Presidente da Anfavea expressa apreensão do setor com momento político brasileiro -

Presidente da Anfavea expressa apreensão do setor com momento político brasileiro

A imagem do país já não é boa e esses últimos eventos criam maiores preocupações para nossas matrizes”, diz Luiz Carlos Moraes

Lucas Torres [email protected]

Um desarranjo mundial da cadeia produtiva promovido pela pandemia da covid-19 tem afetado o setor automotivo em diversas frentes desde o segundo trimestre de 2020. Da falta ao encarecimento de insumos ligados à indústria de transformação, com destaque para o aço, na metade do ano passado até a grave crise dos semicondutores que promete impactar o setor até o segundo semestre do próximo ano, muitos foram os obstáculos que culminaram na estimativa de perda de até 7 milhões de veículos a serem produzidos mundialmente em 2021.

Não bastasse a hostilidade do ambiente internacional, o Brasil conta com barreiras adicionais como fatores limitantes para a retomada de um ritmo sustentável do setor. Essas questões adicionais estiveram no centro da entrevista coletiva concedida pelo presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, no último dia 8 de setembro.

Na ocasião, o dirigente mostrou uma preocupação profunda da entidade diante da desorganização político-institucional do país – destacando, entre outros fatores, seus efeitos sobre o aumento do custo de produção das indústrias locais a partir de fuga de capital externo e a consequente desvalorização cambial.

Diante do importante posicionamento de Moraes e do momento extremamente delicado enfrentado pelo setor, o Novo Varejo traz nesta edição alguns dos principais assuntos tratados por Luiz Carlos Moraes na entrevista com a imprensa brasileira.

Tema – Piora da previsão sobre a produtividade da indústria automotiva mundial em 2021.

Luiz Carlos Moraes – O setor automotivo pode perder entre 7 e 9 milhões de unidades em 2021, número que é superior à estimativa anterior, que girava entre 5 e 7 milhões no levantamento que divulgamos na última coletiva, em agosto. Essa piora ocorreu em razão do aumento das preocupações em torno da variante delta do novo coronavírus, bem como da ocorrência de fenômenos como nevadas e até incêndios que impactaram fábricas importantes no último mês. Tudo isso se somou às questões já conhecidas, com destaque para a falta de semicondutores. Ou seja, se criou uma tempestade perfeita para a piora da perspectiva.

Tema – Os problemas enfrentados pelo setor automotivo brasileiro durante os últimos dois anos.

LCM – Estamos enfrentando um momento de muitos desafios no nosso setor automotivo. Começamos o ano com falta de insumos e aumento de custos de itens como aço e resinas – além do atraso de navios e a alteração do fluxo dessas embarcações em geral. Tudo isso se somou a dificuldades que tivemos com contêineres e um frete aéreo muito alto pelo aumento da demanda deste tipo de transporte. Hoje nosso principal problema são os semicondutores. Imaginava-se que no terceiro trimestre deste ano o problema envolvendo estes componentes seria menor. Mas, de acordo com estudo da BCG, ele ainda continua muito grande. A nova visão é que a normalização se dê no segundo semestre de 2022. Como resultado disso tudo, trazendo para a realidade do Brasil, devemos ter perdido cerca de 100 a 120 mil unidades no primeiro semestre. E a nossa estimativa é que no final do ano a gente deva perder entre 240 e 280 mil no que diz respeito à produção de veículos.

Tema – Preocupação com a inflação em escalada no país e seu impacto na venda de automóveis

LCM – Temos uma preocupação com a inflação e ela está vindo mais forte ainda do que a gente imaginava, com altas do IPA em 37%, IGP 31%, IPCA em 9% no acumulado dos últimos 12 meses. É uma inflação que alguns consideravam pontual, mas que agora parece que veio de forma mais intensa e mais resistente. Isso provoca uma necessidade do Banco Central reagir com o aumento da taxa de juros, que pode chegar até o final do ano em 8%. Por consequência desse inevitável aumento da Selic, temos como efeito rebote o aumento das taxas incidentes sobre o CDC – que é o principal instrumento de financiamento do nosso cliente. Hoje a taxa desses financiamentos já está em 22% e pode chegar a 26%, o que é muito alto.

Tema – Taxa de câmbio e a influência da crise político-institucional na desvalorização da moeda.

LCM – Nos preocupa também a questão da taxa de câmbio, acima dos R$ 5,00, que é uma taxa muito alta. Alguns especialistas que ouvimos, aliás, afirmam que nosso volume de exportações, sobretudo do agronegócio, deveria ser suficiente para colocar a taxa em torno dos R$ 4,02, a despeito das dificuldades trazidas pela pandemia. Portanto, a taxa de câmbio está R$ 1,00 acima do que ela deveria ser em uma situação normal. E, parte disso, decorre dessa instabilidade que a gente está vivendo no Brasil já há algum tempo. A situação é tão preocupante que temos informações de que até mesmo empresas não estão trazendo dólar para o Brasil. Estão deixando em contas lá fora. E, se elas estão fazendo isso, é porque existe uma percepção de risco importante sobre o país.

Tema – Preocupações com o ambiente social do Brasil LCM – Todos esses indicadores econômicos, somados à crise políticoinstitucional, nos preocupa bastante. Temos muita gente desempregada nesse país, quase 20 milhões de pessoas juntando os desalentados (os que desistiram de procurar emprego). Vemos pessoas passando fome e muita gente morando nas ruas nas principais cidades do Brasil. Essa é questão que também está no nosso radar e nos preocupa, porque – como setor automotivo – estamos fazendo nossa parte. Apesar da crise dos semicondutores e das dificuldades logísticas, estamos mantendo o emprego e tentando atender a demanda. Além de tentar aumentar nossas importações. Não nos cabe dizer como isso vai ser resolvido. Mas, do ponto de vista jurídico, a gente espera que o Supremo Tribunal Federal encontre a solução. Assim como, do ponto de vista político, que o Congresso tenha a decisão mais sábia possível, ouvindo a sociedade. A imagem do país já não é boa, esses últimos eventos criam maiores preocupações para nossas matrizes.

Tema – Relação da Anfavea e do setor automotivo com o Governo Federal

LCM – Da nossa parte, as negociações junto ao Governo Federal continuam em andamento. A gente tem preocupação que a reforma tributária tenha algum atraso – assim como outros projetos relevantes – e isso dificulte as reformas que a Anfavea sempre defendeu. Vamos continuar contribuindo com sugestões para a reforma tributária, para a melhora do ambiente de negócios e pela redução do ‘custo Brasil’. Continuaremos contribuindo para o país.

Tema – Engajamento da Anfavea na pauta da descarbonização do setor automotivo

LCM – Uma das pautas que temos articulado junto aos ministérios do atual governo é a da descarbonização da frota. Recentemente, lançamos um estudo chamado ‘Caminho da descarbonização do sistema automotivo do Brasil’, um trabalho de muita substância que desenvolvemos junto à consultoria BCG. Nos próximos dias, vamos nos reunir com o Ministério de Minas e Energia para discutir este tema que para nós é bastante relevante.


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