Lucas Torres [email protected]
Em decreto publicado no dia 31 de janeiro de 2022, a Secretaria da Fazenda do Espírito Santo (SEFAZ-ES) mudou as regras de tributação para as empresas do setor de autopeças do Estado. A medida não alterou as alíquotas dos produtos comercializados e teve como principal modificação o momento de pagamento dos impostos. De acordo com o documento publicado pela SEFAZ-ES, a nova regra credencia empresas do ramo de autopeças para que suas operações sejam desconsideradas no regime de antecipação parcial de recolhimento do imposto nas operações com autopeças. Apesar de ter sido uma medida exclusiva dos capixabas, o assunto causou grande repercussão no aftermarket em âmbito nacional.
Afinal, já há algum tempo o setor vem clamando por uma metodologia de recolhimento de impostos mais efetiva – e menos burocrática – que a substituição tributária, vigente na maior parte do país.
Com o objetivo de compreender os impactos práticos da mudança e suas repercussões na cadeia do aftermarket, o Novo Varejo conversou com exclusividade com o gerente tributário da SEFAZ-ES, Hudson Carvalho. Durante a entrevista, o executivo não apenas negou qualquer possibilidade de insegurança jurídica criada pela medida, como também a apontou como uma tendência a ser adotada por outras unidades da federação.
Novo Varejo – No que consiste a nova regra de tributos para o setor de autopeças no Espírito Santo? Hudson Carvalho – Anteriormente, as autopeças estavam inseridas no regime de substituição tributária, onde o próprio industrial fazia o recolhimento definitivo para toda a cadeia produtiva. Agora, as autopeças no Espírito Santo foram inseridas no regime de antecipação parcial do imposto. Na prática, enquanto a primeira determina um fato gerador presumido, dentro do qual um determinado contribuinte vai fazer o recolhimento de toda a cadeia em circulação, no segundo, quem recolhe é o contribuinte do Estado do Espírito Santo no momento da entrada desta mercadoria
Basicamente, na substituição tributária eu recolho em nome de terceiro. Já na antecipação, eu recolho em nome próprio. Então, essa responsabilidade não recai sobre outra pessoa, a não ser o próprio contribuinte.
NV – O que motivou essa mudança? Quais foram os principais fatores de influência para a decisão?
HC – Na verdade, essas empresas vêm sofrendo certo prejuízo por um mercado que ainda busca seu melhor momento num cenário pós-pandemia. E nós sabemos que os custos aumentaram muito. Diante disso, os contribuintes suplicaram junto ao governo para que nós pudéssemos contribuir com alguma metodologia diferente de recolhimento – ao invés de fazer o recolhimento de toda a cadeia, para que o Estado estabelecesse a antecipação parcial do imposto na qual garantisse, ao mesmo tempo, o recurso no momento da entrada da mercadoria no nosso território e a possibilidade dessas empresas fazerem um pouco mais de caixa. Basicamente, a medida parte de um pedido do Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado do Espírito Santo (Sincades) junto a diversos atores da cadeia – com destaque para as empresas do segmento de distribuição de autopeças. NV – Além das mudanças de responsabilidade no recolhimento dos impostos, quais são os benefícios práticos trazidos pela medida às empresas do aftermarket? HC – Um dos benefícios mais claros é o fato de que, quando as empresas realizam o credenciamento de antecipação tributária e atendem aos nossos critérios, elas acabam podendo recolher os impostos na saída da mercadoria, ao invés de ter de fazer o recolhimento no início do processo. Há várias coisinhas práticas. O mercado de autopeças intercedeu junto ao governo do Estado, que solicitou – como equipe técnica – uma metodologia mais favorável. NV – Existe uma linha tênue entre trazer mais competitividade para o setor industrial e, ao mesmo tempo, garantir a saúde e a arrecadação dos cofres públicos. Como vocês lidaram com isso antes de aplicar a mudança? HC – Antes de tudo, é importante salientar que o setor de autopeças não foi o primeiro a ser contemplado por essa metodologia de antecipação parcial do imposto para suceder a substituição tributária. Outros setores – dentre eles o de fogos de artifício – já haviam experimentado essa mudança. Aos poucos, nós vamos implementando essa nova metodologia, tomando muito cuidado para garantir que não haja dano ao patrimônio público e ao próprio tesouro estadual. Esta é uma preocupação nossa, temos muito receio e cuidado para evitar causar um colapso nas contas públicas. A medida tributária que o Estado adota hoje é, de certa forma, uma medida conservadora. Nós preferimos avançar aos poucos, para conhecer o terreno. O Estado não quer abrir mão dos recursos que tem. A ideia não é que haja decréscimo na arrecadação, o que buscamos é uma mudança de fluxo mais sustentável.
NV – Como você vê a falta de um balizamento nacional para o recolhimento de tributos do setor de autopeças? Você acredita que essa ‘liberdade estadual’ pode gerar algum tipo de insegurança jurídica para as empresas?
HC – Se a gente parar para analisar a metodologia de recolhimento de tributos adotada para o nosso setor de autopeças, nós chegaremos à conclusão de que não há qualquer risco de insegurança. Os Estados estão começando a repensar muito o modelo de substituição tributária. O próprio país também vem fazendo isso. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que o regime de substituição que até então era definitivo, não é assim 100% definitivo. Isto porque, segundo o entendimento da Suprema Corte, é possível que o Estado faça uma cobrança maior após a cobrança inicial, caso seja verificado que a base de cálculo tenha sido superior àquilo que foi presumido. Ao mesmo tempo, também foi dado aos contribuintes o direito de pedir a restituição do imposto quando a base de cálculo efetiva da operação foi inferior àquilo que o estado presumiu. Um exemplo muito fácil de explicar o novo entendimento é: o Estado presumiu que você venderia a mercadoria por R$ 100,00, mas você vendeu por R$ 80,00. Neste cenário, você, como contribuinte, passa a poder pedir uma restituição. Então, por essa complexidade, o regime de substituição tributária está passando por um momento de certa crise. Não no aspecto de questionar se ele é ou não legítimo. O que está em discussão é se este regime está atrapalhando mais do que está beneficiando a todos os envolvidos. Alguns estados já estão começando a migrar para o sistema de antecipação parcial do imposto – que prega um recolhimento, me desculpe a redundância, parcial, ou seja, só daquela operação específica. Sobre isso, o STF já se manifestou em relação a uma lei do Estado da Bahia – que tem uma antecipação tributária já há algum tempo. Na ocasião, o tribunal decidiu que não havia qualquer inconstitucionalidade. Resumindo, não há que se falar em insegurança, já que os contribuintes têm total apoio de uma decisão do Supremo.
NV – O Espírito Santo espera atrair mais empresas do setor de autopeças a partir desta mudança na metodologia de tributos?
HC – Não tivemos isto como objetivo. Nosso objetivo foi criar um ambiente mais favorável aos nossos contribuintes, a fim de que eles não fossem para outros estados. Nossa ideia foi beneficiar, com uma nova metodologia, as empresas que já operavam por aqui. Não temos por objetivo, por exemplo, ‘uma guerra fiscal’. Isso não foi mapeado pela equipe técnica. O que fizemos foi tentar mapear uma questão que o setor nos trouxe, e encontrar a melhor forma jurídica de se realizar a alteração sem que houvesse queda na arrecadação.
NV – Você vê a busca por alternativas à substituição tributária como uma tendência nacional?
HC – Eu posso te falar que é uma tendência. Mas, como a gente mexe com dinheiro público, os Estados têm muito receio de mexer uma vírgula. Quando você mexe na tributação, vê que há uma repercussão enorme no mercado e na sociedade. Toda parte tributária é muito bem pensada e exige segurança naquilo que está sendo executado. Voltando à sua pergunta, para ser objetivo, eu creio que essa migração para a sistemática de antecipação parcial pode ser possível – por se tratar de uma medida um pouco mais simplificada. Por outro lado, eu não acredito que isso se torne uma regra. Ou seja, muitas mercadorias que estão na substituição podem migrar para a antecipação, mas não serão todas as categorias que irão fazê-lo. Até porque a substituição tributária foi criada para fins de controle do Estado. O Estado não consegue, muitas vezes, controlar um monte de contribuinte ‘pequenininho’ e, por isso, prefere tributar uma indústria grande – pela facilidade de controle e prevenção de evasão fiscal e a sonegação que esta prática traz. No entanto, depois do entendimento do STF, de se fazer um recolhimento retroativo para mais ou para menos – a depender da diferença entre o ganho prático e o presumido – o regime de substituição acabou ficando muito custoso, de modo que se criou essa necessidade de busca por uma alternativa.