Invenção independente no setor automotivo: muita criatividade e muita burocracia -

Invenção independente no setor automotivo: muita criatividade e muita burocracia

Por Julia Pessoa ([email protected])

Paulo Gannam é inventor independente há sete anos. O motivo de ter escolhido essa profissão? Muita criatividade sobrando. Paulo costumava ter ideias de invenções todos os dias, portanto, resolveu fazer uma peneiragem e elegeu quatro para alavancar num primeiro momento. Questionado sobre o que pretendia oferecer para a sociedade, o inventor respondeu: “Uma vida surpreendente, segura, confortável, ágil, saudável, divertida e barata, por meio de soluções capazes de atender suas necessidades, pondo fim a preocupações cotidianas e a antigos problemas”.

Dentre as invenções de Gannam, uma proposta inovadora para o setor automotivo está presente: a criação de um aparelho constituído de botões que se comunica com um aplicativo de trânsito. Esta junção sucedeu em um sistema sem precedentes que permite que motoristas e motociclistas enviem todo o tipo de mensagem uns aos outros, de modo seguro, ágil e com informações bem especificadas e objetivas, visando, entre outras coisas, à prevenção de acidentes e a formação de um clima amistoso e de cooperação no trânsito. “Clicou no botãozinho, pronto: uma mensagem em áudio e/ou texto é enviada”, relata Paulo. Essas mensagens podem ser pré-gravadas ou não. Segundo o raciocínio do inventor, quanto mais os motoristas se condicionarem a usar o sistema, mais informações serão geradas, direcionando a aquisição de um valioso volume de informações – conhecido como Big Data –, sendo prioridade na indústria automotiva a fim de aumentar a segurança.

Ele acredita que essa inovação seria definitivamente impactante para o setor: “Há grande preocupação com os novos sistemas de automóveis conectados que contribuem para a condução distraída. A maioria dos estados norte-americanos, por exemplo, aprovou leis que proíbem o uso de dispositivos celulares de mão ao volante e mais estados estão passando leis sobre mensagens de texto durante a condução. O carro conectado abordará muitas dessas questões, mas o impacto na legislação ainda não está claro. Os consumidores continuarão a insistir no uso da tecnologia sem fio ao volante. Por isso, cabe às montadoras e sistemistas encontrar maneiras de oferecer uma experiência de conectividade perfeita em smartphones e carros conectados. E meu sistema é capaz de contribuir para isso”, declara.

Paulo gravou dois vídeos que demonstram uma das formas de fazer o produto, veja abaixo:

E não parou por aí. A segunda invenção é de um conjunto de sensores que ajuda o motorista a fazer baliza e a evitar o choque dos pneus, das rodas e das calotas ao estacionar ou fazer o encostamento junto à calçada. De acordo com Gannam, o artefato seria de baixo custo, de fácil instalação, e extremamente mais barato e eficiente que os park assist tradicionais disponíveis hoje no mercado, além de estes serem mais presentes em veículos mais caros, encarecendo-os em cerca de R$6 mil reais.

Eis um exemplo de uma das provas de conceito desenvolvidas por Paulo, apresentando a ideia na prática: como os sensores podem funcionar ao executar a manobra. Assista:

“Este auxiliar de baliza e alinhamento do veículo junto à calçada pode estar conectado ao painel do veículo, a um aplicativo, ao cluster, etc, e assim oferecer informações por meio de alerta visual e sonoro, contendo até instruções ao motorista durante a manobra”, explica.

Paulo Gannam se considera um inventor com uma vasta quantidade de ideias, mas nem sempre com o conhecimento técnico para desenvolvê-las. Por isso, às vezes precisa sair em busca de pessoas que tenham a competência necessária para lhe ajudar a desenvolver as provas de conceito de algumas de suas invenções. “Encontrar pessoas confiáveis e sensatas nesse meio não é fácil. Leva tempo…”, conta.

Quanto ao processo de criação, Gannam diz que ajuda muito se você tiver um temperamento irritadiço e insatisfeito com as coisas do jeito que estão, pois assim você pensará em mil formas de como melhorá-las e torná-las mais simples e efetivas: “Qualquer objetivo ou comportamento é passível de melhoria se você entrar numa frequência inventiva”.

Infelizmente, a invenção independente tem uma inimiga: a burocracia. Segundo o inventor, o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) está carente de estrutura, o que retarda a análise em cerca de 10 anos entre o depósito do pedido e a concessão ou negativa da carta-patente, sendo esse tempo o suficiente para tornar a patente de uma invenção obsoleta, além de desestimular investidores a aplicarem recursos numa tecnologia sem segurança jurídica para exploração comercial.

Outro ponto ressaltado por Paulo é a ausência de programas voltados ao inventor independente – pessoa física – para que ele possa, por exemplo, desenvolver um protótipo, implementar ou depositar seu pedido de patente, validar o conceito do produto entrevistando no mínimo cerca de 30 pessoas, e efetuar um estudo de viabilidade econômico-financeira do projeto. “Quase 100% dos programas existentes exigem que o inventor trabalhe em equipe, tenha CNPJ, apresente determinadas qualificações para alavancar uma empresa, e assim por diante. Esses editais vão na contramão da inovação porque o foco precisa estar na qualidade do projeto em si, que nascido ou não dentro de uma empresa, por alguém com diploma ou não, desenvolvido por uma equipe ou não, pode trazer renda, impostos, empregos e salários que mantém toda uma sociedade”, esclarece Gannam.

Para ele, exigir CNPJ do inventor é “burrice e entrave”, fazendo aumentar o número de patentes engavetadas no Brasil, sendo o país campeão nisso. Segundo os dados do INPI, dos 22 mil pedidos de patente processados em 2016 no Brasil, 68% foram retirados ou abandonados pelo solicitante. Em 2017, dos 41 mil pedidos processados, 78% do total foi retirado e arquivado por falta de pagamento de taxas. Paulo se indigna: “Isso é doentio. Quem inova está fazendo um favor ao Estado e não ao contrário”.

O inventor acredita que a falta de estímulo é muito grave: “Deveria haver todo o tipo de incentivo para que, por exemplo, pessoas físicas, inventores independentes, pudessem depositar seu pedido e ter uma análise acelerada do processo. Esses inventores, PFs, residentes no Brasil, foram responsáveis em 2017 por aproximadamente 47% dos pedidos de patente de invenção e por cerca de 68% dos pedidos de patente de modelos de utilidade protocolados no INPI. Então há muito o que mudar na cultura e na legislação”, finaliza.

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