Preocupação do Right to Repair, telemetria ainda se concentra no nicho de frotas -

Preocupação do Right to Repair, telemetria ainda se concentra no nicho de frotas

Especialistas detalham a tecnologia e apontam barreiras para sua popularização nos carros de passeio de pessoas físicas

Na última reportagem especial do Novo Varejo Automotivo, discutimos os avanços do movimento Right to Repair no Brasil e no mundo, bem como sua relação direta com as novas implementações tecnológicas no universo de automóveis. Naquela ocasião, lideranças do aftermarket apontaram que a combinação de uma produção cada vez mais detalhada de dados sobre questões como defeitos no veículo e desgaste de componentes – e o controle quase exclusivo destes dados por parte dos fabricantes – sejam, talvez, o aspecto mais sensível quando falamos de ampla concorrência no segmento da manutenção e reparo. De acordo com especialistas como a cofundadora da Mobs2, empresa especializada no uso de dados para dar mais eficiência à gestão de frotas, Rebeca Bezerra Leite, este novo momento da conectividade veicular e da manutenção preditiva tem sido impulsionado por uma tecnologia específica: a telemetria. “Ela permite monitorar em tempo real diversos aspectos e seu funcionamento se dá por meio de dispositivos de hardware instalados nos veículos para capturar e transmitir dados para uma central de monitoramento”, conceituou a empresária. Diretores da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) nas áreas respectivas de Tendências Tecnológicas e Eletroeletrônica, Murilo Ortolan e Flávio Sakai contam que, de maneira geral, os dados coletados pela telemetria veicular são utilizados majoritariamente para cinco finalidades específicas:

• Monitoramento de frotas, por meio de sinal de GPS

• Manutenção preditiva • Eficiência e redução de emissões

• Segurança veicular

• Atualizações de Software para melhorias de desempenho, consumo, reparação de falhas

Apesar de vista como ameaça ao amplo acesso às informações veiculares, telemetria está longe da difusão nos carros brasileiros

Tanto a capacidade de prever e avisar de maneira antecipada o motorista sobre eventuais necessidades de reparo, podendo oferecer estes serviços em ‘primeira mão’, quanto o nível de detalhamento do diagnóstico propiciado pelo acesso amplo aos dados são vistos pelo aftermarket independente como elementos capazes de fortalecer um futuro ‘monopólio’ das concessionárias nos segmentos de peças e serviços.

Embora essa seja uma preocupação real e legítima para o mercado de manutenção independente nos próximos anos, porém, este cenário não pode ser considerado uma ameaça imediata para quem atua na manutenção dos automóveis leves de passeio hoje no Brasil. Afinal, segundo os especialistas ouvidos pela nossa reportagem, a telemetria veicular ainda não está difundida o suficiente nesses carros, sobretudo quando falamos dos adquiridos pelas pessoas físicas. “Ainda tem uma participação limitada nos veículos de passeio no Brasil, bastante concentrada em veículos ‘premium’. Porém, serviços de monitoramento vêm sendo progressivamente introduzidos fora do segmento premium, por meio da implementação da conectividade”, contam Ortolan e Sakai.

Em complemento aos diretores da AEA, Rebeca Bezerra Leite, da Mobs2, afirma que isso acontece pelo fato de haver limitações importantes quando falamos de telemetria para proprietários individuais, limitações estas que incluem fatores como o custo de instalação e manutenção dos sistemas de telemetria, a percepção de privacidade e a falta de conscientização sobre seus benefícios diretos no tocante à manutenção preditiva. O fato de ainda não fazer parte do cotidiano dos carros de passeio do país, no entanto, não significa que a telemetria já não esteja presente em nichos específicos. Neste sentido, a cofundadora da Mobs2, afirma que a tecnologia já é amplamente aplicada em frotas de veículos diversos, com destaque para os caminhões, contribuindo para uma gestão mais eficaz destes transportadores. “Hoje, a telemetria veicular é amplamente aplicada em frotas por suas vantagens na gestão e otimização de custos. Na Mobs2, por exemplo, a utilizamos combinada com tecnologias de inteligência artificial e análise de dados para oferecer uma visão específica e abrangente do comportamento dos motoristas e do desempenho dos veículos”, analisa a gestora, antes de complementar: “Nosso sistema registra tanto dados como localização, velocidade e padrões de condução (emprego da banguela, tempo de inatividade do veículo etc.), quanto também analisa essas informações para fornecer recomendações personalizadas e instruções educativas por meio da Mobs2 School (…) Já para as empresas de seguros, o sistema de telemetria geralmente é usado para determinar a localização do veículo, em virtude do grande número de furtos que acontecem”.

Cultura de manutenção preventiva e falta de renovação da frota são barreiras para a popularização da telemetria nos carros de passeio

No Brasil, dizer que a telemetria no segmento dos veículos de passeio praticamente se restringe à categoria premium significa, na prática, dizer que existe uma distância muito maior para a popularização da tecnologia do que o que se imagina à primeira vista. Afinal, antes de pensarmos em variáveis que pudessem impulsionar uma espécie de ‘improvável massificação dos premiuns’ entre a população, é preciso pensar em formas de impulsionar um movimento de renovar a frota, de modo que carros com tecnologias como a telemetria e a conectividade em geral possam ocupar uma porção maior do total de automóveis que rodam no país.

Além deste fator limitante, ilustrado pelo crescimento contínuo da idade média da frota brasileira, especialistas como Rebeca Bezerra Leite destacam que a falta de uma cultura que reconheça os benefícios da manutenção preventiva também é barreira importante para os incentivos ao avanço da telemetria entre as pessoas físicas. “Quando os motoristas se tornarem mais conscientes dos benefícios relacionados à manutenção preventiva, maior será a economia de combustível e segurança pessoal. À medida que essa cultura avançar, as tendências tecnológicas e o aumento da conectividade dos veículos podem facilitar a expansão”, analisa a especialista, acrescentando que a maior acessibilidade de tecnologias como a telemetria também desempenha papel importante em suas disseminações. Vale pontuar que, quando fala de ‘acessibilidade’, Rebeca Bezerra Leite não se refere apenas à disponibilização da tecnologia, mas também – e sobretudo – ao investimento que ela exige atualmente.

lustrando este cenário que indica que carros conectados com tais recursos ainda são para poucos, os diretores da AEA afirmam que, no atual momento, tecnologias como a telemetria demandam a contratação de assinaturas específicas por parte dos proprietários de automóveis. “Podemos dizer que boa parte das montadoras oferece a conectividade no veículo sem custo adicional durante um período inicial de 6 a 12 meses, em veículos premium, até 36 meses”, afirmam Ortolan e Sakai.

Diretores da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva destacam incertezas globais do Right to Repair

Questionados sobre o impacto do avanço da telemetria sobre o ‘direito de reparar’, isto é, a paridade de condições da manutenção independente em relação a braços vinculados ao fabricante do veículo, Murilo Ortolan e Flavio Sakai chamam a atenção para as incertezas e indefinições que cercam a questão – inclusive em locais como Estados Unidos e Europa, onde a discussão já ganhou mais concretude do que tem no Brasil. “Porém, com o aumento deste tipo de controle e dados do fabricante, a discussão tende a evoluir”, projetam os diretores da AEA. A visão dos engenheiros é muito relevante e acrescenta elementos para o debate no ambiente do aftermarket independente, posto que são profissionais costumeiramente relacionados às montadoras. Segundo os dois profissionais ouvidos por nossa reportagem, esse amadurecimento do debate trará definições importantes não só sobre a ‘posse da informação’ gerada pela tecnologia, mas sobre o nível de detalhamento com o qual essas informações deverão ser disponibilizadas a fim de equilibrar as balanças da segurança e da garantia do direito à ampla concorrência e liberdade de escolha do consumidor. “Acreditamos que o “Right to Repair” obriga a disponibilização do mínimo de informações de diagnose do veículo, mas não de tudo que é disponível em termos de informação do veículo.

Também não entendemos que obrigue as montadoras a fornecer dados de veículos conectados. Apenas informar como extrair e ler o básico de diagnose”, afirmam, antes de finalizar com uma mensagem de cautela: “Este tema é um pouco polêmico, pois muitas informações que rodam nos barramentos dos veículos são utilizadas também para design, performance improvement e etc. Então, caso se abra esta discussão, ela deve ser tratada com muito cuidado”.

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