Para PhD em Psicologia do Consumo, varejo ainda está longe de contemplar demandas por experiência do cliente -

Para PhD em Psicologia do Consumo, varejo ainda está longe de contemplar demandas por experiência do cliente

Juliana Cândido Custódio critica visão limitada dos gestores que reduzem o tema a questões como tecnologia e atendimento

Quem é do varejo, sabe: quanto mais competitivo é um mercado, mais difícil se torna criar uma carteira de clientes fiéis e, ao mesmo tempo, vender com margens sustentáveis. Parte deste problema vem da digitalização dos processos e das relações que, por consequência, diminuiu as distâncias geográficas e relacionais entre varejo, indústria e distribuidores, praticamente eliminando a possibilidade de se diferenciar pela qualidade do produto em si.

De olho na intensificação deste cenário, um número cada vez maior de especialistas têm se dedicado a estudar o impacto da experiência do cliente no sucesso de empresas dos setores de varejo e serviços. Mas, afinal, será que o mercado sabe realmente o que significa este conceito? Na opinião da pós-doutora em Psicologia do Consumo, Juliana Cândido Custódio, a resposta é ‘mais ou menos’. A especialista, criadora do curso de ‘Estratégia & Gestão da Experiência do Cliente’ da escola de negócios da PUC-RJ, aponta que as empresas brasileiras ainda têm dificuldade de enxergar a questão da experiência de maneira holística e completa, olhando-a apenas para áreas específicas como o atendimento e a adoção de tecnologias. Em entrevista exclusiva para o NovoVarejo Automotivo, Cândido, que também é fundadora da Happy Track, startup que tem o objetivo de transformar empresas em ‘negócios de experiências’, aponta que esse olhar limitado não apenas é insuficiente como, quando usado fora de contexto, pode até mesmo prejudicar a experiência do público. “Um exemplo que gosto de dar vem de quando eu atingi um va rejo que possuía algumas lojas com um público mais da tercei – ra idade. A gente não podia, por exemplo, ter uma digitalização no processo de atendimento e relacionamento muito grande, como a gente tem para jovens”, comentou a especialista. Leia a seguir este e outros pontos abordados nesta entrevista de profundidade.

Novo Varejo Automotivo – Conceitualmente, no que consiste a ‘experiência do cliente’?

Juliana Cândido Custódio – A experiência do cliente é, na verdade, um conceito que nasceu já há muitos anos. Ele não é tão novo assim, como muitas vezes o mercado prega. Ele vem junto com os primeiros estudos de qualidade percebida, porque envolve muito essa questão da percepção do cliente e, principalmente, das emoções vivenciadas por ele durante um contato para compra ou durante um processo de compra de fato. Então, diz respeito à vivência do cliente durante toda a jornada, contemplando esse processo de decisão de compra no qual irão aflorar algumas emoções, tanto positivas quanto negativas, durante a interação com a empresa. Existe, porém, uma diferença entre esse conceito mais amplo e a gestão da experiência do cliente. Esta última diz respeito ao que a empresa faz em termos de estímulos para gerenciar de fato essa percepção de qualidade do relacionamento.

NVA – Por que este tema ganhou tanta relevância nos últimos anos?

JCC – A experiência do cliente começou a ganhar mais peso aqui no Brasil e no mundo inteiro. Sabe por quê? Porque a capacidade de diferenciação de fato das empresas em termos de entregas e serviço está cada vez mais difícil. No ambiente competitivo, quando a gente tem ali como base de diferenciais uma baixa capacidade de fato para distinguir a partir de características relacionadas a produto ou serviço, a forma como as empresas se relacionam se torna muito importante. O consumidor tem muita opção para comparar, para ele ver qual é melhor de fato, que agrada mais, o que vai atrair mais e satisfazê-lo melhor, enfim. E quanto mais aumenta essa oferta, mais aumenta a exigência tanto em relação à qualidade da entrega quanto do relacionamento. Se pensarmos nas compras de hoje, vemos que elas são menos baseadas só em necessidades pontuais. A gente ainda tem, claro, compras de baixo valor – uma coisinha ali, outra aqui, que são necessidades básicas, mas mesmo estas estão muito mais baseadas numa troca de valor de fato. Aquela pitada no dia da pessoa faz toda a diferença, é uma interação que agrega algo para além do produto e do serviço.

NVA – Qual a importância da preparação técnica do vendedor nessa equação?

JCC – Primeiro eu acho importante dizer que não podemos focar apenas no vendedor quando a gente fala de experiência do cliente, pois ele é a ponta do atendimento. Ou seja, quando o cliente chega nesse contato final, ele já foi influenciado por diversos outros estímulos da empresa que fizeram parte de sua jornada e que também compõem a sua experiência. Mas, realmente, o vendedor é muito importante nesse processo porque ele possui a capacidade de humanizar a relação. Temos a marca, a comunicação, a reputação da empresa e tudo o que ela prometeu. O vendedor é aquele que vai validar tudo isso, atuando como uma espécie de personificação da marca, humanizando-a. Ele precisa, então, saber se relacionar e se colocar na posição do cliente, entendendo o seu contexto. Por exemplo, vamos imaginar a compra de um carro para a família. É preciso entender a forma em que a família chega ali no momento de uma negociação, seu contexto, motivação e etc. É preciso saber se colocar ao lado do cliente e atuar como um auxiliar no processo de decisão. Nesse contexto, é importante, portanto, que o vendedor não tenha só técnica e não apenas conheça o produto a fundo, mas que ele conheça muito do universo do cliente.

NVA – Quando se fala de ‘experiência do consumidor’, em geral, se fala de ‘encantamento’. Como este elemento se apresenta nos nichos de varejo onde a compra se dá mais pelo lado da necessidade do que pelo desejo, como é o caso do varejo de autopeças?

JCC – Esse é um ponto bem perigoso, né? Eu vejo muitos consultores falarem sobre o ‘momento wow’, mas isso é algo a ser avaliado com cuidado. Temos de ver sempre os dois lados, o lado do cliente e o lado da empresa. No lado do primeiro, esse encantamento nada mais é do que ofertar qualquer coisa a mais do que é o esperado pelo cliente. Por exemplo, no caso de um serviço mecânico, muitas vezes o cliente procura por um reparo ou uma revisão. O que para ele é o normal desse serviço? Apenas o reparo que ele está buscando… Mas ele pode, por exemplo, ter um atendimento diferenciado, aquele momento do cafezinho ou que a empresa ofereça um transporte para que ele possa se locomover depois de deixar o carro no local. Essas são pequenas coisas que causam esse ‘wow’, esse encantamento. Mas aí você me pergunta, por que eu falei que a gente tem que pensar do lado do cliente e do lado da empresa? A questão é que o encantamento é algo inesperado. Acontece, então, que para criar esse efeito da surpresa, esse efeito do encantamento, esse estímulo não pode ser conhecido. E a partir do momento em que ele é conhecido, ele já vai ser esperado para a próxima vez. Então, por exemplo, lá no caso de uma mecânica. O serviço ofertado anteriormente, já não vai causar encantamento e é aí que começa a pesar para a empresa, pois ela precisa buscar pelo encantamento contínuo. Fica uma bola de neve ali em termos de custo, né? Por isso, eu prefiro que a empresa deixe um processo muito redondinho, com uma questão de atenção aos detalhes daquela jornada. Não é sobre pirotecnia. Os mecânicos, por exemplo, podem fazer o isolamento de componentes para não sujar, colocando capa nos bancos, depois limpando o automóvel. Esses são detalhes de processo que encantam de uma maneira sustentável. Empresas centradas no cliente não pensam só em encantar, mas sim em servir excelência sempre.

NVA – Como você tem visto o desenvolvimento do varejo brasileiro no âmbito da experiência do consumidor? Quais segmentos e portes de empresa estão, digamos, mais ‘avançados’ na pauta?

JCC – Olha, eu vou ser bem sincera. As coisas parecem que estão avançando, porque está se falando muito sobre… Mas ainda tem muito, mas muito a se trabalhar e melhorar. Principalmente do lado das empresas. O varejo está progredindo e tem alguns que estão bem avançados. Outros, porém, ainda têm tido bastante dificuldade. O consumidor, por sua vez, repara pouco, mas em termos de operação é possível sentir bastante. Quando falamos de serviço, nossas empresas têm muito a melhorar. Principalmente porque no Brasil existe uma divisão e uma hierarquização muito grande dentro das companhias, que acaba dificultando muito a fluidez da comunicação. Somado a isso, temos problema de comunicação interna, que dificulta e gera muita confusão na hora de falar, explicar e até mesmo prestar um serviço, prejudicando o atendimento e o relacionamento com o cliente. E que não é só isso. Envolve como a empresa se projeta, de fato, desde a criação da proposta de valor, passando pela forma como ela se sustenta através da comunicação, até depois, a maneira que ela vai fazer o relacionamento de uma forma muito genuína com esse cliente. No Brasil, infelizmente, esse trato com o cliente ainda é muito movido a venda, sabe? E, sendo assim, cai um pouquinho essa questão da experiência. A experiência ali para o cliente, de fato, é ele se sentir especial e valorizado. Não se pode olhar apenas para venda, venda, venda, sabe? Então, eu vejo que o varejo ainda tem muito a evoluir, e serviço muito mais.

NVA- Para oferecer experiência ao cliente é preciso, necessariamente, investir em tecnologia? Se sim, quais tecnologias são fundamentais?

JCC – A gente tem que refletir com muita parcimônia quando a gente fala em tecnologia e experiência do cliente, porque, para ser efetiva, a tecnologia tem que ser muito bem usada. Ela facilita em alguns momentos. Por exemplo, no atendimento ela facilita a criação de escala, a triagem, a coleta de dados, o processo de recepcionar pedido e até fazer alguns processos de personalização em massa. Isso é muito bacana, mas a gente não pode esquecer que do lado do consumidor… Existe a necessidade, muitas vezes e para muitos perfis de consumidores, de uma humanização maior na perspectiva desse relacionamento. Porque o consumidor, para sentir a confiança de fato, quer mais proximidade, principalmente em compras associadas a alto valor. Para tudo o que envolve um valor maior associado, há uma necessidade de criar confiança maior nesse processo de prestação. Então essa questão da proximidade através das pessoas ou pelo menos da percepção dessa personalização maior é fundamental. Sendo assim, ter esse senso de saber quando ter tecnologia e quando não ter tecnologia é importante. Um exemplo que gosto de dar vem de quando eu atendi um varejo que possuía algumas lojas com um público mais da terceira idade. A gente não podia, por exemplo, ter uma digitalização no processo de atendimento e relacionamento muito grande, como a gente tem para jovens. Até existem tecnologias voltadas ao atendimento no varejo que são bem interessantes. Há algumas que oferecem um entendimento adicional sobre o produto, mostrando informações técnicas e como ele funciona. Facilita o trabalho do vendedor e facilita o relacionamento deste com o cliente. Mas a chave é saber que experiência do cliente não está necessariamente relacionada à tecnologia. Pelo contrário, se mal utilizada, ela pode piorar a experiência, como eu disse.

NVA – Como surgiu a ideia de desenvolver o curso ‘Estratégia e Gestão da Experiência do Cliente’? Qual é o perfil do público inscrito para as aulas? Muitos varejistas estão buscando capacitação nesse sentido?

JCC – A ideia do curso Estratégia e Gestão da Experiência do Cliente surgiu já faz alguns anos e é fruto do meu trabalho com a experiência do cliente do lado de estratégia empresarial. Eu sou a pessoa que trabalha com a formatação da empresa para ela ser um negócio de experiência. Nesse contexto, eu coleto dados, informações ali da ponta, do pessoal que tem o contato com o cliente, por exemplo, no varejo, e vou traduzir isso em informações estratégicas para a empresa saber realmente o que priorizar a fim de criar uma cadência adequada dessa questão da oferta da experiência. Pensamos toda a parte ali de como a empresa se estrutura em termos de processos e pessoas para ter realmente ali um DNA de experiência muito forte, vendo como a empresa pode ter todas as suas estratégias alinhadas para ter uma percepção de qualidade e valor de fato para esse cliente antes, durante e depois da compra. Então, é um curso em que a gente explora muito essa questão de como é criada a percepção do cliente e como a empresa pode influenciar nisso para aumentar o engajamento e a satisfação do cliente lá no final. Sobre o público, eu, sinceramente, vejo mais serviço buscando experiência do cliente do que varejo necessariamente. O varejo ainda está muito nessa perspectiva de atendimento que, como eu disse, é apenas uma parte. É necessário ampliar essa perspectiva e observar segmentos como restaurantes e hotelaria. Afinal, uma das questões que mais influenciam na satisfação do cliente, no fim das contas, é o ambiente, a ‘cara com que a empresa se apresenta’ – e tudo isso que envolve a percepção que o cliente terá da entrega de qualidade.


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