Claudio Milan
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A humanidade sempre foi curiosa e criativa. E por isso nunca parou de evoluir. Sem a invenção da roda ou a descoberta do fogo certamente não teríamos o mundo em que vivemos tal como é hoje.
Palestrante do Seminário da Reposição Automotiva 2021, o cientista, professor e empreendedor Silvio Meira não precisou voltar tanto no tempo para falar sobre inovação, um dos maiores desafios enfrentados hoje por empresários e gestores. Em sua apresentação, destacou que a onda de inovações veio logo depois do vapor e das ferrovias, no meio do século 19, passou por eletricidade e automóvel, eletrônica e aviação, softwares e computadores e, agora, temos a onda dos sistemas em rede. “A onda de software tornou a onda de eletrônica programável. Isso criou uma revolução longa de tecnologias de comunicação”.
A transformação levou a inovações como o smartphone que, na visão de Silvio Meira, tornou sem sentido perguntar quanto tempo uma pessoa passa na internet. “As pessoas passaram a fazer parte do ciclo de informação global 100% do tempo”.
Neste cenário veio a pandemia, com consequente confinamento, e as pessoas já estavam estruturadas para mudar os hábitos rapidamente. Por isso, o e-commerce dobrou sua participação em um ano, passando de 6% em 2019 para 11% 2020. “Foi uma ruptura. Uma mudança nos hábitos dos agentes no mercado, como fornecedores e consumidores. E no mundo inteiro aconteceu uma mágica no setor automotivo: o recorde em investimentos no negócio de automóveis usados. Esse é o campo de batalha atual do e-commerce”.
Mas é claro que a aceleração digital ocorreu em todos os setores – todos nós somos testemunhas desse fenômeno. “Isso criou uma tendência irreversível: sociedade, economia, mercados, empresas, startups, pessoas estradas, governos… todos numa transição que não é do físico para o digital, mas do físico para o próprio físico – só que um novo físico, habilitado, aumentado, estendido pelo digital. E os dois ambientes orquestrados no espaço social – o espaço das interações entre as pessoas e as organizações –, no tempo quase real de interação entre as pessoas, aquele menos de um minuto que se leva em média pra responder uma mensagem”.
Na visão do palestrante, isso resulta num espaço competitivo com três dimensões. “A física, que já estava aí há muito tempo; a digital, que passou a ser a porta de entrada mais comum para diversas ações realizadas no espaço ‘figital’; e a social, das interações entre as pessoas. O problema passou a ser sair de uma performance que era majoritariamente física para uma performance que tem de incluir as dimensões social e digital, além de articular o físico-digital-social no mesmo conjunto de experiências para o usuário final”.
Para Meira, este é um dos grandes desafios da década. Mesmo as empresas que têm forte presença nos ambientes digital e social terão de adentrar aos negócios no ambiente físico para competir em bases similares e no mesmo estágio em que estarão as organizações que antes eram preponderantemente físicas. E o palestrante apresentou um exemplo incontestável para respaldar o conceito: “A Amazon, que tem uma performance digital e social extremamente competente anunciou há menos de um mês o lançamento de lojas de rua para competir também no espaço figital ao invés de ficar só no digital e no social”. Para Silvio Meira, só existe um negócio possível. E ele é ‘figital’.
Automóvel está adiantado na configuração ‘figital’
A matéria-prima do Aftermarket Automotivo, o carro, já está bem encaminhada no ambiente ‘figital’. Mas a transição ainda não está completa. “Ele não é ‘figital’ ainda porque não está conectado mesmo – são poucos os carros conectados. Além disso, os automóveis não falam entre eles, não falam direito conosco e certamente falam muito pouco com a fábrica – a maioria só quando vai a uma oficina autorizada ou não autorizada para um teste com equipamentos digitais que estão normalmente offline. Mas, em algum momento vamos ver carros ‘figitais’, que terão dimensões física, social e digital e estarão em rede, com mecanismos de conexão, interações e relacionamento, construindo comunidades com tudo ao redor, inclusive nós”, previu Silvio Meira em sua apresentação.
O palestrante citou como evidência o lançamento, em maio deste ano, do Android Auto OS, sistema operacional Android para automóveis presente nos Polestar – a marca de esportivos híbridos e elétricos da Volvo. “Não é o sistema operacional do carro, é só um sistema operacional para dentro do carro, a cabine. Mas tem conexões para as partes ‘motrizes’, sistemas críticos do automóvel e, em breve, muito provavelmente vamos ver uma evolução para que seja o sistema operacional do automóvel como um todo”.
Outro exemplo citado pelo palestrante já é realidade em Phoenix, no Arizona (EUA), onde vans Chrysler Pacifica informatizadas pela divisão de autonomia da mobilidade do Google oferecem serviços de táxis completamente autônomos – o vídeo circulou bastante nas últimas semanas pelo WhatsApp.
Segundo prevê o especialista, em alguns anos as frotas de táxis das grandes cidades brasileiras serão autônomas, e por razões econômicas.
Mobilidade estará necessariamente relacionada aos aplicativos
A evolução tecnológica sustentada pela digitalização e comunicação em rede deve resultar na substituição do conceito de mobilidade pelo neologismo ‘mobilidapp’. E tal transformação terá impacto profundo no mercado de reposição automotiva.
Segundo Silvio Meira, isso começa já nesta década em algumas partes do mundo. “No lugar do carro, teremos aplicativos que chamam um carro. Vamos mudar completamente aquilo que chamamos de carro – vetores de mobilidade pessoal e provavelmente vetores de mobilidade pessoal autônoma em cidades conectadas, principalmente depois que a gente conectar mesmo as cidades”.
Não é difícil imaginar o tamanho da ruptura que essa transformação irá gerar. Por mais que imaginemos que uma revolução tão grande possa demorar a chegar ao Brasil, é fato que nossa inserção nesse novo mundo será inevitável.
Eis aí um imenso desafio para todas as empresas que operam em modelos consagrados de negócios. O que fazer? Para Silvio, melhorar o modelo de negócio do passado recente e usar facetas desse modelo para competir no futuro provavelmente seria uma solução ineficiente. “Temos que fazer um processo de transformação. Sair de um lugar onde a gente estava para o lugar aonde queremos ir. E este lugar não vem do passado. Ele vem do futuro”.
Este foi o primeiro dos três fatos que o palestrante deixou como mensagem final em sua apresentação no Seminário da Reposição Automotiva.
Três fatos para reflexão do mercado
1 – TRANSFORMAÇÃO VEM SEMPRE DO FUTURO
Só é possível trazer elementos do futuro com a presença de lideranças transformadoras. E, na avaliação de Silvio Meira, o que as lideranças precisam fazer agora é estender o presente. “Elevar a noção do que é o presente um pouco além do tempo atual. Esquecer o passado e descobrir no futuro hipóteses que possam ser testadas como possibilidades de novos presentes e que, se validadas em nossos experimentos de laboratórios sobre o futuro, sejam transformadas em performances. O que o presente de todos os negócios faz é executar passados. Teriam de se preocupar também em avaliar possíveis futuros de forma que eles se transformem em novos presentes. Em tempos de transformação, isso é fundamental”, diz Silvio Meira.
2 – TRANSFORMAÇÃO NÃO É SÓ VELOCIDADE
Não se pode confundir velocidade com agilidade. “Agilidade diz respeito a processos de tomada de decisão. Velocidade é a execução das decisões. Temos que tomar a decisão rapidamente e executar rapidamente também”.
Silvio Meira apresentou resultados de um estudo feito com mais de 10 mil projetos: quando o tempo para tomar as decisões é inferior a uma hora, a taxa de sucesso dos projetos que envolvem tecnologia é de 68%. Por outro lado, quando o tempo necessário para tomar a decisão é superior a cinco horas, a taxa de sucesso cai para 18%.
3 – PARA COMPETIR NAS REDES É PRECISO SER REDE DE INOVAÇÃO
“Não adianta fingir. Para competir em rede, temos que transformar a organização numa rede”, decretou Silvio Meira. “Temos que sair de controle para colaboração, criando plataformas abertas; temos que sair de otimização daquilo que fazemos para interação com os outros; e sair do valor para cada um para o valor para o ecossistema”.