Na reportagem especial de sua última edição de 2024, o Novo Varejo destacou o descolamento entre índices importantes da economia nacional e questões relacionadas à percepção e confiança do mercado, como as movimentações da bolsa de valores e o cenário cambial.
Apesar de todo ano novo surgir no nosso imaginário como uma página em branco, as incertezas geradas pela fotografia de momento e a projeção futura fazem com que 2025 se inicie imerso em uma das principais pautas econômicas do país e, pior que isso, com a tendência de afetar de maneira cada vez mais concreta a realidade das empresas e da população.
Segundo o economista e analista macroeconômico Jason Vieira, o desequilíbrio fiscal gerado pela condução da equipe econômica do Governo é responsável, diz ele, por acentuar um movimento de inflação no ano passado, que deve seguir exigindo respostas do Banco Central quanto à política de juros.
Neste contexto, em que se projeta uma Selic na casa dos 15% já ao final do 1º trimestre, setores como o varejo e a indústria tendem a ver acentuados os prejuízos causa – dos por um aumento substancial no custo de crédito e financiamento, algo que não só impacta o poder de compra da população, reduzindo o consumo, como também a capacidade de investimento e produção das empresas. Para além da análise, a entre – vista de profundidade concedida com exclusividade por Vieira à nossa reportagem também traz dicas aos empresários sobre como minimizar os impactos de uma conjuntura econômica desafiadora. Confira a seguir a íntegra da conversa.
Novo Varejo – Em 2024, tivemos um descolamento entre o desempenho positivo de índices como o PIB, a taxa de desemprego e a performance do varejo em relação à percepção negativa do mercado financeiro sobre a economia. A que você atribui esse quadro?
Jason Vieira – Bom, a questão do Brasil, na verdade, é um desenho das expectativas em relação ao futuro da economia e o movimento atual. Nós tivemos em 2024 uma alta bastante expressiva de alguns indicadores de atividade, mas houve um investimento parafiscal grande. O Brasil teve a sétima maior injeção fiscal do mundo em 2024 e isso obviamente ajudou. Mas, ao mesmo tempo, a gente sabe o preço que isso cobra, daí vêm as preocupações do mercado. É por isso que houve um descolamento dessa percepção.
Novo Varejo – Então, no fim das contas, o mercado percebeu esse desempenho positivo como um movimento artificial, certo?
Jason Vieira – Exatamente. Sabe-se que há uma artificialidade nesse crescimento econômico e que essa artificialidade pode trazer um custo muito elevado, traduzido como inflação, como tem acontecido, inclusive, dada a falta de comprometimento fiscal do governo.
Novo Varejo – Você acredita que este cenário deve começar a impactar negativamente a capacidade da economia seguir performando nesses indicadores que vinham positivos no ano passado?
Jason Vieira – Acho que um dos maiores problemas, vamos dizer assim, que nós vemos para esse ano é que essa insistência do governo nesse não fiscalismo está levando a juros muito elevado e esses juros estão criando barreiras para a continuidade do crescimento econômico. Está criando barreiras importantes para que esse crescimento econômico consiga se manter constante para 2025.
Novo Varejo – Considerando que o Copom já sinalizou que deve seguir aumentando de maneira significativa a taxa de juros, quais consequências você destacaria caso a Selic atinja, por exemplo, a casa dos 15% ao ano?
Jason Vieira – Pensando na Selic a 15% ou mais, é aquela história de sempre. Você vai começar a ver prejuízos em setores importantes que dependem muito de crédito e, consequentemente, uma grande perda de força da atividade econômica. E não falo isso só de setores como o varejo, que se utiliza bastante de modais de crédito como cartões e financiamentos, mas também no âmbito da produção o que, aliás, talvez seja o lugar em que os maiores problemas são gerados.
Novo Varejo – No fim de 2024, o Brasil recorreu às suas reservas de dólar para conter o avanço da valorização da moeda americana. Quais impactos estas medidas podem ter sobre a economia e a saúde fiscal do país caso tenham de ser repetidas ao longo deste ano?
Jason Vieira – Essa questão da utilização de reservas não é um problema, pois a reserva está aí para isso mesmo e ela não tem impacto fiscal. O maior impacto da saúde fiscal do Brasil, para mim, tem sido o não cumprimento de metas. Temos visto, por exemplo, um movimento de remanejamento de gastos e não sinalizações de cortes efetivos. Este é um ponto importante que precisamos ver como solucionar.
Novo Varejo – Ainda sobre o câmbio, como você acredita que ele irá impactar setores que possuem forte ligação com as importações, caso das autopeças?
Jason Vieira – Obviamente, o setor de importados já sofreu, segue sofrendo e seguirá sofrendo com os impactos da inflação. Isso porque, além de termos um dólar acima de R$ 6,00 ele está volátil – cenário que produz volatilidade (e, portanto, ausência de previsibilidade) cada vez mais constante no mercado.
Novo Varejo – Diante de todo este cenário que discutimos, quais cuidados você indicaria para os empresários brasileiros em 2025, principalmente quando falamos dos varejistas?
Jason Vieira – Quadros como o atual exigem sempre que os varejistas busquem evitar estoques, digamos assim, de produtos que têm sofrido um impacto cambial muito grande – o que às vezes é muito difícil, porque nós somos uma economia fechada que depende de importações. Outro ponto é o fato de o setor de varejo precisar se adequar às questões da mudança do cenário de crédito, algo que, como eu disse, considero muito relevante. Óbvio, a digitalização da economia e esse processo de vendas online, que tem custos tributários e logísticos menores, é uma solução que muitas vezes pode ajudar bastante. Penso que o setor pode se aproveitar disso, muitas vezes tendo a loja física, mas trabalhando sempre os pedidos via lojas online, algo que acaba reduzindo os custos de maneira significativa.
Novo Varejo – Em uma escala de 0 a 10, como você classificaria o ‘grau de desafio’ imposto pela conjuntura econômica brasileira ao empresariado e à população em 2025?
Jason Vieira – Eu atribuiria aí uma nota 7. De 7 a 8, vai, em termos de desafios desfavoráveis para esse ano.