O ano de 2025 tem sido marcado em seus primeiros meses por aumentos significativos nos preços de combustíveis como o diesel e a gasolina. À primeira vista, essas altas significam um custo extra para motoristas e frotistas de veículos que utilizam um deles ou os dois como principal fonte de abastecimento. Acontece, no entanto, que o impacto destas altas atinge diretamente outras questões. Por ser o Brasil um país de configuração logística majoritariamente rodoviária, o fato de o diesel estar mais caro resulta automaticamente em um repasse de custos para o já inflacionado mercado varejista. Segundo Vitor Sabag, especialista em combustível do Gasola, plataforma especializada em gestão de abastecimento, os efeitos transcendem, inclusive, categorias cujo encarecimento de produtos têm sido destaque na imprensa, como o segmento alimentício, e se espalha em efeito cascata por todo o setor de varejo.
“É um efeito cascata. Assim como os demais segmentos, o aumento no preço do combustível representa crescimento nos custos das transportadoras, que consequentemente cobram mais no preço dos fretes, o que resulta em um acréscimo nos custos para movimentação e entrega de mercadorias por todos os segmentos dependentes do modal rodoviário”, afirma Sabag. Para termos um exemplo numérico da análise do especialista, vale mencionar que a pesquisa ONDA, apuração exclusiva do After.Lab, registrou aumentos de preços das autopeças em todas as semanas deste ano de 2025 – mantendo uma tendência verificada desde o período da pandemia.
Os impactos dos aumentos de preços da gasolina e do diesel não param por aí. De acordo com o profissional do Gasola, o encarecimento destes combustíveis serve como estímulo para a continuidade da eletrificação da frota de automóveis leves e incentiva todo o nicho de pesados na busca por alternativas, ainda que estas não necessariamente incluam os modais elétricos. “Hoje vemos alguns transportadores estudando e buscando alternativas a veículos movidos a GNV, por exemplo”, ilustra o especialista. Para compreender melhor este cenário e as projeções para os próximos meses, conversamos com exclusividade com Vitor Sabag. Confira a seguir a íntegra da entrevista.
Novo Varejo – A quais fatores você atribui o aumento do preço do diesel anunciado no último mês de janeiro?
Vitor Sabag – O aumento anunciado pela Petrobras no dia 31 de janeiro já vinha sendo esperado pelo setor. Nos últimos anos a Petrobras adotou uma política de preços em que se acompanha as variações do mercado externo, o chamado PPI (Preço de Paridade de Importação). Em alguns momentos, as variações chegaram a ser diárias, passando a semanais, e depois somente quando havia uma grande mudança. Em 2024, atravessamos o ano inteiro sem que houvesse um único reajuste, mesmo os preços estando abaixo do PPI o que, em tese, representa um prejuízo à Petrobras. Os fatores que influenciaram a Petrobras a reajustar o preço do combustível foram a disparidade entre o preço interno e o PPI (Preço de Paridade de Importação). A escalada do dólar a partir de novembro de 2024 fez com que esta defasagem aumentasse ainda mais, o que tornou inviável a manutenção dos patamares até então vigentes.
Novo Varejo – Segundo o Governo Federal, boa parte desse aumento poderia ter sido evitada pela Petrobras. Você acredita que isso é apenas uma narrativa de ‘isenção de culpa’ ou, de fato, a empresa poderia ter segurado o preço sem sofrer o ônus usual nessas situações de represamento de preços?
Vitor Sabag – É complicado fazer qualquer análise neste sentido pois para isso se deve ter acesso à fórmula de precificação da empresa, levando em conta os custos de produção no mercado interno, o que não é público. Fato é que o Brasil precisa importar diesel para o abastecimento nacional, isto é, o que produzimos internamente não é suficiente para atender toda a demanda brasileira. Desta forma, é necessário que haja a figura dos importadores, responsável pelo atendimento desse GAP presente no mercado. Quando a Petrobras segura estes reajustes e acompanhamentos ao PPI, os importadores não têm o racional econômico e incentivo para trazer os produtos, pois estes comprados no exterior acompanham as variações externas e consequentemente chegam aos portos a preços bem superiores aos praticados pela Petrobras, o que dificulta sua venda no mercado interno. Logo, caso a Petrobras não reajustasse o preço e a defasagem entre o preço interno e externo aumentasse, haveria risco de desabastecimento.
Novo Varejo – Recentemente o Governo Federal voltou atrás da medida que iria impor um percentual de 15% de biodiesel na mistura do diesel. Houve um lobby do setor para esta medida ou foi apenas uma sinalização para a população? Outra questão que fica é: que impactos ambientais essa decisão poderá trazer?
Vitor Sabag – Acredito que muitos fatores foram levados em consideração para a tomada desta decisão, sendo o principal a questão inflacionária. Viemos de um grande aumento no preço do combustível de janeiro para fevereiro, que certamente trará impactos na inflação. O aumento do percentual do biodiesel resultaria em mais um aumento no preço do diesel, ainda que significativamente menor que o último que tivemos – estimávamos algo em torno de R$0,01 a R$0,02 por litro, segundo os preços do biodiesel nos patamares atuais. Quanto ao impacto ambiental, o Brasil já vem com uma agenda positiva para o tema de biocombustíveis e redução de gases de efeito estufa. A Lei do Combustível do Futuro recém- -promulgada discorreu bem sobre o tema e trouxe novos patamares para adição de biodiesel com a meta de alcançar até 2030 o percentual de 20%. Porém, deixou claro que cabe ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) a viabilidade das metas estabelecidas, certamente levando em consideração também a questão dos preços aos consumidores finais.
Novo Varejo – A gasolina foi outro combustível a ter o preço elevado neste ano. Quais foram os motivos para esse aumento? Podemos esperar novas altas no futuro próximo?
Vitor Sabag – O aumento na gasolina, diferente do diesel, não foi por conta de um reajuste da Petrobras. Este aumento se deu pela majoração do ICMS, imposto estadual, que resultou em acréscimo de aproximadamente R$0,10 por litro. Assim como no diesel, é difícil prever qualquer tipo de reajuste futuro, pois deve-se considerar fatores que fogem completamente de alguma previsibilidade, como o preço do dólar e barril do petróleo, além, é claro, da fórmula de precificação dos combustíveis da Petrobras, que não é pública.
Novo Varejo – Quais impactos o aumento do diesel traz para o varejo em geral?
Vitor Sabag – O Brasil é extremamente dependente do modal rodoviário para o escoamento da produção nacional, desde o agronegócio, indústrias e varejos. Isso significa que quando há aumento no preço dos combustíveis, há aumento nos custos do frete para locomoção dos produtos e mercadorias, o que por consequência natural, representa tendência de alta nos preços aos consumidores finais.
Novo Varejo – Ouvimos frequentemente a respeito desses impactos sobre o segmento alimentar. Como outros segmentos, sobretudo do varejo ampliado como o mercado de autopeças, é afetado por esse custo adicional para os transportadores? Você acredita que este cenário de aumento de preço dos combustíveis produzidos a partir do petróleo pode impulsionar ainda mais o mercado de elétricos e híbridos no país?
Vitor Sabag – Acredito que para veículos leves, ou seja, os movidos a gasolina e etanol, sim. Hoje já temos pesquisas que revelam um aumento expressivo na frota de veículos de passeio elétricos e híbridos. Porém, quando falamos em frota pesada, ainda existem grandes desafios para esta migração aos veículos elétricos, como a autonomia das baterias, pontos estratégicos para carregamento dos veículos em rodovias, entre outras questões logísticas. Mas certamente o aumento no preço traz incentivo para que transportadores busquem alternativas aos meios convencionais, e não necessariamente veículos elétricos. Hoje vemos alguns transportadores estudando e buscando alternativas em veículos movidos a GNV, por exemplo.
Novo Varejo – Fazendo um exercício de projeção: o que podemos esperar da precificação do diesel e da gasolina até o fim do ano?
Vitor Sabag – Esta é a pergunta de um milhão de dólares. É muito difícil realizar qualquer tipo de previsão sobre precificação de combustível, pois os fatores que impactam o preço são extremamente voláteis e não dependem somente de uma condicionante. Por exemplo, o preço do dólar, que é impactando tanto pelo cenário internacional como por políticas e posturas do governo brasileiro. O preço do barril do petróleo é impactado diretamente por guerras globais como estamos vendo ao redor mundo. Além, é claro, da política e posicionamento de preços pela Petrobras, que nos últimos tempos, têm mudado com frequência