Para economista, oposição entre saúde e economia no combate à pandemia é falso dilema -

Para economista, oposição entre saúde e economia no combate à pandemia é falso dilema

“Não existe economia sem saúde e não existe saúde sem economia”, afirma Fábio Pina, assessor econômico da Fecomercio-SP
Assessores Fecomercio
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Lucas Torres

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Desde a chegada da pandemia do novo coronavírus no país, há cerca de um ano, temos observado um debate binário protagonizado por governantes que insistiram (e ainda insistem) em estabelecer uma relação de oposição políticas públicas voltadas às questões sanitárias e aquelas mais ligadas à área econômica.

Este cenário tende nos levar a presumir que, inevitavelmente, é preciso fazer uma escolha: ou se a preserva vidas com foco no distanciamento social ou se mantém o fluxo normal de pessoas nas ruas – ainda que isso custe algumas (muitas?) vidas adicionais em razão do maior número de cidadãos expostos ao risco do contágio.

Intrigada pelas nuances que essa simplificação dicotômica pode estar ocultando, nossa reportagem convidou o assessor econômico da Fecomercio-SP, Fábio Pina, para uma conversa sobre possíveis ações capazes de contribuir em ambas as frentes.

A pauta é mais do que oportuna. Com o sistema de saúde em todo o país muito próximo do colapso, vários estados anunciaram aperto nas restrições de circulação e funcionamento de diversos setores, incluindo alguns comércios. Como consequência, o debate sobre os impactos do fechamento das empresas na manutenção dos empregos voltou com força total, levando a um novo acirramento entre as correntes ideológicas que hoje contaminam as discussões no país.

Contrariando o debate simplista travado nas esferas governamentais – sobretudo na cúpula do poder executivo do Governo Federal –, o economista destacou a complementariedade das duas pautas.

Segundo Pina, os inegáveis prejuízos imediatos causados na atividade econômica por parte das medidas restritivas seriam suplantados no médio e longo prazo caso conseguíssemos abreviar a duração da crise sanitária no país a partir da adoção de medidas de distanciamento. “Não existe economia sem saúde e não existe saúde sem economia (…) O problema é que já faz um ano que o país atravessa a pandemia e as medidas ficaram todas no meio do caminho, sem gerar o efeito desejável no combate à pandemia e, ao mesmo tempo, sem possibilitar um ambiente de negócios normalizado”, refletiu Pina.

Além da missão de oferecer sua teoria para solucionar este dilema, convidamos o assessor da Fecomercio-SP a projetar os próximos passos da nossa economia em um cenário otimista de imunização da população até o fim de 2021 – passos estes que estarão estreitamente atrelados ao processo eleitoral que deverá ocupar o centro da agenda pública já no primeiro semestre do próximo ano.

Novo Varejo – Desde o início da pandemia temos visto a questão econômica tratada de maneira antagônica em relação ao combate sanitário do vírus por meio de restrições à circulação de pessoas. Você também vê os dois ‘lados’ como opostos ou um acaba conversando com o outro?

Fábio Pina – De forma alguma. A FecomercioSP, desde o começo da pandemia, entende que os assuntos são complementares e não excludentes. Mais do que isso, não existe economia sem saúde e não existe saúde sem economia. É um falso dilema. Mais interessante é notar que de uma forma ou de outra o Poder Público tratou dos dois temas, mas de maneira descoordenada, o que maximizou custos e minimizou efeitos. De um lado medidas de auxílio e resgate de empresas e, de outro, iniciativas sanitárias e de restrição foram adotadas. Como não foram adotadas de forma coordenada e em parceria, por muitos momentos os temas se chocaram como se fossem antagônicos, mas não são.

NV – Pensando estritamente sob o ponto de vista econômico, existem dados ou projeções que possam medir os impactos da adoção ou não de medidas que restrinjam a mobilidade da população? Existe uma relação direta entre o aumento do isolamento e a diminuição da atividade econômica?

FP – Os impactos são, evidentemente, negativos contabilmente: queda de vendas e de movimentação na economia. Mais isolamento, menos atividade econômica, isso os exemplos mostram. Porém há um trade off entre o isolamento e a redução da transmissão. Quanto mais rápido for debelada a pandemia, mais rápido a retomada da economia virá. Ou seja, se no curto prazo um isolamento mais forte traria efeitos econômicos mais profundos, é possível que ao longo do tempo os efeitos totais fossem minimizados pelo controle mais rápido e efetivo da doença. O problema é que já faz um ano que o país atravessa a pandemia e as medidas ficaram todas no meio do caminho, sem gerar o efeito desejável e ao mesmo tempo sem possibilitar um ambiente de negócios normalizado. Depois de um ano da falta de coordenação adequada entre os poderes em vários aspectos, a saúde das empresas está totalmente comprometida – e a das pessoas também.

NV – Vou fazer o exercício de perguntar de maneira direta. Na sua visão, o lockdown prejudica ou preserva a economia?

FP – Depende de como for implementado, e do comportamento da população, ou seja, não poderia ser um lockdown “fake”, com festas, e clandestinidade funcionando. Não é simples fazer essa conta, mas certamente medidas restritivas duras no começo da pandemia tenderiam a ser mais eficientes e menos custosas. Nesse momento, a decisão do gestor público se tornou um dilema ainda maior justamente pela falta de ações coordenadas em todos os sentidos, desde auxílios financeiros, medidas de resgate de empresas a restrições e investimento em UTIs, vacinas, entre outras.

NV – Observamos uma recuperação considerável da economia brasileira no segundo semestre de 2020, após uma queda substancial nos primeiros meses da pandemia. Você atribui esta recuperação mais ao auxílio emergencial e o consequente aquecimento do consumo ou, de novo, à diminuição das ‘amarras’ das medidas de distanciamento social?

FP – O auxílio emergencial foi de grande importância sim. Claro que também, quando as curvas de contaminação pareciam estar sendo achatadas e controladas, a atividade reagiu bem. O problema é que aparentemente houve um relaxamento muito grande tanto dos governantes quanto das pessoas que “abusaram” e com isso jogaram um grande período de esforços fora. Não é exatamente uma tarefa fácil controlar tantas variáveis, ainda mais em um ambiente conflagrado pela animosidade política. 

NV – Diversos países têm mostrado uma redução substancial dos casos de covid-19 conforme avança a vacinação. Caso observemos se repetir este cenário aqui no país, você acredita que o início de uma recuperação econômica será rápido? Como essa dinâmica tem se dado nos países que já experimentam um arrefecimento da pandemia?

FP – Quando o país mostrar que pode avançar rapidamente com a vacinação, a sinalização será excelente, mesmo antes dos efeitos práticos. Claramente é a imunização que tem o poder de recobrar a normalidade da economia e do comportamento social.

NV – Tivemos uma desvalorização cambial forte durante a pandemia. A que você atribui essa queda? O fim da pandemia, por si só, tende a normalizar a relação do real com as outras moedas ou mais variáveis serão determinantes?

FP – O câmbio é causa e não consequência. O ano de 2020 foi muito desafiador e esse desafio permanece. O Governo teve de gastar bilhões de reais para manter um mínimo de conforto às pessoas e empresas e isso fragilizou ainda mais as contas públicas. Como a pandemia e seus efeitos se recrudesceram recentemente, era esperado que a moeda brasileira mostrasse, por meio da taxa de câmbio, as fragilidades de toda a nossa economia, ainda mais após um evento tão traumático como esse. Prever se o dólar voltará ao patamar anterior ou não é uma tarefa difícil de cumprir, mas provavelmente não voltará aos patamares anteriores à crise da Covid-19. Pode ser que a moeda brasileira se valorize em relação ao patamar atual, mas isso depende da gestão de reformas e das políticas macroeconômicas, o que também não é tarefa simples.

NV – Historicamente, incerteza eleitoral no âmbito federal tende a trazer instabilidade para a economia brasileira. Dado que a pandemia deve se arrastar, no mínimo, até o segundo semestre de 2021, o fato de, logo depois, iniciarmos uma espécie de contagem regressiva para as eleições gerais poderá prejudicar a retomada da economia?

FP – Infelizmente o calendário eleitoral do país ainda influencia muito a economia pela incerteza que gera, dado que ainda vivemos sob um presidencialismo que acumula muito poder nas mãos do Executivo e um Legislativo muito fragmentado em dezenas de partidos. E a mudança de um presidente pode significar uma mudança institucional grande, maior do que em regimes parlamentaristas ou em presidencialismos mais estáveis com nos Estados Unidos. Também é verdade que a cada dois anos o país atravessa períodos eleitorais devido ao descasamento das eleições de prefeitos e vereadores com as outras, o que mobiliza a atenção dos políticos para esses processos a todo momento, tirando a atenção das tarefas mais importantes de gerir o país (por parte do Executivo) e de modernizar a legislação e o ambiente de negócios (por parte do Legislativo). O ano de 2022 promete ser mais um ano de grandes desafios pois começará após um longo período de crise pandêmica, que se converteu em crise econômica e com a corrida eleitoral já deflagrada. O ambiente institucional no país é muito volátil, o que não ajuda.

NV – Uma questão que, suponho, deva ser crucial para uma retomada sustentável e real da economia brasileira é a do emprego. Tivemos muitos postos cortados durante a pandemia e hoje temos mais de 14 milhões de desempregados. Você vê o fim da pandemia como solução robusta para a retomada desses postos ou a intensificação da digitalização da economia durante este período pode acabar por dar fim definitivo a algumas dessas vagas – sobretudo no varejo?

FP – Pode acabar com muitas vagas e criar muitas mais. Pela lógica de que a digitalização só destrói empregos, Japão, Estados Unidos e Coréia do Sul deveriam ter as maiores taxas de desemprego do mundo. O problema no Brasil é outro: a formação do capital humano deficiente e arcaica. Se por um lado o varejo e outros setores (muito mais verdade para a indústria que é capital intensivo) fecham postos em troca da digitalização da economia, por outro faltam engenheiros e tecnólogos aos milhares no mercado de trabalho. O país precisa urgentemente cuidar da formação adequada de seu capital humano, em especial do setor de comércio, serviços e turismo. Mesmo com excelentes instituições fazendo uma parcela desse trabalho, o objetivo final não poderá ser atingido sem uma grande mudança no sistema de ensino público, talvez até em parcerias com quem conhece de formação de capital humano. 


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