Matriz energética renovável é vantagem para o Brasil na descarbonização

Matriz energética renovável é vantagem competitiva para o Brasil na corrida pela descarbonização

País pode se beneficiar de tendências como greenshoring e powershoring para retomar sua industrialização e ganhar competitividade, mas ambiente de negócios precisa evoluir
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Crédito: Shutterstock

O cenário de mudanças que compõe o setor da mobilidade atualmente foi o pano de fundo para a apresentação de Claudio Sahad, presidente do Sindipeças, no Seminário da Reposição Automotiva. Na visão da liderança do sindicato que congrega as indústrias de autopeças, aquilo que era bom no passado, não necessariamente continua sendo bom hoje. “E nós precisamos observar isso para saber quais mudanças temos que fazer, porque não podemos ficar parados”.

As transformações certamente impactarão tanto os fabricantes quanto a cadeia do aftermarket. “O Brasil está vivendo um momento de muita disputa. Players de fora vêm para cá competindo no mercado interno e nas exportações. É um momento de atenção e tensão”, introduziu, antes de iniciar a palestra.

O ponto de partida foi a agenda de competitividade do setor. Sahad destacou que a indústria brasileira perdeu importância nos últimos anos. “Em 1985, representava 36% do PIB. Nós chegamos em 2022 a um terço disso, 11,7%. Nas últimas décadas, enquanto a indústria perdia espaço, o agro e o setor de serviços ganhavam espaço. Em razão das cadeias, que são longas, na indústria cada real produzido reflete em quase três na economia. Nos setores agro e de serviços as cadeias são curtas e cada real que produzem reflete 1,5 real na economia. Se a indústria cresce, o PIB necessariamente também cresce”, comparou o palestrante.

A redução da importância do setor industrial acabou resultando em perda de produtividade e competitividade. “Nós temos desafios e oportunidades. Temos que falar, ao mesmo tempo, em indústria 4.0, descarbonização, veículos elétricos, outras mobilidades e desenvolvimento de novos combustíveis, em que o Brasil está na frente em relação ao mundo. Nossos biocombustíveis são um ativo importantíssimo nessa briga pela descarbonização”.

E não são apenas os biocombustíveis que elevam o país a uma posição de destaque nessa corrida. Claudio Sahad destacou o quanto o Brasil tem a ganhar com a tendência do greenshoring – que, de forma genérica e resumida, significa a transferência de práticas empresariais/industriais para localidades mais sustentáveis. “A produção de um veículo no Brasil emite um terço do CO2 emitido na fabricação do mesmo veículo na Europa por causa das nossas matrizes, que são muito mais sustentáveis e verdes. O Brasil pode ser um polo atrativo de indústrias de todos os setores da transformação”.

Para que isso aconteça, Sahad citou outro conceito atual, o friendshoring. “Precisamos criar aqui um ambiente de negócios para que possamos competir de igual para igual com as empresas de fora. As que estão lá e as que estão vindo para cá. Esse é um dos pontos que temos tratado na nossa interlocução, principalmente, com o Governo Federal. A grande maioria das barreiras da competitividade não está dentro das empresas, está fora, em situações que fogem do controle dos empresários”.

Após detalhar todas as rotas tecnológicas que os veículos terão no Brasil em favor da descarbonização – combustíveis fósseis, biocombustíveis, eletrificados e célula a combustível – o presidente do Sindipeças lembrou que os processos industriais são os que menos emitem CO2 no país. “Há outros que emitem muito mais. Precisamos trabalhar neles. Por exemplo, o manuseio inadequado de terra e florestas é responsável por praticamente metade da emissão de CO2 no Brasil”.

Complementando o ciclo a partir dos conceitos do greenshoring e friendshoring, Sahad trouxe para sua apresentação o powershoring. “A atração das indústrias para o Brasil. Nossa matriz energética é o maior diferencial competitivo que temos em relação aos outros países. Precisamos da estruturação da cadeia automotiva para ter escala. O setor de autopeças está pronto para qualquer tecnologia que vier. Trabalhamos sempre sob demanda e os principais players da nossa indústria – os sistemistas – são empresas multinacionais que já têm essas tecnologias lá fora. Então, nosso ponto é ter a demanda. Se a montadora apresentar demanda, nós conseguimos fazer”.

Uso do etanol nos carros flex resolveria descarbonização

Faz quase 50 anos que o Brasil começou a desenvolver o uso do álcool da cana de açúcar como combustível veicular. Lançado em 1975, o Pró-Álcool se tornou um case de sucesso global. Hoje, temos os carros flex, que representam 80% de nossa frota segundo Claudio Sahad. Na visão do executivo, bastaria que os proprietários desses veículos abastecessem apenas com etanol para atingir os objetivos da descarbonização no setor automotivo brasileiro. “Precisamos ter uma política para que esses proprietários de veículos flex, que hoje abastecem os carros com gasolina por uma questão econômica, passem a abastecer com etanol. Só isso simplesmente já resolveria nosso problema com relação às metas de descarbonização que assumimos na COP. Praticamente 50% da nossa energia é renovável. No resto do mundo, a média é de nem 15%. Vejam a vantagem que temos”.

“Com isso, temos uma oportunidade de ouro para todo o setor, em paralelo com o desenvolvimento das outras rotas tecnológicas: a partir de 2035, a União Europeia colocou como meta parar de produzir e comercializar veículos a combustão – mas muitos países da Ásia, tirando China e Oriente Médio, da África e da própria América Latina vão continuar usando veículos a combustão por pelo menos mais 50 anos. Por quê? Porque o veículo elétrico ainda é caro para a população e existe uma dificuldade enorme para montar a infraestrutura do carregamento. Na China, o governo decide fazer, vai lá, investe e faz. Nos países da Europa e nos Estados Unidos, eles delegam para iniciativa privada que, quando vê o volume do investimento e qual vai ser o retorno, ela não vai. Então, o crescimento está ocorrendo num ritmo muito menor do que se esperava no início”.

Com a certeza de que essas regiões continuarão utilizando veículos a combustão, o presidente do Sindipeças avalia que o aftermarket automotivo brasileiro também será beneficiado. “Isso vai movimentar toda a nossa indústria e o setor de reposição. O Brasil pode se tornar um hub exportador para esse tipo de veículo. Estamos muito atentos e também precisamos de política pública, já levamos isso ao governo. No Mover, conseguimos, por exemplo, isenção para trazer linhas usadas de produção para combustão. Já há montadoras e sistemistas trazendo linhas pro Brasil. Isso pode ser, de fato, uma realidade que vai aumentar sensivelmente nossos volumes. E se o Brasil não aproveitar, outros países irão. Índia, Tailândia, México e a própria China estão de olho nisso”.

Desempenho e perspectivas da indústria de autopeças

A ênfase trazida pelo Programa Mover em inovação, pesquisa e desenvolvimento, descarbonização e eficiência energética resultou num novo ciclo de investimentos das montadoras, superior a 130 bilhões de reais. “O setor de autopeças já anunciou mais de 50 bilhões e isso pode aumentar na medida em que a demanda for surgindo. Temos o programa do governo Nova Indústria Brasil, que é um plano de ação para a neoindustrialização. Temos um novo marco de garantias, que está facilitando a venda de zeros, onde você pode trazer de volta aquele veículo, isso impacta na concessão dos financiamentos e fica mais fácil trabalhar. Mas, temos um fator ruim para carro zero, que é o aumento da taxa de juros, vínhamos em queda e agora aumentou, então é um fato que mudou”.

Em meio a essa conjuntura, Sahad citou também o crescimento das importações de veículos híbridos e elétricos. “Tem montadora que já trouxe este ano mais de 150 mil veículos elétricos pro Brasil. Sabemos que essa montadora vende 5 mil por mês. Ela emplacou no ano passado 80 mil carros, está com mais de 80 mil em estoque. Isso é um problema. A gente tem pedido o retorno da tributação de 35% para veículos elétricos e híbridos, que existia até o governo Bolsonaro. No meio do governo, o Paulo Guedes resolveu zerar e a gente levou isso ano passado porque viu a movimentação. O governo decidiu fazer essa volta do imposto escalonada e só vamos chegar a 35% em 2026. Hoje a alíquota está em 18% e montadoras estão aproveitando para trazer carros. Colocamos para o governo que se a gente deixar a alíquota do jeito que está para chegar aos 35% até 2026, em 2026 terão entrado 500 mil carros. Isso atrapalha sobremaneira a indústria local e as nossas exportações”.

O palestrante citou as medidas de protecionismo em que outros países saíram à frente do Brasil. “Estados Unidos, Índia e Canadá estão colocando uma alíquota de 100%. Na própria China, se você for importar um veículo elétrico do Ocidente, paga 25% de alíquota. O Brasil está em 18%”. Outra dificuldade citada por Sahad para as exportações da indústria nacional foi a crise na Argentina.

Com tudo isso, o Sindipeças prevê ainda aumento no faturamento ao final do ano. Porém, o faturamento vai cair em 2025. “A gente prevê uma redução de 4% em cima dos 8% que pretendemos crescer esse ano”.

Detalhando o desempenho do setor por canal de vendas, viu-se um crescimento razoável do aftermarket. “A reposição, realmente, tem um destaque muito especial, tem vindo aqui num crescimento bastante significativo. Quando você deixa de comprar veículos zero, começa a investir no seu usado, fazer manutenção. O setor de reposição tem sido favorecido. E a gente imagina que isso deve continuar nos próximos anos porque a venda de zero não vai normalizar tão cedo. O financiamento é um problema crucial para os carros zero”, finalizou Claudio Sahad, presidente do Sindipeças.

País pode se beneficiar de tendências como greenshoring e powershoring para retomar sua industrialização e ganhar competitividade, mas ambiente de negócios precisa evoluir
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