Oferta de serviços variados agrega valor ao varejo tradicional -

Oferta de serviços variados agrega valor ao varejo tradicional

Nelson Barrizzelli afirma que alguns já avaliam prioritariamente os serviços oferecidos pela loja, enxergando seus produtos como complemento

Por Lucas Torres ([email protected])

O avanço da tecnologia afetou diversos aspectos de nossa sociedade dos quais talvez o maior deles seja a velocidade com que as coisas se modificam. O que era receita certa de sucesso ontem, hoje já não funciona mais.

Nessa conjuntura, é fundamental que empresários dos mais variados setores estejam dispostos a rever seus planejamentos estratégicos e modelos de negócio periodicamente. A máxima “em time que está ganhando não se mexe” já é para lá de obsoleta. Afinal, para ter sucesso hoje não basta reagir ao que o mercado e o consumidor indicam – é fundamental possuir a capacidade de antecipar as demandas.

Professor aposentado da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da USP e sócio da empresa de consultoria AGC International – com sedes nas cidades de São Paulo, Vancouver, Londres e Assunção –, Nelson Barrizzelli discutia, já em 2005, tais necessidades no livro “Lucratividade pela Inovação”.

Motivado por sua experiência na análise das mudanças de curso dos negócios no Brasil e no mundo, o Novo Varejo o convidou para discutir uma das principais tendências do varejo global: a adoção de um modelo híbrido de venda de produtos e oferta do serviço já aplicado.

Confira a seguir a entrevista exclusiva e saiba como mais essa faceta da ‘experiência do consumidor’ tem impactado os mais variados segmentos do varejo.

Novo Varejo – Especialistas têm apontado a tendência dos varejos também se tornarem empresas de serviços, em alguns casos até instalando os produtos que vendem em suas lojas. Essa tendência é real? Por que isso vem acontecendo?

Nelson Barrizzelli – O varejo por si só é um prestador de serviços. Ao oferecerem ao público locais de compra, seja no ambiente real ou no virtual, os varejistas estão dizendo aos seus públicos: “Venham à minha loja porque eu já fiz uma pesquisa e tenho um sortimento de produtos que atendem suas necessidades de compra”. Ora, essa mensagem “subliminar” informa que o varejista prestou um importante serviço aos seus prováveis clientes que não precisão procurar em vários locais os produtos desejados. Esta oferta ao preço que o consumidor pode pagar nada mais é do que prestação de serviços. Mas existem outras formas mais explícitas de prestação de serviços: produtos prontos para o uso ou ofertados para preparo rápido nos supermercados, a substituição dos açougues por carnes preparadas para rápido acabamento, as lojas de eletroeletrônicos ou de informática e computadores que oferecem venda, instalação e ajuda no uso, as lojas de móveis que fazem a montagem dos produtos vendidos etc.

NV – Com a experiência cada vez mais no centro das prioridades dos consumidores, essa questão do mix de varejo e serviço pode ser uma vantagem competitiva na hora de fidelizar o cliente?

NB – Sem nenhuma dúvida. O caso mais emblemático é o da Fast Shop. Esta empresa tem lojas em Shopping Centers frequentados por públicos de classe social B ou A. Esses canais não têm tido muito sucesso com esse tipo de loja. Pessoas de classe média alta ou de alta renda compram seus eletrodomésticos em lojas especializadas. A Fast Shop conseguiu ter um conjunto de clientes que preferem ser atendidos por ela em função dos serviços que ela oferece em complemento aos produtos que vende.

NV – Como essa tendência já tem se mostrado no cenário internacional? Existem referências lá fora que possam orientar os varejistas brasileiros a darem esse próximo passo a ponto de se tornarem mais do que apenas vendedores de produtos?

NB – Na Europa e na América Norte as empresas varejistas estão totalmente voltadas para o consumidor. Em abril tive uma experiência interessante no Canadá. Eu queria comprar um gril, mas não tinha tempo de ir até uma loja. Então fiz uma pesquisa na internet e encontrei uma loja que tinha o produto procurado. Enquanto eu olhava na tela do computador apareceu um splash perguntando em que local eu estava. Indicado o local, apareceu uma mensagem dizendo que eu podia fazer um pedido eletrônico e a mercadoria seria entregue em 24 horas ou ir até uma das suas lojas que ficava a 10 minutos de onde eu estava e eu poderia comprar o produto que se encontrava no corredor 32. Ao chegar à loja achei com muita facilidade o tal corredor, peguei o produto e passei no autocheckout. Fiz a compra que eu queria e não falei com ninguém. Quer mais serviço do que isto tanto mundo virtual como no real? É a junção mais inteligente que eu já vi dos dois mundos atualmente.

NV – Obviamente, existem diferenças entre administrar uma empresa exclusivamente focada em vender produtos e outra que alia o serviço à sua gama de ofertas. Nesse sentido, de que maneira o empresário pode se preparar para gerir, planejar o marketing e contratar pessoal a fim de realizar essa transição de modelo de maneira segura e eficiente?

NB – O que muda é a forma pela qual a empresa encara a sua missão de atender o cliente. Quem vende apenas produtos tangíveis, pensa em negociar bem, baixar o preço, expor, oferecer mix, etc. Quem pretende juntar o tangível com o intangível (serviços) precisa se preparar para isso entendendo o que o consumidor procura, se ele tem tempo para essa procura ou não, se ele sabe exatamente como utilizar o produto tangível que ele está comprando. É evidente que eu estou colocando tudo em um só “saco” como se os serviços fossem iguais em qualquer tipo de varejo. Na prática isso não acontece. O varejista precisa avaliar bem seu cliente e determinar até onde os serviços agregados aos produtos realmente produzem efeitos diferentes de compra.

NV – Falando especificamente do modelo de gestão do setor de serviços que será implementado, a empresa varejista deve incorporar esse ‘novo segmento’ dentro de sua organização ou os modelos de parcerias podem ser mais eficiente? Para exemplificar melhor a questão, pense em uma loja de autopeças que quer passar a instalar componentes de suspensão, freios e outros itens. Ela deve contratar mecânicos e instaladores treinados ou fazer parceria com uma automecânica ou centro automotivo já existente para que eles realizem esse trabalho?

NB – Depende muito da especialização necessária para a prestação do serviço. Qualquer pessoa com alguma orientação pode trocar uma bateria ou trocar pneus usados por novos etc. Já a montagem de móveis de cozinha fabricados sob medida necessita de técnicos especializados. O mesmo se dá com produtos eletrônicos, informática etc. Lojas de roupas, por exemplo, poderiam terceirizar os ajustes necessários em lojas no lugar de terem oficinas próprias de costura. Depende do tipo de serviços exigido, do tempo necessário para executá-lo e do nível de conhecimento específico desejado do prestador desse serviço.

NV – Você conhece empresas do mercado de autopeças que já realizam essa junção no mercado brasileiro, independente de seu porte ou nicho de atuação?

NB – As grandes lojas de autopeças como MercadoCar e Autozone são um bom exemplo da junção dos produtos tangíveis com os serviços.

NV – De acordo com o que vivenciou e presenciou durante seus anos de professor na FEA, você acredita que os administradores da nova geração enxergam o negócio de forma mais holística? Para eles, a fronteira entre varejo e serviços já tem sido vista de maneira mais fluida?

NB – Minha impressão é que a nova geração de administradores está enxergando o varejo tanto do mundo virtual, como do mundo real, pelo ângulo da junção de serviços às suas ofertas. Mas isso ainda não se desenvolveu muito. Por exemplo, para o consumidor brasileiro hoje, o sofrimento começa quando o produto que ele adquire precisa de assistência técnica, seja durante a garantia ou depois que ela termina. Se o consumidor comprou garantia estendida o sofrimento é muito maior porque, neste caso, ele precisa se entender com uma seguradora que não tem a mínima ideia a respeito do que o consumidor comprou. Quando eu discuto este problema os varejistas respondem que são intermediários entre o fabricante e o consumidor e o problema é do fabricante. Isso não tem sentido, porque o cliente comprou na loja e voltará a comprar se for atendido de forma “holística”.


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