A inteligência artificial (IA) é uma tecnologia cada vez mais presente no aftermarket automotivo. No debate das indústrias no Seminário da Reposição, os convidados abordaram o estágio em que a IA se encontra em cada uma de suas empresas, os benefícios que os recursos atuais proporcionam e, acima de tudo, o papel do ser humano como palavra final sobre a melhor utilização das informações e estratégias oferecidas pela ferramenta. De acordo com os debatedores, por mais avançada que a ferramenta seja, erra quem acredita que ela tem todas as respostas para os problemas da organização e do próprio mercado.
MEDIADOR
Adalberto Piotto, jornalista da revista Oeste
DEBATEDORES
Luciano Matozo, Diretor de Engenharia e Vendas OEM da Frasle Mobility
Marco de Luca, Diretor Geral da Operação de Aftermarket para a América do Sul da Valeo
Perci Albergaria, Gerente Nacional de Vendas para o Mercado de Reposição da Elring Klinger
Adalberto Piotto – A pergunta que eu vou fazer para os senhores é baseada em gente. Qual é o nível em que hoje, na sua realidade, estamos entre resistência, adaptação e interação com, sobretudo, a aplicação da inteligência artificial no seu negócio?
Perci Albergaria – A gente está num nível muito próximo da adaptação, porque tem muita coisa nova acontecendo, a gente vai aprendendo a cada dia, por isso que a IA é generativa, a cada dia a gente coloca mais informação lá dentro. E dessa adaptação até a maturação ainda vai demorar um pouco. O que é uma IA? Nada mais do que um data lake onde a gente joga todas as informações, que vão para o machine learning, o aprendizado de máquina, e depois a gente entra no deep learning. Então ainda tem muita adaptação, porque jogamos muitas coisas lá dentro e nem todas essas coisas estão completamente comprovadas.
Adalberto Piotto – Vou contar um caso concreto. Levei meu carro para fazer uma revisão. E tinha um problema no carro. Na concessionária me disseram o seguinte: “aqui nós trabalhamos com inteligência artificial, você entra no sistema, já marca sua agenda, escolhe o horário”. Então eu saí do esquema da inteligência artificial, fiz uma pergunta humana para um outro humano. A garantia cobre? Levou meio dia para eu receber a resposta. A questão é o que você promete e o que você entrega. Marco, qual é o nível em que, no seu negócio, vocês estão lidando com a inteligência artificial? O quanto é efetivamente entregue no final do dia?
Marco de Luca – O importante é ter consciência que a IA não vai resolver os nossos problemas. Vai nos ajudar, colaborar no nosso dia a dia para aumento de eficiência, análise de dados, para tomar uma melhor decisão. E quem toma decisão? O ser humano. Quando a gente coloca a IA como uma ferramenta que vai resolver todos os problemas e, vamos dizer assim, eliminar a interação humana, a capacidade do humano em dar a resposta, essa é a grande miopia. A inteligência artificial vai trazer agilidade nos dados, em todas as análises que você precisa, a personalização do atendimento ao Adalberto, sabendo quem ele é, seu perfil de consumo, mas a resposta a quem vai dar é o ser humano. O maior erro é achar que a IA vai trazer as respostas, que a gente simplesmente vai copiar e colocar isso no mercado, porque vai acontecer o que aconteceu com você. Ela não vai te responder.
Adalberto Piotto – Matozo, eu vou ampliar um pouco a pergunta. O quanto você percebe que as pessoas estão realmente abraçando a causa, ou seja, tornar aquilo parte do dia a dia, um processo natural?
Luciano Matozo – Nós já estamos num ponto em que existe até uma empolgação com tudo aquilo que traz de perspectiva a possibilidade de trabalharmos com a IA. Na medida em que o aprimoramento com a IA generativa permitiu que nós interagíssemos com esse tipo de ferramenta, houve uma mobilização dos early adopters para realmente fazer a utilização. Quem aqui não baixou o chat no telefone? Na indústria não é diferente. Tudo são pessoas e existem pessoas que se empolgam muito com isso. E a empresa tem que dar condições para que essa empolgação se transforme em algo produtivo. Estamos construindo um ambiente para que possamos aproveitar pessoas que têm vontade de trabalhar com a IA em temas fundamentais à aplicação dessa tecnologia. É nesse nível que estamos. Existe uma questão de infraestrutura que é importante perceber e trabalhar dentro da indústria. O dado tem que ser de qualidade. No final das contas, se a gente vê um dado ruim, a resposta vai ser ruim também. A IA ainda está aprimorando a capacidade de discernir sobre esse tipo de dado, outlayer e tudo mais, então ainda precisamos de um bom discernimento de dados.
Adalberto Piotto – Marco, onde você já está usando isso e que realidade você tem? Qual é a sua experiência prática?
Marco de Luca – Primeiro, do lado pessoal. E a IA é uma realidade hoje que caminha comigo como profissional, me auxiliando na gestão de dados, na tomada de decisão, no entendimento dos dados históricos versus uma preditividade futura. Hoje temos a inteligência artificial aplicada específica, que traz todos os dados de MRP históricos, de venda, consumo, demanda. Com a IA generativa, você consegue compilar dados do passado com dados, por exemplo, de uma previsão. A gente tem alguns produtos que sofrem sazonalidade de chuva, temperatura, verão e inverno. Você consegue compilar dados do passado, seu histórico de venda, perfil de venda por região, junto com os dados futuro. Vai chover mais nessa próxima estação, fazer mais calor. A IA consegue fazer uma melhor previsão. A IA generativa traz esse componente. Porque com a IA aplicada a gente já trabalha há muito tempo na indústria, com MRPs, ERPs. A grande novidade é poder compilar esses dados do MRP com dados futuros através de previsões de mercado, de sazonalidade. A partir do momento que a gente passou a aplicar a IA generativa junto com a IA aplicada em previsão de demanda nosso percentual de entrega melhorou em 12 pontos de forma geral.
Adalberto Piotto – Hoje não temos só mais montadoras, marcas e modelos no país, temos mais tecnologias diferentes. Só que também temos reposição para tudo isso. Na hora de pedir a peça, o dono da loja vai ter que fazer essa conta. Senão ele vai ter que ter um estoque imenso, cada vez maior. A IA consegue ter um modelo que vai projetar essa transformação?
Luciano Matozo – Eu acredito que sim. A inteligência artificial tem toda a capacidade de fazer esses modelos com grande nível de precisão. Inclusive, isso já acontece, de certa maneira, hoje. Previsão de demanda, como já foi citado. Tudo depende da qualidade e do acesso aos dados. Quem tiver acesso a dados de boa qualidade vai fazer modelos melhores. Isso é algo muito importante que as empresas têm que se dar conta, fidelizar seus clientes para também ter acesso a esses dados e fazer bons modelos de predição. Indo um pouco para dentro da indústria, a gente já consegue aplicar a IA para, por exemplo, prever propriedades mecânicas de alguns produtos que fabricamos, com base na composição química que têm. Se consegue fazer isso com interação entre diferentes componentes, não vejo por que não fazer com a demanda de mercado.
Adalberto Piotto – Há dados difíceis de mensurar. Eu tenho hoje uma alíquota de importação de carros elétricos que no Brasil é mais baixa do que em parte do mundo. Isso é uma decisão política, que pode ser rápida. Não tem um modelo de inteligência artificial que vai prever a cabeça do Haddad, se o Congresso vai participar do debate e de que forma vai participar. Gente é outro detalhe que eu não consigo mensurar. Empresas erram quando desconsideram o fator humano. Público interno ou o consumidor. Eu não sei quanto o consumidor vai demandar. São todas variáveis que eu não consigo colocar no modelo. Como lidar com essas variáveis?
Luciano Matozo – Eu estava vendo o nível de ociosidade das plantas que fabricam carros elétricos nos Estados Unidos e é gigantesco. Mais de 70%. Isso mostra que se fez um investimento enorme para se colocar capacidade e não está acontecendo. Então, o fator humano existe e as decisões políticas também influenciam. Vamos colocar infraestrutura? Qual o tamanho? Decisões políticas e de blocos muito grandes com certeza influenciam e aí eu acredito que a capacidade de prever já passa para futurologia e não para tecnologia. Porque tem um fator humano, realmente, que a gente não consegue prever.
Marco de Luca – O ponto fundamental, insisto, é que a IA não vai tomar decisão pelo ser humano. É uma ferramenta que, dentro dessas mudanças de mercado que você colocou, envolve fatores humanos, políticos, novas regulamentações e a IA não vai conseguir prever isso. Ela vai te montar modelos e cenários. Mas a decisão continua sendo do gestor. Isso tem que ficar muito claro, porque a IA vai ser uma ferramenta que vai te ajudar a acelerar as análises das mudanças repentinas que acontecem no mercado. Surgiu uma alíquota nova, mudou o cenário de importação de veículos elétricos e a alíquota subiu para um nível bem elevado. Obviamente, isso vai mudar o cenário do mercado e as vendas. Colocando esses dados na ferramenta, a IA vai te permitir desenhar novos cenários de forma mais rápida, considerando vários fatores que te tomariam mais tempo. Mas, no final, a decisão é sua. Tem um cérebro humano que precisa tomar a decisão, precisa ter o feeling, olhar o cenário mais conservador, o realista ou o otimista e que vai precisar escolher um dos cenários. E a gente não pode, isso é muito importante, confiar 100% na resposta da IA. Porque a IA, o seu machine learning, vai aprendendo, evoluindo, consumindo dados positivos, corretos, dados errados, que nós, como seres humanos, teremos que ter discernimento para ler o conteúdo, entender os cenários e, principalmente, tomar a melhor decisão. A grande miopia é relegar a IA ao departamento de tecnologia como só mais uma ferramenta. Hoje, nas empresas, a IA é um departamento estratégico da gestão, que transita entre todas as áreas. A IA vai aumentar a eficiência, reduzir custos e, principalmente, melhorar a experiência do cliente.
Adalberto Piotto – O Marco pega pelo lado do cuidado para não transformar num panaceia. Uma ferramenta útil, sim, que você pode usar melhor e para ter dados talvez mais específicos ou até mais rápidos para tomar uma decisão. Como a gente avança nesse negócio?
Perci Albergaria – Quando a gente coloca a IA dentro da empresa para fazer um MRP, é uma situação. Quando a gente faz um sistema de recomendação de compras, é outra informação. Agora, em quanto tempo isso pode trazer benefício pra gente? Vamos colher esse benefício, eu acho, rapidamente. Mas, o mais importante é a base que a gente vai ter para fazer isso. O que a gente vai alimentar? O que será colocado para dentro? Qual que é o cerne? O cerne é quem vai tomar a decisão. A IA vai jogar essa informação muito mais rapidamente com algumas propostas. Mas elas nem sempre são todas corretas. Então, o discernimento humano ainda é muito forte. O que a gente não pode deixar acontecer é a teoria do sensor de ré. A gente aprendeu a não dar mais ré no carro porque tem o sensor. Então você não olha mais para trás. A inteligência natural que nós temos não pode ser delegada à preguiça. Se a gente deixar essa informação, eu vou acreditar no que a IA está falando e não vou estudar, não vou questionar, vou ser tomado por essa informação. A IA te dá a resposta rápida, mas não quer dizer que ela te dá a resposta certa.
Adalberto Piotto – Eu gostaria de ouvir as considerações finais dos senhores.
Perci Albergaria – A gente pode usar a inteligência artificial para conectar toda a cadeia de distribuição. Isso é importante e todos terão ganhos. Utilizar a inteligência artificial para conectar todos os usuários. A gente não tem que pensar só numa grande instituição como a fábrica, podemos pensar numa mecânica que tem dois funcionários que vai precisar se abastecer, fazer compras, fazer a manutenção. Temos dados de frota, dos veículos, das peças e de consumo. Dessa forma a gente consegue se conectar. Com essa conectividade todos podem ter ganhos muito bons.
Luciano Matozo – A IA é uma ferramenta que vai nos fazer melhorar os serviços. Para entregar um produto melhor, um atendimento melhor, personalizar e, quiçá, dar origem a diferentes produtos. Que hoje não temos condições de enxergar dentro da miríade de dados que temos. A capacidade de fazer mais rápido uma análise mais abrangente – e é importante trazer a questão da velocidade de análise, inclusive a velocidade com que nós, como indústria, conseguimos adotar isso.
Marco de Luca – Existem mais de 15 mil ferramentas de IA, algumas mais comuns, que todos conhecem, são ferramentas da realidade nossa no dia a dia como profissionais que aumentam nossa produtividade, melhoram a tomada de decisão. E essa realidade está mudando o perfil de empregos no mercado brasileiro. A gente não tem como ignorar isso. Mas, mais do que isso, a IA, sob o ponto de vista estratégico nos negócios, é uma ferramenta que vai trazer valor dentro da organização, na tomada de decisão, no gerenciamento das informações, permitindo aumento de produtividade, eficiência – que é um desafio enorme que temos com as margens nas empresas – redução do custo logístico e, principalmente, sustentabilidade, no mundo em que a gente está hoje é preciso ser sustentável. E ajuda na personalização do atendimento ao cliente, dos serviços no mercado, traz inúmeros ganhos para todas as empresas e para todos os segmentos.