Mercados e fornecedores tradicionais perdem espaço no setor automotivo -

Mercados e fornecedores tradicionais perdem espaço no setor automotivo

Novas tecnologias e novos players tendem a responder pelo crescimento da produção de veículos, que vai ocorrer principalmente na China e no sudeste asiático

Você já leu neste Novo Varejo que o setor automotivo passa pelo momento mais disruptivo de sua história. Não é de hoje que temos destacado em nossas reportagens impactos resultantes de macrotendências como conectividade veicular, eletrificação da frota ou mobilidade compartilhada. Tantas inovações ao mesmo tempo já seriam suficientes para alicerçar uma real revolução neste sempre complexo ambiente de negócios. Só que tem mais.

Os economistas costumam usar a expressão “tempestade perfeita” quando uma combinação improvável e simultânea de fatores pavimenta o caminho para uma catástrofe. Os menos sofisticados preferem recorrer à velha “Lei de Murphy”: se alguma coisa pode dar errado, ela vai dar errado. Pois sinta-se à vontade para usar o epigrama que melhor atendê-lo. Tanto faz, porque a verdade é que o setor automotivo global se encontra hoje numa baita sinuca de bico.

Como se não bastassem as profundas transformações listadas no primeiro parágrafo deste texto, globalmente a indústria automotiva enfrentou três anos de pandemia, crise que trouxe inflação e escassez de insumos e componentes essenciais, como os semicondutores; depois a invasão da Ucrânia pela Rússia, gerando instabilida de na Europa e rupturas no fornecimento de petróleo, gás, energia e carvão para o continente, além de nova aceleração nos preços das matérias-primas; e, mais recentemente, a guerra de Israel contra o Hamas, que pode ser ampliada para toda a região e, numa eventual adesão do Irã, reduzir significativamente o crescimento global. É claro que estamos falando aqui de questões que vão além do setor automotivo. Mas que, por óbvio, impactam diretamente também os resultados da indústria do carro e seus componentes. A compreensão de toda esta conjuntura se faz necessária para entendermos melhor as ameaças apresentadas ao universo do automóvel pelo novo estudo Global Automotive Supplier Study 2023, da Roland Berger. O relatório amarrou de forma impecável o cenário que vem sendo construído para o setor – e sobre o qual vamos refletir até o final desta matéria.

Os especialistas da RB de cara já deixam claro: “desafiadora” é um mero eufemismo para descrever a conjuntura que os próximos anos reservam para indústria automotiva. O estudo analisa com grande virtude o que tanto montadoras como fornecedores de peças e sistemas terão de enfrentar a partir de agora. Afivele o cinto e siga com a gente nesta leitura, porque as turbulências serão grandes.

É melhor já ir se acostumando a um crescimento menor

O estudo da Roland Berger destaca que o setor automotivo vem retomando muito lentamente o crescimento a níveis mais estáveis. No entanto, adverte para a necessidade de revisar os padrões deste crescimento. Isso porque ele vem ocorrendo de forma bem mais modesta do que no período que antecedeu a pandemia da covid-19. E, segundo o relatório, Europa e América do Norte não retornarão àqueles resultados antes do final da presente década. “A pandemia destruiu uma década de crescimento na indústria automotiva”, decreta o estudo.

Mas a crise sanitária global já passou, não é mesmo? Verdade, mas o setor enfrenta problemas que não se resolvem com o fim da pandemia: escassez de mão de obra, forte pressão inflacionária, aumento nas taxas de juros e uma preocupante ameaça ao comércio decorrente de crescentes ideologias nacionalistas que emanam de países da Europa e de uma possível volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

Se tal conjuntura é ruim para as montadoras, não é menos preocupante para as indústrias de autopeças e sistemistas. A redução das compras por parte dos fabricantes de veículos – que produzem menos – compromete a rentabilidade dos fornecedores, que perdem escala e eficiencia, bem como a capacidade de investir em pesquisa e desenvolvimento, algo mandatório para dar conta das crescentes demandas tecnológicas trazidas pela transição do carro a combustão para o elétrico e a transformação digital. O estudo chama atenção ainda para a expansão de custos laborais decorrente dos aumentos salariais e pressões dos sindicatos. A soma destes e outros fatores reduziu estruturalmente, segundo o estudo, 3% do EBIT dos fornecedores (Earnings Before Interest and Taxes, em português Lucro Antes dos Juros e Tributos).

O relatório da RB diz textualmente: “O crescimento será impulsionado principalmente pelas novas tecnologias que cercam a transição dos motores de combustão interna para motores elétricos. E à medida que este crescimento gravita para o leste, a Europa e a América do Norte estão em perigo real de simplesmente perder relevância. Em particular, os fornecedores europeus que até agora realizam a grande maioria dos seus negócios no mercado interno precisam perceber que provavelmente nunca verão um retorno aos volumes de que desfrutavam no passado”. O crescimento gravita para o leste? Então é hora de mudar o tópico. Continue aí.

Fornecedores chineses ganham escala e ameaçam marcas tradicionais

O Partido Comunista responde pelo poder na China há 75 anos, mas a postura liberal na economia começou a ser implementada no final dos anos 1970. Desde então, o gigante asiático assumiu uma prática pragmática em boa medida capitalista, permitindo o renascimento do setor privado. O resultado temos visto com clareza extrema. A nação é hoje uma potência industrial, comercial e econômica. Mas tal transição não é o objeto deste texto, e tampouco da pesquisa realizada pela Roland Berger.

 Sigamos, então, direto às consequências. E são devastadoras para o ocidente tradicional. Importante, aqui, retomar de onde paramos no tópico anterior: o crescimento do setor automotivo se concentrará na Ásia.

Um dado muito importante para fabricantes de autopeças e sistemistas globalmente consagrados: por meio de incentivos governamentais, os fornecedores chineses vêm aumentando participação nas compras das montadoras locais que, por sua, vez vêm ganhando relevância cada vez maior nos mercados da Europa e Américas. O estudo da RB constata que, com isso, tem ocorrido a substituição dos fornecedores que ostentam as marcas que todos nós conhecemos muito bem.

Mas deixemos a conclusão para o relatório da Roland Berger: “Este quadro detalhado leva o estudo a algumas conclusões preocupantes para os fornecedores ocidentais tradicionais: com os novos intervenientes em ascensão nos mercados tradicionais e os fornecedores asiáticos alargando sua própria presença nacional, os fornecedores estabelecidos devem fazer bom uso dos seus pontos fortes restantes – escala e recursos financeiros, em muitos casos – para se reposicionarem e evitarem tornar-se irrelevantes para o desenvolvimento futuro de um mercado que continua a crescer”. Mais que uma provocação, um desafio posto.

 Bem, talvez tenhamos começado este tópico pelo final. Mas ainda é tempo de dizer que o bom momento dos fornecedores asiáticos não é resultado apenas dos incentivos governamentais. A China, em especial, caminha para o protagonismo global na exportação de veículos para os mercados mais tradicionais do planeta, com plena aceitação pelos consumidores. O país já é fenômeno no desenvolvimento e na produção de carros elétricos e híbridos de alta tecnologia, cada vez mais aceitos pelo público ocidental – basta ver o que está ocorrendo no Brasil. Marcas antes desconhecidas tendem a ganhar volume nas ruas, estabelecendo novos paradigmas para o setor automotivo em todo o mundo.

Aliás, o mercado interno da própria China pode ser uma referência para a consolidação deste marketshare. Diz o relatório: “Como as tecnologias tradicionais de motores de combustão continuam o seu declínio e os componentes mecânicos em geral deslizam ainda mais para comoditização, serão as tecnologias de software, eletrônicos e baterias que irão, principalmente, proporcionar crescimento. Os novos OEMs de veículos elétricos da Ásia serão a principal fonte de demanda. E com exceção da Tesla, cujo crescimento é literalmente fora do esperado, os OEMs chineses como a BYD são os únicos que atualmente alimentam o crescimento constante.

Criticamente, os tradicionais norte-americanos e os fornecedores europeus do segmento de grupos motopropulsores praticamente não têm hipóteses de participar deste crescimento em qualquer grau significativo se permanecerem com as suas carteiras existentes. É também importante notar que os OEMs chineses estão aumentando substancialmente sua participação no mercado interno.

Em 2024, espera-se que as montadoras locais, pela primeira vez, respondam por mais de 50% da produção de veículos na China. Mesmo no atraente segmento premium, que tem sido historicamente dominado por OEMs europeus, dois dos cinco modelos mais vendidos em 2022 já eram do fabricante chinês BYD”. Novos tempos, novos desafios, cada vez mais complexos e distuptivos. Mas o estudo da Roland Berger também diz: “Onde há crescimento, há oportunidades” e convida os gigantes automotivos tradicionais a “melhorar seu desempenho, migrar para a Ásia, adquirir os novos conjuntos de competências de que necessitam, estabelecer parcerias para escala (e competências) escolhendo criteriosamente o portfólio e o posicionamento que desejam ocupar”. Estará o mundo ocidental preparado para estas mudanças?


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