o SGW no Brasil

Fiat: Toro (desde 2019), Strada (2021), Pulse (2021), Ducato (2021), Fastback (2023)

Jeep: Renegade (2019) Compass (2019), Comander (2022) Ao lamentar a atitude dessa e de outras montadoras para dificultar o trabalho das oficinas independentes, Clovis Pedroni Jr. destacou que, caso não seja combatida com uma legislação eficiente, ela negará todos os possíveis benefícios advindos do incremento de peças e sistemas nos automóveis mais modernos.

Segundo o especialista, carros híbridos e com certo grau de automação exigem novos sistemas como Sistema de Gestão de Bateria (BMS), Sistema de Gerenciamento de Potência, Sistema de Controle do Motor, Freios com regeneração de energia e Controle híbrido, tecnologias que, embora exijam maior capacitação e investimento dos reparadores, resultaram em um aumento da demanda e do ticket médio dessas empresas.

Mais que questão corporativista, Right to Repair garante cidadania

À primeira vista, o direito ao reparo pode ser observada como uma queda de braços entre a cadeia da reposição automotiva independente e as montadoras de automóveis. Porém, de acordo com a doutora em Direito e integrante da Comissão Nacional de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, Raquel Alves Preto, olhar a temática com este enquadramento é ignorar o quanto a questão fere diretamente pontos como o direito do consumidor. Na apresentação denominada “O Direito de Reparar”, a especialista pontuou que, em seu cerne, a questão trata de uma defesa do direito de escolha dos consumidores que pretendem reparar os produtos que compram. “Ela fere em cheio o direito ao consumidor e o direito à propriedade, pois mantém nas mãos dos fabricantes o acesso a questões que deveriam ser daquele que comprou o produto. Caso continue como está, a relação comercial poderá ser caracterizada assim: você comprou, é seu, mas não tanto…”, contextualizou.

O impasse sobre a tentativa dos fabricantes de manterem controle sobre os produtos mesmo após a venda para impulsionar uma ‘venda casada com suas concessionárias’ já é, segundo a advogada, pauta relevante em diversos países do mundo há pelo menos uma década. Ela lembra que, em 2012, o estado norte-americano de Massachusetts aprovou a primeira lei específica pelo direito de reparar voltada ao setor automotivo – medida que seguiu se espalhando por diversos territórios dos Estados Unidos e da Europa, tendo originado projetos de lei em 29 estados dos EUA e recomendações diretas de países como França e Alemanha. “Existe o entendimento de que a falta do direito amplo ao reparo produz danos em três frentes: o dano ao consumidor, o dano ao meio ambiente e o dano econômico. O mundo já discute isso há bastante tempo, nós chegamos atrasados, mas ainda em tempo de solucionar a questão”, afirmou a advogada.

Prejuízo triplo

Ao detalhar cada uma das áreas sobre as quais a falta do Right to Repair incide, Raquel Alves Preto apontou:

 – Consumidor: retira o direito à propriedade e traz custos adicionais.

– Meio Ambiente: reduz a vida útil dos automóveis e limita a contenção de desperdícios de peças e outros produtos avariados.

 – Economia: retira o princípio da livre concorrência.


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