Impasse em torno do novo auxílio emergencial gera incerteza quanto ao desempenho do varejo no início de 2021 -

Impasse em torno do novo auxílio emergencial gera incerteza quanto ao desempenho do varejo no início de 2021

“Nós temos 14 milhões de desempregados e um recuo considerável da massa real de pagamentos. Isso preocupa o varejo e quem estuda as operações varejistas”, destaca Cláudio Felisoni, presidente do Ibevar
Aplicativo auxílio emergencial do Governo Federal.
Crédito da Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Só no consumo auxílio injetou cerca de R$ 24o bilhões no ano passado

“Nós temos 14 milhões de desempregados e um recuo considerável da massa real de pagamentos. Isso preocupa o varejo e quem estuda as operações varejistas”, destaca Cláudio Felisoni, presidente do Ibevar

Lucas Torres

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A dinâmica da crise sanitária instaurada pela pandemia do novo coronavírus trouxe impactos de potencial catastrófico para a economia dos países afetados.

Sem medicamentos de eficácia comprovada para combater os efeitos do vírus, a adoção do distanciamento social a partir da restrição da circulação de pessoas nas ruas e do fechamento de estabelecimentos comerciais acabou se tornando uma prática inevitável na tentativa de mitigar as perdas humanas causadas pela covid-19.

Essas medidas atingiram o varejo em múltiplas frentes. O reflexo mais direto foi a consolidação do e-commerce como modalidade imperativa para a sobrevivência das lojas, cenário que se refletiu no aumento de 47% – o maior nos últimos 20 anos – das vendas realizadas via internet no território brasileiro e lançou uma enorme pressão sobre empresas de pequeno porque que ainda não haviam aderido à era digital.

Já no âmbito do ‘efeito rebote’ da paralisação de setores da economia que se viram quase sem alternativas para combater a regra do isolamento, tais como os de serviços e entretenimento, o mercado de consumo viu sua demanda despencar a partir do salto da taxa de desocupação – atualmente em 48,6%, próxima de sua mínima histórica – e a consequente queda da renda do brasileiro.

Como solução para garantir o cumprimento das necessidades básicas de seus cidadãos, bem como, é claro, tentar manter acesa a fagulha do consumo no país, o Governo Federal instituiu, em abril de 2020, um auxílio emergencial mensal no valor de R$ 600,00 para os brasileiros que se encontravam sem fonte de renda, valor este que fora reduzido para R$ 300,00 a partir do mês de setembro.

Crédito da imagem: Divulgação
Felisoni destaca resultados positivos da medida

De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), Cláudio Felisoni, a medida foi bem sucedida, à medida que o auxílio foi fundamental para amortecer os efeitos depressivos sobre o consumo de bens e serviços. “Quando a pandemia começou, se instalou uma condição de catástrofe. As projeções no começo de 2020 eram de um crescimento do varejo na ordem de 3% e, com a crise, passamos a estimar uma queda de 9% em relação a 2019. O auxílio emergencial amorteceu esse impacto e, em meados de agosto do ano passado, estimávamos uma queda menor, na ordem de 5%. No fim das contas, tivemos um recuo das vendas de 2019 para 2020 de 1,75%”, recapitulou Felisoni.

Este impacto significativo do auxílio emergencial no mercado de consumo foi refletido em outros estudos importantes, conduzidos por órgãos governamentais.

Um levantamento realizado pelo Banco Central (BC) em setembro do ano passado, último mês em que o auxílio foi entregue aos brasileiros no valor cheio de R$ 600,00, constatou que o brasileiro utilizou mais de 80% da ajuda no consumo – o volume total de dinheiro injetado na economia pelo auxílio foi de aproximadamente R$ 290 bilhões.

A conclusão foi tirada a partir de um modelo utilizado pelo BC, que, com base em uma média, mensurou que numa cidade onde o auxílio emergencial representava 1 ponto adicional na renda média da população, seus cidadãos compraram 0,83 pontos a mais do que num município com menor dependência do socorro.

Na prática, estamos falando de cerca de R$ 240 bilhões de reais movimentando o comércio e o consumo em todo o Brasil. Agora, dez meses depois da implementação da medida, sua continuidade é incerta. E, nestes primeiros meses do ano, os varejistas podem sentir na pele os efeitos da extinção.

Consumo das famílias saltou 7,6% no terceiro trimestre de 2020

Crédito das Imagens: Divulgação Isabela Tavares e Lucas Assis, da Tendência Consultoria, entendem que manutenção do auxílio não é sustentável sob o ponto de vista fiscal

Outro dado que refletiu a importância do auxílio emergencial para o reaquecimento do comércio no país foi o tradicional ‘Consumo das Famílias’, coletado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pesquisa mostrou que o consumo das famílias saltou 7,6% no terceiro trimestre de 2020 – período em que o auxílio emergencial foi distribuído integralmente – na comparação com o trimestre anterior, quando a ajuda ainda engatinhava.

“Após sofrer com uma queda no volume de vendas que chegou a 27% na comparação anual em abril, o varejo teve uma recuperação surpreendentemente rápida nos meses seguintes. Já em julho o setor registrou vendas superiores às de 2019”, contextualizou Adriano Laureno, economista da Prospectiva Consultoria, antes de complementar com uma análise dos números e outros dados adicionais.

“Não é exagero dizer que o auxílio emergencial foi o principal responsável, no lado da demanda, por essa recuperação. Ele representou um impulso fiscal mensal de cerca de 0,7% do PIB, em transferências adicionais de renda do governo. Como as restrições à circulação geraram obstáculos mais fortes ao setor de serviços, o consumo da maior parte dessa renda acabou se concentrando no comércio de bens”.

Os números, portanto, deixam claro que o auxílio emergencial teve sucesso na promoção de uma retomada imediata do varejo após um período inicial de depressão generalizada com a chegada da pandemia no país.

Lideranças e economistas divergem sobre retomar o auxílio

Embora reconheça a importância que o auxílio emergencial teve ao longo de 2020, a equipe econômica do Governo Federal, encabeçada pelo ministro Paulo Guedes, acredita que os cofres públicos não terão fôlego para mantê-lo e que prolonga-lo seria atentar contra a política de responsabilidade fiscal, prioridade da pasta desde a eleição da chapa do presidente Jair Bolsonaro, em 2018.

Essa visão mais austera é compartilhada por parte dos analistas econômicos, caso dos especialistas em varejo da Tendências Consultoria, Isabela Tavares e Lucas Assis.

“O auxílio emergencial foi importante ao varejo, pois ajudou a sustentar a demanda por bens, principalmente ajudando o setor de supermercados, já que a maior parte do consumo ocorreu em classes de renda mais baixa, beneficiadas pelos repasses emergenciais. Contudo, a manutenção do benefício emergencial não se mostra fiscalmente sustentável. O equilíbrio dessas duas frentes não é trivial”, refletiram os economistas.

Para Isabela e Assis, é fundamental que o Brasil encontre alternativas mais sustentáveis de distribuição de renda capazes de, ao mesmo tempo, ampliar a cobertura de proteção social e garantir que o país não rompa seu teto de gastos. “As projeções mais recentes da Tendências consideram a modesta reformulação do Programa Bolsa Família. Ao ampliar a cobertura de proteção social entre os considerados ‘invisíveis’, o novo desenho do programa deve atender 17,0 milhões de famílias (2,8 milhões a mais, ante 2020), com um benefício médio nominal de R$ 300 — incorrendo em um gasto de R$ 58,0 bilhões pelo Governo Federal neste ano, em comparação aos R$ 111,5 bi esperados para 2020”, propõem.

A maior parte dos economistas ouvidos por nossa reportagem, no entanto, considera que, embora a criação/ampliação de programas mais sustentáveis de transferência de renda seja fundamental, o atual momento do país e a dificuldade de implementação de políticas mais elaboradas exige que o ‘tratamento de choque’ representado pelo auxílio emergencial seja prolongado, ainda que com um valor inferior aos R$ 600,00 adotados em 2020. “Existe espaço para que outras soluções alternativas surjam, como uma expansão do Bolsa Família, mas o fato de que projetos mais elaborados como esse não foram apresentados até aqui indica que a solução pode ser mais improvisada e aprovada de forma emergencial. Nesse caso, uma extensão do auxílio com um valor menor é o mais provável”, analisou Adriano Laureno, economista da Prospectiva Consultoria.

Questionado sobre a sustentabilidade fiscal da medida, o especialista afirmou que é preciso balancear as necessidades de estímulo da economia no momento atual com medidas que garantissem uma trajetória estável, mas que discorda da visão simplista que aponta o auxílio emergencial como vilão para a saúde fiscal do país.

Segundo ele, a forma mais comum de medir a sustentabilidade fiscal do governo é avaliar o tamanho de sua dívida/PIB; uma política que aumente significativamente o PIB pode não trazer efeitos fiscais preocupantes, ainda que envolva um alto nível de gasto público – questão que afirmou parecer ter sido o caso do auxílio em 2020. “Em um contexto de capacidade ociosa extremamente alta, ele garantiu que o PIB brasileiro caísse consideravelmente menos do que se previa. Isso fez, inclusive, com que a dívida pública terminasse o ano em 89,3% do PIB após chegar a ser projetada próxima dos 100% do PIB”, contextualizou Laureno.

Foto Caio Mastrodomenico por aqui

Crédito da Imagem Divulgação CEo da Vallus Capital, Caio Mastrodomenico entende que prorrogar o auxílio será inevitável

Em uma linha mais pragmática, o especialista em mercado financeiro e CEO da Vallus Capital, Caio Mastrodomenico, afirmou que a necessidade de prolongamento do auxílio é inevitável diante do fato de contarmos com 14 milhões de brasileiros em situação de desemprego, cenário que retira o desejo de consumo da rotina financeira de boa parte das famílias. “Pelo menos em curto prazo, o auxílio emergencial é uma medida necessária para que a engrenagem da economia não trave e cause danos sociais que levariam décadas para serem revertidos, visto o aumento exponencial de miseráveis em decorrência da pandemia”.

Fim do auxílio traz perspectiva pessimista para o varejo no primeiro trimestre

Questionamos Claudio Felisoni, presidente do Ibevar, sobre o temor do setor varejista em relação aos impactos do fim do auxílio emergencial nos níveis de consumo do brasileiro neste início de 2021. Em sua resposta, Felisoni foi peremptório:

“Evidente que tememos. Porque nós já temos um recuo das vendas no primeiro trimestre de 2021 de 1,73% em relação 2020. Então, essa é uma situação já difícil. Nós temos 14 milhões de desempregados e um recuo considerável da massa real de pagamentos. Isso preocupa o varejo e quem estuda as operações varejistas”, enfatizou.

O temor do especialista em varejo é compartilhado pelos analistas da Tendências Consultoria, Isabel Tavares e Lucas Assis, que acreditam que o fim do auxílio emergencial e de outros programas implantados durante a pandemia – combinados com a lentidão da retomada do mercado de trabalho – trazem a expectativa de que o varejo mostre uma desaceleração em 2021 na comparação com 2020.

Deputado propõe prolongar auxílio até abril de 2021

Foto Chiquinho Brazão

Crédito da Imagem Divulgação Deputado federal Chiquinho Brazão quer prorrogar auxílio até abril

A queda de braços entre priorizar o equilíbrio fiscal por meio da contenção de gastos e a necessidade da injeção de novo fôlego na economia por meio do prolongamento do auxílio irá protagonizar as discussões do Congresso Nacional no primeiro trimestre do ano.

Assim que retomadas as atividades legislativas, os parlamentares deverão pautar a discussão do Projeto de Lei 5650/20, que propõe a retomada do pagamento do auxílio no valor de R$ 600,00 até o próximo mês de abril.

Autor da proposta, o deputado federal Chiquinho Brazão (Avante-RJ) afirma que o auxílio tem de ser abordado não apenas pela questão econômica, devendo ter suas vantagens sociais também enfatizadas – segundo ele, caso o auxílio não tivesse sido oferecido desde abril de 2020, o índice de pobreza teria saltado para 36% durante a pandemia.

A fim de investigar o sentimento de nossos parlamentares em relação ao prolongamento do auxílio e traçar uma fotografia daquilo que podemos esperar em relação à pauta nas próximas semanas, nossa reportagem conversou com Brazão em uma entrevista exclusiva.

Novo Varejo – Como estão as negociações em torno do auxílio emergencial? Qual é o sentimento que predomina entre os parlamentares nesse momento?

Chiquinho Brazão – Na verdade, não existem negociações entre os deputados federais, o que existe é a certeza de que precisamos honrar a confiança daqueles que nos elegeram como seus representantes. Para saber o que o povo precisa é necessário ouvir e estar perto dele. Enquanto parlamentar estou fazendo meu trabalho, assim como os demais nobres colegas deputados, elaborando projetos que atendam às necessidades daqueles que mais necessitam, como é o caso da prorrogação do auxílio emergencial, e não deixar nossa população desassistida.

NV – O quanto o retorno, ou não, do auxílio depende das eleições para a presidência das duas casas legislativas?

CB – Independe do eleito. A nossa economia, pelo momento de exceção que estamos vivendo pela pandemia da covid-19, depende da prorrogação deste auxílio. A única maneira de retomar o crescimento da economia seria através da distribuição de renda para aqueles que mais precisam.

NV – Como você vê as negociações entre os parlamentares e a equipe econômica do governo que, publicamente, tem se mostrado contrária ao prolongamento do auxílio?

CB – Os parlamentares, por estarem mais próximos da população, conhecem a sua real necessidade, tendo assim a mesma leitura da pesquisa do Datafolha que mostra que 69% dos brasileiros que receberam o auxílio emergencial não encontraram outra fonte de renda, seja um trabalho formal, informal ou mesmo uma atividade remunerada, para substituir o valor que recebia do benefício.


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