Oficina Losacco completa 99 anos -

Oficina Losacco completa 99 anos

Felippo Losacco saiu de Bari, no sul da Itália, no final do século 19 para São Paulo onde montou, nos primeiros meses do ano de 1925, a então denominada F. N. Losacco Officina Mechanica.

Felippo Losacco veio de Bari, no sul da Itália, no final do século 19. Em São Paulo montou, nos primeiros meses do ano de 1925, uma oficina mecânica, a então denominada F. N. Losacco Officina Mechanica. A letra “F” era de Felippo e a letra “N” de Nicola, seu filho mais velho.

Este logo se interessou pelas corridas que eram disputadas na então quase deserta Av. Paulista, e nesse mesmo ano de 1925 começou a competir com um Hudson Super Six. Alguns anos depois o circuito foi alterado, correndo pela Av. Brasil e algumas ruas do já sofisticado Jardim América. Interessante notar que o carro tinha a placa “P.9843”, o endereço da oficina, pintado na lateral do carro, indicava o número “43” e o carro tinha o numeral “43”. Alguns parágrafos abaixo, vamos voltar a ver o “43” fazendo parte da vida da Família Losacco.

Outro filho de Felippo, Victor, foi mordido pelo vírus do automóvel e começou a ajudar o pai e o irmão mais velho nos afazeres da oficina. Nascido em seis de janeiro de 1914, logo teve seu interesse despertado mais pela mecânica do que pelas pistas. Na oficina da rua Ribeiro de Lima, 43, no bairro paulistano do Bom Retiro, iniciou sua carreira de projetista, construtor e preparador de carros de competição. Seu trabalho foi um dos mais importantes para o desenvolvimento do automobilismo brasileiro.

Tanto que o jornal Gazeta Esportiva publicou, em 31 de janeiro de 1957, matéria com o título “Victor Losacco é o homem que mais construiu carros para a Mecânica Nacional”, enaltecendo a enorme variedade de projetos e motores preparados por ele. No linguajar da época, Victor “envenenava” os motores…

Mais tarde, em 1938. a oficina mudou para um novo endereço, na rua Augusta, na região da Consolação. Mas durante a Segunda Guerra Mundial as restrições ao uso de gasolina levaram à utilização do gasogênio e logo Victor e Nicola criaram um sistema próprio, que vendiam e instalavam nos carros dos clientes, até que cessassem as restrições.

No ano de 1946 instalaram-se num prédio próprio, na rua 13 de Maio, 134, no bairro paulistano da Bela Vista, no coração do Bixiga (assim mesmo, grafado com “i”). Com o fim da guerra, ambos voltaram às competições e Nicola foi campeão paulista em 1948, na categoria 1.100 cm³, correndo com um Fiat Millecento preparado por ele e por Victor.

Na época, foram importados para o Brasil alguns modelos da marca inglesa Allard. Em 1951 Victor recebeu na oficina o Allard J2, um roadster inglês de rodas descobertas, que utilizava tradicionalmente grandes motores V8 norte-americanos. Esse que Victor preparou tinha motor Ford V8 na sua primeira corrida, quando foi pilotado por Ciro Cayres. Logo o preparador trocou o motor por um Cadillac V8 com pistões especais que ele mesmo produziu. O carro, atualmente nas mãos de um colecionador, exibe a plaqueta que Victor Losacco colocava nos veículos que preparava.

No final de 1953, Victor e Nicola fizeram uma nova carenagem para um outro modelo do Allard, modificando a aparência do carro original, que tinha grandes paralamas na dianteira, em busca de melhor aerodinâmica. Esse carro modificado estreou em 1954, com Ciro Cayres, no “GP IV Centenário de São Paulo”. Em 1956 o piloto Aguinaldo de Góes Filho comprou o carro e obteve a primeira vitória de sua carreira, mostrando o acerto e a qualidade do trabalho de Victor Losacco.

Anteriormente, em 1955, Victor projetou e construiu um carro para a categoria Mecânica Nacional. Tinha chassi tubular, suspensão dianteira independente e motor Oldsmobile V8 Rocket (que no Brasil virou “motor Roquete”). Ciro Cayres estreou o carro em 1956 e Alfredo Santilli interessou-se pelo veículo, que logo mudou de mãos no mesmo ano.

Em 1957 Victor montou um Ferrari-Corvette V8 para Ciro Cayres competir na Mecânica Nacional, na temporada que se iniciava. Com esse bólido Ciro marcou 3min37s para a volta no circuito completo de Interlagos e 1min11s para o anel externo. Apenas em 1967 o Fitti-Porsche de Emerson Fittipaldi conseguiu superar o tempo, com 3min31,8s, na classificação para as “Mil Milhas Brasileiras”.

Ainda em 1957 foi construída a carretera de José Gimenez Lopes, que tinha o numeral 82, que foi pilotada por Gimenez e Chico Landi nas “Mil Milhas Brasileiras”. Nesse profícuo ano também saíram da oficina o Maserati-Corvette V8 de Luiz Américo Margarido, para a categoria Mecânica Nacional, e a carretera de Margarido, que teve o motor Chevrolet de seis cilindros em linha, original dos caminhões da marca, trocado por um Chevrolet Corvette V8, além de receber diversos acertos para aproveitar melhor o desempenho do novo motor. Em 1959 essa carretera foi inteiramente reformada por Victor.

As tradicionais corridas de carreteras – “estradas” para os argentinos – começaram por lá no final dos anos 1930. O nome original era Turismo Carretera. No Brasil foram montadas dezenas delas, principalmente no Rio Grande do Sul.

Em 1960 Victor preparou o Maserati-Lancia V6 de Alcindo Ribeiro de Barros, que em 1964 foi negociado com o primo de Alcindo, o também piloto Ricardo Rodrigues de Moraes. Este correu por mais um longo tempo com o veículo, mostrando a resistência e a durabilidade do projeto.

Mas no começo dos anos 1960 o destino começava a escrever suas linhas tortas e implacáveis quando Santilli, que pilotou o primeiro carro construído por Victor Losacco, entre 1956 e 1960, o vendeu para Jaime Guerra. Era exatamente aquele primeiro Mecânica Nacional saído da oficina, que Victor desenvolveu em 1955, agora pilotado por Guerra.

Durante os “500 Quilômetros de Interlagos”, em sete de setembro de 1961, Guerra entrou rápido nos boxes e aconteceu o trágico acidente, atropelando Victor Losacco e José Gimenez Lopes. Victor, que dava apoio ao carro de Roberto Gallucci, faleceu e Gimenez sofreu sérios ferimentos nas pernas. Mais uma vez o destino aprontava das suas pela segunda vez no mesmo dia: o carro de Gallucci era o mesmo Maserati-Corvette V8 que pertencia a Luiz Américo Margarido, que Victor havia preparado em 1957…

Em 25 de fevereiro de 1962 foi realizado em Interlagos o Prêmio Victor Losacco – Festival de Marcas, em justa e bela homenagem ao construtor. O vencedor foi o DKW-Vemag de Mário Cesar de Camargo Filho, o “Marinho”, com Bird Clemente em segundo lugar, pilotando outro carro igual, os icônicos DKW brancos com numerais 10 e 11 da equipe oficial Vemag.

Um pouco antes, em 1960, havia acontecido a transformação da oficina de carros de competição da rua 13 de Maio em revenda autorizada DKW-Vemag (Veículos e Máquinas Agrícolas), que fabricava sob licença da alemã Auto Union os DKW. Em 1967 a Volkswagen comprou a operação DKW da empresa, encerrando sua produção.

No começo de 1961, Victor vendeu a concessão da Vemag, pois as corridas e os projetos de carros de competição estavam no sangue dele e voltou a trabalhar com esses veículos. Na época ele já estava construindo uma nova oficina, em Pinheiros, na rua Alves Guimarães, 434, em substituição ao prédio no Bixiga. Notar que o número “43” também estava na história da Oficina, “434”.

Mas Victor não chegou a ver a obra da sua nova oficina concluída. De vez em quando esse tal “destino” cria situações inesperadas, como relatado alguns parágrafos acima…

Anos depois, essa casa abrigou a oficina de Vinícius, entre 1968 e 2010, quando um longo trecho da rua foi incorporado para a construção de condomínios residenciais. A Oficina Losacco passou então para o bairro do Butantã, na rua Pereira do Lago, 454, onde permanece.

Voltando no tempo, em 1942 Victor casou-se com Felícia, e tiveram dois filhos, Felipe e Vinícius. Como já citado acima, Vinícius também seguiu os passos da família e estreou em Interlagos, no Festival do Ronco, em 1968. Logo em seguida cursou Engenharia Automobilística na FEI, a famosa Faculdade de Engenharia Industrial, em São Bernardo do Campo, SP, no conhecido ABC, berço da indústria automobilística no Brasil.

Participou de provas até o começo dos anos 1980, mas a quantidade de carros de competição para preparar, somada aos clientes com veículos de rua que buscavam melhor desempenho, levou-o a se dedicar exclusivamente à sua Oficina Losacco. Em 1990 Vinícius esteve na Maserati, em Bolonha, na Itália, para fazer um curso de aperfeiçoamento na manutenção dos carros da marca.

Um dos filhos de Vinícius também seguiu no automobilismo de competição. Giuliano Losacco, quarta geração dos Losacco, tem um longo currículo de vitórias e títulos, como por exemplo o bicampeonato da Stock Car em 2004 e 2005 e a vitória nas “Mil Milhas Brasileiras” em 2005.

Atualmente Vinícius continua com os serviços de manutenção para veículos de todas as épocas. Não raro lá estão parados, lado a lado, um esportivo de última safra e um clássico dos anos 1950, por exemplo. Seu irmão Felipe responde pela parte eletrônica dos veículos desde 1993, tanto na manutenção de rotina quanto na preparação eletrônica. Desde 1998 a Oficina Losacco tornou-se representante da inglesa SuperChips.

Com tantos anos de atividade, as recordações são muitas, como por exemplo, quando Vinícius perguntou ao pai por que ele guardava rolhas de garrafa num pote de vidro, mergulhadas em óleo de rícino. Victor explicou que era material para usar nos discos de embreagem dos carros.

Dentre as muitas outras recordações, uma Vinícius destaca: “Durante 44 anos minha mãe cuidou da parte burocrática da Oficina, para que eu me dedicasse integralmente às competições e aos carros dos clientes, mas desde 2018 Felipe e eu tivemos que assumir também essa tarefa”.

Cabe aqui meu depoimento pessoal: “Por quase 30 anos tive o prazer de conversar com Dona Felícia, e presenciei incontáveis vezes como todos os clientes faziam questão de ir até a recepção da Oficina para cumprimentar e receber uns bons minutos de atenção da Dona Felícia, que conhecia pelo nome todos os muitos frequentadores. Era uma figura carismática, sempre sorridente e alegre, muito querida por todos nós”.

Na região de Interlagos, próxima ao Autódromo José Carlos Pace e ao Kartódromo Ayrton Senna, várias ruas homenageiam os ídolos do automobilismo. Duas delas são as ruas Victor Losacco e Nicola Losacco, próximas às ruas Celso Lara Barberis, avenida José Carlos Pace, praça Enzo Ferrari, rua Ricardo Moretti, entre outros nomes tão justamente eternizados. Essa é a história do sobrenome Losacco, em vias de completar um século de presença nas pistas e nas ruas do País.


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