Inserção no debate global é principal conquista do movimento Right to Repair no Brasil -

Inserção no debate global é principal conquista do movimento Right to Repair no Brasil

De olho nos movimentos do exterior, Aliança Aftermarket ainda busca maneiras de dar maior concretude à luta pelo livre acesso à manutenção e ao reparo

O avanço tecnológico dos automóveis tem colocado inúmeros questionamentos sobre o modelo de negócios das empresas dos mais diversos setores envolvidos na indústria de mobilidade e exigido novas posturas de seus integrantes.

Para a reposição independente, por exemplo, este cenário disruptivo foi um dos motivadores para a criação da ‘Aliança Aftermarket Automotivo Brasil’, movimento inédito de união de diferentes elos da cadeia em prol do ganho de mais representatividade em discussões e negociações junto aos órgãos públicos, agentes internacionais e montadoras. Dentre todas as pautas que cercam este novo momento tecnológico do setor automotivo e suas repercussões, porém, nenhuma é tão cara – e, provavelmente, necessária – ao aftermarket quanto o chamado ‘Right to Repair’. De acordo com Renato Ayres, presidente da A n f a p e (Associação Nacional dos Fabricantes e Comercializadores de Autopeças para o Mercado de Reposição), a urgência de garantir os direitos do consumidor de reparar seu veículo onde bem entender oi um dos motes centrais para a união do mercado nesta nova ‘entidade’.

Um dos principais porta-vozes da Aliança em relação ao tema, Ayres comenta que a questão é fundamental para a manutenção da relevância do mercado independente no médio prazo. Isso porque, com o crescimento da frota dos veículos dotados da tecnologia de conectividade nas ruas e o iminente fim de seus prazos de garantia, as montadoras terão cada vez mais oportunidade de controlar quem poderá acessar – ou não – informações fundamentais para uma manutenção assertiva, como os dados de rodagem e informações de diagnósticos armazenadas em ambientes virtuais em nuvem acessíveis apenas às concessionárias.

“Vale dizer ainda que essas são apenas algumas das maneiras com as quais as montadoras podem cercear o direito do consumidor à livre escolha pelo local de reparo. Isso também pode ser feito com a imposição de barreiras de acesso às peças de reposição”, afirmou o presidente da Anfape.

De concreto, avanço do Right to Repair no Brasil tem apenas a intensificação das discussões

O caráter fundamental da pauta destacado por Renato Ayres e o avanço da tecnologia tornam inevitável que as empresas do setor estejam se perguntando a respeito das conquistas do Right to Repair no Brasil. Neste contexto, tanto o presidente da Anfape quanto seu colega de Aliança e presidente do Sindirepa Brasil, Antonio Fiola, afirmam que o movimento avançou pouco em aspectos concretos e tem na inserção nas discussões globais em torno da pauta a sua principal conquista até aqui. “Nesses últimos dois anos, nós estamos bastante ativos nas discussões junto a parceiros internacionais. Participamos, por exemplo, das duas últimas edições do fórum anual da Association in Motion sobre o tema”, comentou Ayres. “Na última semana, durante Automechanika Frankfurt, na Alemanha, membros da Aliança como o Renato Ayres e o Marcelo Gabriel estiveram reunidos com representantes de 18 países para discutir o estágio atual do Right to Repair no mundo e as estratégias para os próximos passos”, corroborou Fiola.

Essa inserção no debate mundial sobre o direito de reparar tem permitido aos brasileiros acompanhar de perto o avanço da criação de legislações e diretrizes sobre o tema ao redor do mundo. Neste sentido, as lideranças acompanharam o fato de que, de 2022 para cá, três estados (Nova Iorque, Minnesota e Califórnia) dos Estados Unidos adotaram legislações importantes em relação ao Right to Repair tanto no âmbito do direito de reparar propriamente dito quanto em sentido mais amplo para garantir que haja disponibilidade de peças de reposição e que informações sejam disponibilizadas ao dono do produto.

Nesta mesma linha, em abril deste ano, o Parlamento Europeu deu um passo importante ao ratificar um direcionamento que prevê prazo de 24 meses para que seus membros adotem em suas leis nacionais regras que obriguem os fabricantes a:

• consertar um produto por preço razoável e dentro de um prazo razoável após o período de garantia legal;

• disponibilizar acesso a peças de reposição, ferramentas e informações de reparo para consumidores;

• incentivar para optar pelo reparo, como vouchers de reparo e fundos;

• oferecer plataformas online para ajudar os consumidores a encontrar serviços de reparo locais e lojas que vendem produtos remanufaturados.

No Brasil, legislação e política pública podem ser caminho, mas existem outros

Aumentar o poder de negociação da reposição independente nas tratativas junto ao poder público foi um dos principais motivos para a criação da Aliança Aftermarket. E, na esteira dos movimentos globais em torno da criação de regras diretas para garantir o direito de reparar, esperava-se que esta fosse uma pauta central no cenário brasileiro. Segundo Renato Ayres, porém, a estratégia da Aliança estabelece que outros caminhos sejam tão ou mais relevantes para o avanço do Right to Repair por aqui. “É claro que um dos caminhos para avançarmos passa pela criação de Projetos de Lei e a criação de políticas públicas, a gente não descarta essas possibilidades – muito pelo contrário”, afirmou, antes de complementar: “Acreditamos, porém, que a conscientização da população em geral em torno da pauta é tão importante quanto isso. Precisamos modificar a cultura em que o consumidor se acostumou a falar que ‘é caro mesmo, fazer o quê?!’”.

O aumento dessa consciência do consumidor brasileiro a respeito de seus próprios direitos poderia, em tese, diminuir a condescendência deste com atitudes de montadoras e fabricantes em geral que violem essas prerrogativas. Tal aposta da Aliança pela criação de um ‘ambiente de maior demanda’ se dá, entre outros motivos, pelo fato de, até aqui, ter havido muito pouco diálogo do aftermarket junto às montadoras neste sentido e, não menos importante, pela força histórica que estas exercem junto ao poder público nacional. “A ideia de termos uma legis – lação para balizar o Right to Repair, por exemplo, esbarra na força de lobby que as montadoras têm por aqui”, lamentou Fiola. Para além do lobby de defesa dos próprios interesses, um dos argumentos dos fabricantes de automóveis a fim de não disponibilizarem informações, por exemplo, de telemetria dos carros diz respeito à segurança do consumidor. Tal tese tem ganhado alguma tração junto a órgãos como a Administração Nacional de Segurança no Tráfego dos Estados Unidos. Recentemente, o órgão afirmou que a liberação de determinados acessos poderia violar os direitos de privacidade dos usuários, à medida que terceiros poderiam visualizar (e expor) detalhes pessoais, especialmente dados de localização em tempo real. Transpondo este cenário para o caso brasileiro, é importante dizer que especialistas como a advogada Maria Giovanetti Lili Lucena afirmam que, embora o Código de Defesa do Consumidor estabeleça em vários dispositivos como a obrigatoriedade de defesa da segurança dos consumidor, esta não pode ser utilizada como argumento abstrato, um salvo-conduto, sem com – provações técnicas de que o reparo independente de fato pode causar lesões à parte hipossuficiente.

Big Techs reforçam coro quanto aos perigos do Right to Repair irrestrito

Tão fortes quanto as montadoras de automóveis no Brasil são as grandes empresas de tecnologia global. Por isso, vale a pena ficar de olho na mais recente reação de empresas como Google e, principalmente, Apple, à tentativa do estado de Oregon, nos Estados Unidos, de implementar regras semelhantes àquelas ratificadas pelo parlamento europeu no último mês de abril. Em depoimento à corte de Oregon, o arquiteto de segurança do reparo da Apple, John Perry, afirmou acreditar que tamanha abertura prejudicaria a segurança, a proteção e a privacidade dos habitantes do Oregon. Além disso, forçaria os fabricantes de dispositivos a permitir o uso de peças de origem desconhecida em dispositivos de consumo. Neste sentido, é importante lembrar que o Right to Repair é um movimento amplo, que não se restringe ao reparo de automóveis. O exemplo aqui se refere à manutenção dos smartphones, mas seus desdobramentos certamente podem respingar em outros setores.

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