Guerra comercial contra a China é pano de fundo para taxar eletrificados em todo o mundo ocidental -

Guerra comercial contra a China é pano de fundo para taxar eletrificados em todo o mundo ocidental

Mundo ocidental recorre ao protecionismo em meio ao avanço dos carros chineses

Uma breve análise do marketshare das montadoras no segmento dos carros eletrificados vendidos no país é suficiente para identificarmos uma liderança absoluta das empresas chinesas. Quando observamos o nicho dos carros elétricos puros, os chamados ‘BEV’, isso fica ainda mais evidente. De acordo com o último levantamento da Fenabrave, as chinesas BYD, GWM e JAC, ocuparam três das quatro primeiras posições de vendas de BEV no Brasil, somando uma participação de mercado de 93,35%.

A marca mais comercializada é, com grande folga, a BYD. Este movimento, aliás, está longe de ser restrito ao Brasil ou ao grupo de países emergentes à medida que no último mês de março, por exemplo, o secretário geral da China Passenger Car Association (CPCA), Cui Dongshu, anunciou que um a cada três veículos vendidos no planeta era chinês. A ‘ofensiva chinesa’ no mercado mundial de automóveis jogou ainda mais lenha na fogueira da guerra comercial entre as principais economias ocidentais e o gigante asiático, a pleno vapor desde meados de 2017. Recentemente, os Estados Unidos anunciaram uma tarifa de 100% para carros elétricos importados da China.

Sustentabilidade

Preocupado com a influência da queda de braços geopolítica na sustentabilidade do mercado automotivo europeu, o Secretário Geral da Associação Europeia de Fornecedores Automotivos (CLEPA), Benjamin Krieger, questionou os movimentos protecionistas e defendeu a adoção de uma abordagem mais competitiva por parte da indústria de automóveis do velho continente. “Depender de medidas protecionistas poderia dificultar o acesso da indústria a mercados cruciais. Dado que a China é o maior mercado automotivo do mundo e um centro de inovação, a capacidade de competir nesse país influencia significativamente a competitividade global de uma empresa”, afirmou Krieger, destacando que as medidas de proteção já estão diminuindo o intercâmbio de produtos entre os países da Europa e a China, sobretudo no âmbito dos componentes automotivos. Eleito como um dos cinco melhores analistas da economia chinesa do mundo pela Bloomberg, o pesquisador do FGV IBRE, Livio Ribeiro, classificou o atual cenário como complexo, à medida que ele transcende a lógica da defesa dos interesses comerciais. “Acho que a gente tem que entender esse processo dentro da ótica da guerra comercial remontando a 2017 e uma expansão do que eu gosto de chamar de ‘sinofobia’, que é uma aversão ao avanço dos interesses chineses no mundo em matéria comercial e em matéria geopolítica”, afirmou o especialista, antes de citar alguns dos segmentos econômicos mais afetados atualmente pelo movimento. “A pandemia ainda reforça esse sentimento e faz com que tenha-se uma postura cada vez mais reativa e oposicionista à expansão dos interesses chineses, de modo que inicia-se uma guerra comercial com um processo de aumento de taxação. Se lá atrás a gente estava olhando para aço, painel solar, eventualmente máquina de lavar roupa, vamos dizer assim, agora a gente está olhando para coisas muito mais pesadas, como os veículos elétricos”.

Brasil está em posição delicada, mas pode se beneficiar do cenário de conflitos

Como alguém que fica desconfortável, sem saber que lado tomar, em meio a uma briga entre seus dois melhores amigos, o Brasil tem se visto em uma posição cada vez mais incômoda conforme a guerra comercial entre China e Estados Unidos, além da União Europeia avança.

De acordo com Livio Ribeiro, essa saia justa é resultado da contraposição gerada pelo fato de o Brasil ter a China como seu principal parceiro comercial que, no ano passado, segundo da – dos da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), absorveu 30,7% de tudo o que nosso país exportou e, ao mesmo tempo, se encontrar na esfera de influência política, geopolítica e também econômica americana, segundo maior destino dos embarques brasileiros com 10,9% do total exportado. “Acabamos sendo, naturalmente, um campo de batalha da contraposição entre Estados Unidos e China”, afirma o economista do FGV IBRE. Para ele, porém, o Brasil pode se beneficiar do cenário caso saiba navegar, como ocorreu quando os chineses decidiram parar e comprar milho americano e passaram a ter sua demanda atendida pelo milho brasileiro. Esta busca de oportunidades para capitalizar em torno da queda de braços a partir de uma posição neutra tem sido, segundo Ribeiro, justamente a tônica do Brasil em meio aos embates comerciais. É verdade que setores específicos da economia brasileira estão passando seus lobbies para ampliação de tarifas, especifica mente o aço e agora, mais recentemente, sobre veículos elétricos.

No entanto, tais lobbies são muito mais frutos da organização de setores específicos do que uma estratégia semelhante a regiões como a Europa, os Estados Unidos e a Austrália. “Isso dito, é inegável que existe, sim, uma captura de determinados grupos de interesse dessa narrativa da guerra comercial, dessa narrativa de necessidade de contenção do avanço chinês para proteger alguns segmentos”, comentou o economista. Sobre os carros eletrificados especificamente, Ribeiro criticou duramente a taxação recém aprovada pela Câmara no processo de regulamentação da Reforma Tributária. Corroborando a visão de organizações setoriais como a ABVE, ele apontou que a inclusão de veículos elétricos no imposto seletivo não faz nenhum sentido econômico, nem ambiental. Afinal, esse mecanismo foi criado para bens que geram externalidades negativas de consumo próprio ou consumo social.

 “Carro elétrico versus carro a combustão claramente não é uma relação que deveria ser enquadrada aí. Você usou, na verdade, o grupo de interesse, usou a Reforma Tributária para fazer uma proteção velada do mercado. Não tenho a menor dúvida disso. O veículo elétrico não tem correpetidor brasileiro e isso é uma tentativa de reserva de mercado feita por essa indústria, que no Brasil, sempre consegue benefício estatal há décadas”, concluiu.


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