Mercado se mobiliza para levar debate sobre inspeção aos novos governantes e legisladores em 2019 -

Mercado se mobiliza para levar debate sobre inspeção aos novos governantes e legisladores em 2019

Sensibilizar a sociedade e o poder público para a necessidade de implantar a ITV é o desafio que mobiliza entidades e lideranças da reposição independente

Por Claudio Milan ([email protected])

O Seminário da Reposição Automotiva 2018 foi encerrado com um debate que teve a Inspeção Técnica Veicular como tema. Participaram das discussões José Aurélio Ramalho, diretor presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária; Mario Maurício, presidente da Abritev – Associação Brasileira de Inspeção Veicular; e Stephan Blumrich, presidente do Conselho da Afeevas – Associação dos Fabricantes de Equipamentos para Controle de Emissões Veiculares da América do Sul. O encontro foi mediado por Antonio Fiola, presidente do Sindirepa Nacional e do Sindirepa-SP. “Na maioria dos países, cada dólar investido em inspeção veicular pode trazer uma economia de 10 dólares em internações e acidentes de transito. Lamentavelmente ainda vivemos num país em que a gente tem que passar por cima disso e fingir que não estamos vendo que não é dada a devida importância à prevenção. E esse talvez seja o nosso papel, insistir com o cliente e todos os demais elos do mercado sobre a importância da prevenção dos nossos veículos”, disse presidente do Sindirepa.

Ao final do debate, Fiola propôs que as entidades reunidas levem à frente a proposta de implantação da Inspeção Veicular para o próximo governo e trabalhem em todas as frentes para que isso aconteça. A seguir você acompanha os momentos principais do encontro.

“Quando a inspeção ambiental foi implantada em São Paulo, as oficinas tiveram um acréscimo de 20% no movimento. Isso significa que nossa frota estava péssima e que o ar que a gente respirava era muito ruim. Nosso grande desafio é difundir essas informações para os clientes. Há muitos argumentos que podemos utilizar para sensibilizar os consumidores. Eu faço um apelo a indústrias, distribuidores e varejistas para que a gente possa provocar essa discussão. Colocar, por exemplo, numa embalagem a periodicidade em que aquela peça deve ser trocada. Ou o que pode representar em termos de consumo a troca fora do prazo recomendado. Tem muita coisa em que é possível colaborar. Porque a gente sabe que o mecânico tecnicamente é muito bom, mas é ruim de comunicação, a gente vende mal porque tem medo de ser taxado como quem está empurrando trabalho. Às vezes pergunto ao meu cliente se ele sabe quanto custa para encher o tanque do carro. Se ele reduzir em 30% o consumo, será que ele sabe quanto vai economizar no final do ano? São coisas que a gente precisa se acostumar a falar. Recentemente a revista Veja tratou de uma determinação do então prefeito de São Paulo, João Doria, que exigia que pelo menos os 14.400 ônibus da capital fizessem inspeção. E a matéria dava alguns números que eu gostaria que o Stephan comentasse: 5% do total da poluição seria subtraída do Brasil se tivéssemos um programa de inspeção. A gente fala em carro elétrico, mas não consegue controlar a poluição do que anda na rua. Duas horas no trânsito de São Paulo correspondem a um cigarro. São Paulo tem 8,8 milhões de veículos e um trânsito que é 80% maior que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde. E enquanto isso os carros quebram nas ruas e a Companhia de Engenharia de Tráfego não dá conta de retirar. Em 20 anos, a inspeção evitaria 12,2 mil mortes em decorrência da poluição. O custo de tudo isso é altíssimo”.

“Esses dados são calculados de várias formas. Eu trouxe números da fase em que ocorria a inspeção ambiental em São Paulo. O volume de emissões evitadas em 2012 equivale às que seriam geradas por uma frota de 1,4 milhão de veículos. É impressionante o número de veículos que poderiam circular a mais sem aumentar a poluição se fosse implantada a inspeção e se fossem mantidos os veículos dentro dos padrões originais. Outro dado impressionante, de um estudo da Faculdade de Medicina da USP, mostra que com a redução da emissão de partículas diesel em 2011 o programa evitou 559 mortes prematuras e 1.515 internações na região metropolitana de São Paulo. São números impressionantes e provam que nada justifica a não existência da inspeção veicular. Por volta de 2003, levamos o tema para o Congresso da SAE Brasil e chamamos um especialista da Espanha para discutir o assunto com outros três debatedores brasileiros. O espanhol se dedicou à parte técnica. E nossos representantes só se preocuparam em dividir os 53 reais de taxa. Foi uma desilusão para mim, que estava havia sete anos no país, descobrir que o foco da discussão não estava na saúde ou na segurança e sim no dinheiro. Mas temos que continuar batalhando”.

“Os números são relevantes. E eu quero fazer uma provocação. No Brasil a gente sempre tem medo de punir os menos favorecidos e, com isso, acaba dando a eles o direito de prejudicar outras pessoas. Um prestador de serviço que me atende em casa por um determinado período e cobra por isso eventualmente usa para realizar seu trabalho um carro sem condições de circular, com pneu careca, amortecedor vencido e sem freio. Mas ele recebeu o licenciamento pelo Correio. Aí ele sai da minha casa e provoca um acidente grave e mata uma família. Sob os olhos da sociedade, ele depende daquele carro para sobreviver. Mas isso lhe dá o direito de rodar sem condições e ameaçar vidas?”.

“Essa historia não tem lado, a pessoa depende daquele carro para ir trabalhar, mas ninguém fiscaliza. Ela é culpada, é inocente? Muitas vezes essa pessoa nem sabe que tem que fazer a manutenção do carro. Somos um país de analfabetos funcionais, de pessoas que supostamente sabem ler, mas não sabem. Trata-se de um problema social no Brasil. A questão do trânsito adquiriu proporções de segurança pública, você fica com a dor do exemplo que deu, mas sem a solução. O que resolve isso? Tratar o processo da forma correta, dar para as pessoas condições de acompanhar o carro. Veja o exemplo do Carro 100%, tem até um aplicativo para manter o veículo, para que as pessoas saibam o que precisam fazer. A preocupação existe, o acesso à informação existe, mas a falta de uma política pública clara de controle de segurança veicular gera os problemas que conhecemos. Na verdade todo mundo está sofrendo por falta de regulamentação e fiscalização”.

“É importante lembrar que o motorista do carro sem condições também se coloca em risco. Esse é o pontoque nós precisamos explicar para ele. Ele usa um carro velho e coloca outras pessoas em risco, mas, pior para ele, coloca a si próprio em risco. Talvez com isso a compreensão dele pelo problema aumente”. 

“Eu escrevi um artigo certa vez intitulado “Impunidade fatal”. Na época, um ônibus quebrou numa estrada em Santa Catarina e parou no acostamento. Os passageiros desceram do ônibus e veio um caminhão de vários eixos cuja metade deles já não tinha sistema de freios. Perdeu a direção e matou 27 pessoas. Eu perguntei no artigo de quem era a culpa. Alguns vão responder que é da empresa de ônibus porque o ônibus quebrou. Outros dirão que é da empresa do caminhão, que não fez a manutenção. Outros dirão que quem tem que responder é o motorista, que por sua vez dirá que a culpa é do dono. E aí a resposta é uma só: o culpado é o poder público que deixou aquele caminhão trafegar nas estradas”.

“Eu costumo dizer que nos ambientes que frequentamos a gente prega para convertidos. Precisamos levar essa discussão para a sociedade. Essa é minha proposta. Muitos aqui reciclam o lixo, mas não sabem onde a Prefeitura vai jogar esse lixo. Depois de separado o lixo, alguém está ganhando dinheiro com ele e vocês não estão nem aí. Como o meio ambiente entrou na cabeça da sociedade? Hoje, se a gente usar um canudinho quase apanha porque vai matar as baleias. Nós temos que fazer a manutenção preventiva entrar para sociedade como uma coisa legal, do bem. É possível. É uma questão de conscientizar, temos que levar esse discurso para novos fóruns, para fora do nosso mercado. Nós estamos montando um centro da capacitação em Paulínia para trazer prefeitos em 2021 e orientar sobre o que pode ser feito nas cidades. E a inspeção veicular é importante para o município”.

“A lei determinou que os estados montassem um projeto até junho e implantassem a inspeção até dezembro de 2019. Só que os estados não têm condições de fazer isso. No Sul e Sudeste, pode ser, mas nos demais estados do Brasil não há infraestrutura ou pessoas especializadas. Nossa primeira preocupação foi pedir um estudo de especialistas para que a gente pudesse ter um material básico para levar a todos os estados e disponibilizar um modelo para eles terem a base técnica e fazer o processo. Tem que treinar as pessoas, elas não estão prontas nem para fazer um edital de inspeção veicular, não há capacitação técnica nos estados”.

“Nesse exato momento a melhor estratégia seria centrar nossas ações no Congresso, Denatran ou onde?”.

“Tudo o que eu aprendi sobre esse processo é que tem de ser estadual. O estado é dono das licenças dos veículos. É por isso que os estados precisam estar capacitados. Eu considero esse o melhor caminho. Uma alternativa seria produzir uma orientação federal para os estados”.

“Como a gente poderia moldar a cultura de inspeção, uma vez que ela vai ajudar na segurança em um país que, para usar o cinto de segurança, foi necessário estabelecer multas?”.

“Isso tem a ver com os ensinamentos na habilitação. Você não usa o cinto de segurança porque foi orientado. Você usa porque, se não usar, vai ser multado. Muitos motoristas pedem para por o cinto porque a polícia está ali na frente. Não porque querem proteger os passageiros. Nós temos um material didático e pedagógico que doamos para as escolas, o conteúdo é dirigido à formação dos alunos de 1ª a 9ª série, como prevê o Código de Trânsito Brasileiro, que completou 20 anos e o governo não fez nada. Os livros digitais estão lá no Denatran, está tudo disponível. Então o processo é de educação. No caso do cinto, por exemplo, é uma questão de você formar e educar esse condutor. É preciso informar para que as pessoas tenham a percepção dos riscos que correm. Aí mudam a atitude. Depende de todos nós e não só do governo”.

“Qual foi o principal motivo do adiamento da inspeção técnica e como isso pode ser revertido?”.

“Eu posso dizer o motivo alegado pelo Denatran porque nós fomos lá fazer uma reunião para discutir isso e o que foi colocado é que o tempo era muito curto e que existiam situações que precisavam ser alinhadas entre algumas entidades governamentais envolvidas no processo, o que exigiria um debate mais amplo. Eu entendo que o que parou o processo foi o momento de grande incerteza do nosso país, que agora espero que estejamos em vias de superar. Mas também entendo que os estados não têm condições de fazer sozinhos e precisam de apoio. Assim, temos que oferecer ajuda, a gente tem que se juntar, todas as entidades do setor, e apresentar uma proposta apoiada por dados de uma organização não governamental e pegar pessoas sérias para fazer o trabalho. Se for para a inspeção sair, a gente vai ter que colocar ela lá. Caso contrário, não vai acontecer”.

“A inspeção veicular sem duvida é a melhor coisa que o motorista pode fazer para sua sociedade. Ela traz benefícios para todos, mas os políticos têm medo do eleitor – ele poderia estar contra a inspeção. Ainda é preciso explicar até para os políticos que é uma vantagem ter o carro regulado, com tudo em ordem, consumindo e menos aumentando o valor de revenda. Então, o cidadão está sendo prejudicado pela a falta da inspeção”.

“Temos que chegar aqui no ano que vem com um resultado diferente do que temos hoje. Aqui começamos um trabalho realmente em conjunto para fazer com que, de uma forma organizada, a coisa caminhe para que no próximo governo a gente tenha um horizonte de implantação da inspeção veicular e ajude a implantar. Porque não adianta sair a legislação se não formos lá. Os estados sozinhos não vão conseguir implantar. A gente vai ter que ajudar, vai dar trabalho, mas é um dos maiores programas que a gente pode fazer pelo nosso país, pela segurança das pessoas”.

“Me comprometo a voltar aqui ano que vem e dar uma resposta sobre esse assunto. Nossas entidades saem imbuídas desse esforço”.


Notícias Relacionadas
Read More

Momento oportuno para pensar em inovação

Pesquisa realizada pela consultoria GS&UP – especializada em potencializar comercialmente as startups voltadas ao varejo – revelou que as tecnologias essenciais para o comércio brasileiro são hoje, pela ordem: big data e analytics; meios de pagamento; soluções de logística; inteligência artificial e automação de lojas.