Presidente da Andap avalia que chegada de competidores como Stellantis pode impulsionar evolução do aftermarket -

Presidente da Andap avalia que chegada de competidores como Stellantis pode impulsionar evolução do aftermarket

Rodrigo Carneiro minimizou clima de preocupação, mostrou confiança na resiliência do setor e antecipa que movimento Right to Repair terá novidades em abril

Nos últimos anos, o aftermarket automotivo tem sido provocado a se reorganizar. Inúmeras novidades tecnológicas, mudanças na dinâmica da cadeia e novos comportamentos do consumidor formaram por muito tempo um tripé que exigiu adaptações importantes dos players em todos os elos da cadeia de negócios do setor. Mais recentemente, porém, segmentos como a distribuição e a reparação passaram a se ver diante de um desafio cuja repercussão ainda é incerta: ações concretas das montadoras em busca de uma fatia maior da reposição. Para repercutir este cenário, que tem a aquisição da DPaschoal pela Stellantis como pano de fundo, conversamos com exclusividade com o presidente da Andap – Associação Nacional dos Distribuidores de Autopeças, Rodrigo Carneiro. Na entrevista, o executivo refletiu sobre os impactos que todas estas transformações têm tido e ainda podem vir a ter sobre o mercado, bem como a maneira com que iniciativas de união como a Aliança do Aftermarket podem impulsionar o setor a novos patamares de eficiência.

Novo Varejo – Dados do último anuário do Sincopeças Brasil capturaram um movimento de consolidação no aftermarket automotivo simbolizado pela diminuição da proporção entre varejo e atacado no mercado. Como representante dos distribuidores, a Andap também identifica este movimento?

Rodrigo Carneiro – Olha, o principal cliente do distribuidor sempre foi e continuará sendo o varejo. Especialmente no Brasil, onde a capilaridade é a característica mais marcante e positiva do mercado independente de reposição. Eu já comentei isso inúmeras vezes, mas é importante repetir: essa característica, a capilaridade, dá à reposição independente cerca de 80% de marketshare na manutenção da frota de veículos do país. Não contesto os números do anuário do Sincopeças. Muito pelo contrário. Mas dou exemplos práticos do quanto o varejo de autopeças alcança lugares em que ele é, muitas vezes, a única opção. Na cidade em que nasci, por exemplo, em Piraí do Sul (PR), não existe nenhuma concessionária. Mas tem loja de autopeças e, claro, tem oficina.

NV – Em resumo, você não se preocupa com uma eventual redução da demanda em determinados elos da cadeia do aftermarket no futuro próximo, fruto de um rearranjo do mercado?

RC – Claro, estamos atentos. O Brasil tem na logística um dos seus principais desafios. Não temos, por exemplo, ferrovias ou hidrovias suficientes para escoar a produção. O país ainda caminha por rodas! Um caminhão que sai da região Sul e vai, por exemplo, ao interior do Maranhão poderá precisar de algum tipo de socorro no trajeto. E o nosso mercado oferece esse socorro por meio do varejo, que é suportado pela distribuição e abastece uma rede de aplicadores. O que acontece atualmente é o que eu chamo de reorganização do mercado, em que as empresas estão trocando de CNPJ por diferentes razões e interesses: questões tributárias, cíveis, de sucessão e por aí vai. Quando falamos de reorganização do mercado, também, é bom pontuar algumas mudanças que o setor promoveu para ser mais eficiente. Se reinventar. Antigamente, um varejista de regiões mais distantes do país, por exemplo, tinha de ter um estoque enorme, pois, por vezes, não contava com nenhum distribuidor na região. Ele comprava de São Paulo e a peça demorava muitos dias para chegar. Hoje, ele consegue ser atendido inúmeras vezes no mesmo dia. Temos também os varejos que abriram centros de distribuição para abastecer as suas lojas colocadas estrategicamente em determinada região depois de um estudo de geomarketing, identificando claramente a dimensão da frota do local. Essa profissionalização, ou reorganização, já havia acontecido em outros setores. Antigamente, as farmácias ficavam na parte debaixo e os seus donos no sobrado, em cima da loja. São mudanças de ‘autorregulação’ e não ameaças.

 NV – Qual é, então, o principal desafio do aftermarket automotivo em meio a essas mudanças que são, acima de tudo, demandadas por uma sociedade que vive um momento de transformação com os avanços cada vez maio – res da tecnologia digital? RC – Eu acho que temos de investir mais, muito mais, em qualificar a cadeia. Nossa cadeia não é suficientemente atualizada. E, que fique claro, estou falando da cadeia produtiva como um todo e não de um outro ou outro elo. Um dos pontos que toco bastante é fato de ainda não termos uma gestão de informação suficientemente clara do varejo para o aplicador, o que é um problema por si só e gera uma série de gargalos que nem cabe citar aqui. Retornamos à questão da reorganização. Quem tem de se preocupar é quem não está se qualificando para competir.

NV – Outro ponto que impacta o funcionamento tradicional da cadeia do aftermarket é o aumento das compras online, sobretudo por parte do consumidor final. As distribuidoras têm se relacionado com este avanço do ambiente digital?

RC – Realmente, a digitalização tem transformado muita coisa e o distribuidor não está isento deste furacão. Todos têm de encontrar formas de participar, multicanalidade é uma realidade. O que eu acho importante dizer, porém, é que a trans – formação não ocorrerá da noite para o dia. Quando esse processo começou, muita gente disse que iria migrar tudo para o digital e ainda não migrou. O ambiente físico tem uma grande participação na Europa, nos Estados Unidos e seguirá tendo. No nosso mercado temos ainda uma particularidade que é a especificidade das peças. Não por acaso um percentual mui – to grande das vendas pelo canal e-commerce ainda retorna por incompatibilidade ou erro – não esqueçam também que a maior parte dessas vendas é de pneus e acessórios. O digital ainda vai evoluir e buscar uma fatia maior do mercado. Mas, de novo, na reposição e em outros segmentos o ambiente físico seguirá sendo protagonista. Vejamos, por exemplo, o caso de redes da linha branca. Eles fizeram um grande processo para priorizar o digital, inclusive fechando várias lojas e transformando outras em showroom. Em pouco tempo, descobriram que as coisas não se substituem. Afinal, a pessoa quer ver a geladeira, o ar-condicionado e etc. Da mesma maneira, o cliente da reposição, incluindo o dono do automóvel, entende razoavelmente de carro, e quer ver o disco de freio, a pastilha do ‘modelo XPTO’. São produtos que interferem diretamente na segurança veicular. Então, resumindo, eu acho que o digital chegou, inclusive com uma intensificação das vendas via WhatsApp. Mas a dinâmica do mercado ainda faz com que as lojas físicas sejam protagonistas.

NV – Em meio a todas essas nuances que comentamos até agora, acredito que o papel das entidades e associações ganha ainda mais relevância no direcionamento dos di – versos players do mercado independente. De que maneira a Aliança do Aftermarket pode contribuir?

RC – Em primeiro lugar, esse movimento de união nos fortalece e nos dá maior representatividade. Além disso, cria uma cultura de colaboração mútua entre os diferentes players do mercado. Não podemos ficar brigando entre a gente para conseguir um espacinho ou outro. Temos de valorizar aquilo que, juntos, fazemos de bom. Essa nova postura promovida pela Aliança nos tem permitido sentarmos juntos para discutir temas que não vinham sendo discutidos na profundidade suficiente. Isso levando em conta que estamos apenas aquecendo os tambores e ainda longe de fazer o som que pretendemos fazer. Conseguimos, com este início de trabalho, avançar em pautas fundamentais como o Right to Repair, movimento que, inclusive, devemos ter novidades oficiais para anunciar publicamente entre março e abril. Estes avanços es – tão sendo possíveis porque, juntos, temos podido alcançar parcerias e articulações com entidades internacionais e, de alguma maneira, aumentar nossa influência junto ao poder político do Brasil. Outra missão que temos é capacitar a cadeia como um todo, algo que ainda precisamos avançar com ações como a Universidade do Aftermarket.

NV – Recentemente, vimos a ofensiva da Stellantis na aquisição da DPaschoal. De que maneira o interesse e os investimentos das montadoras no pós-venda podem mo – dificar a dinâmica do aftermarket?

RC – Ainda não sabemos quais são os planos da Stellantis e como ela vai atuar para que eu possa te dar uma resposta assertiva sobre de que maneira essa chegada à distribuição independente irá afetar não só este elo, mas a cadeia como um todo. O que eu posso dizer é que vai afetar de alguma maneira. Como eu disse lá no começo da nossa conversa, cerca de 80% do marketshare da manutenção automotiva pertence ao mercado independente e é natural que as montadoras queiram participar desse bolo. Mesmo porque, se olharmos os números das vendas de veículos novos não só no Brasil, como na Europa e nos Estados Unidos, observamos uma queda significativa – o que aumenta a pressão sobre as montadoras para buscarem novas formas de receita. Não podemos olhar, no entanto, apenas pela ótica da ameaça. O maior envolvimento dessas montadoras com o nosso mercado irá contribuir para que ganhemos em tecnologia e gestão, bem como acesso a informações, em desenvolvimento e etc. É um player importante que chega ao nosso mercado e merece toda a nossa atenção. E, embora não saibamos de maneira exata como, sabemos que ele vai nos provocar e, provavelmente, acelerar ainda mais aquilo que falamos anteriormente sobre reorganização.

NV – Para fechar, gostaria que você falasse um pouco sobre os planos da Andap para os próximos meses.

RC – Há muitas coisas em que estamos trabalhando, mas você já deve ter percebido que o nosso principal foco é a capacitação. Estamos formalizando um movimento sério de fortes investimentos em geração de conteúdo e informação com o intuito de desenvolver competência nos processos de gestão de negócio. Outro ponto muito relevante: estamos finalizando a estruturação de um programa de sucessão e governança. Não dá mais para ignorar essas questões. Nossa ideia é for – mar um grupo de trabalho para que as novas gerações se organizem, sem pauta definida, para debaterem seus planos para as empresas e seus acionistas. O papel da Andap será dar suporte e provocar: o futuro do negócio é deles, como pretendem conduzi-lo? Tudo já está muito bem estruturado e pretendemos anunciar oficialmente em breve


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