Claudio Milan claudio@novomeio.com.br
Foram muitas as batalhas perdidas nos últimos anos por falta
de representatividade. Embora nosso aftermarket automotivo
seja o quarto maior do mundo, o setor sempre esteve em
desvantagem na defesa de seus legítimos interesses junto às
esferas do poder.
Com a união decretada em 16 de agosto – concretizada por
meio da Carta de Fortaleza, divulgada um dia antes da abertura
da Autop, a feira de autopeças do Ceará – as associações que
congregam entidades de representação do mercado esperam
mudar este cenário.
A partir de agora, as ações serão definidas em conjunto, por “um
só corpo”, como diz Ranieri Leitão, presidente do Sincopeças
Brasil, Sincopeças Ceará, Assomotos e Assopeças. Liderança
de grande influência no Nordeste brasileiro – e no país como
um todo – Ranieri foi um dos convidados do Diálogo Automotivo
em agosto, programa da a.tv, o canal de conteúdo em vídeo do
mercado de manutenção veicular.
A entrevista a seguir traz um resumo da conversa que tivemos
com ele ainda durante a realização da Autop – e cuja íntegra
você pode assistir em youtube.com/c/ATVmidia
Novo Varejo – Um dos temas mais importantes do mercado
neste momento é a Carta de Fortaleza. O que este
documento representa?
Ranieri Leitão – A carta representa muito para mim, para
todos nós e o setor automotivo como um todo. Eu acrescento que era meu grande sonho, que a gente pudesse se desnudar
de toda vaidade, todo orgulho e termos o setor trabalhando
unido, todas as entidades nacionais. Essa oportunidade
chegou e a gente tem que abraçar com garra e levar à frente
nosso projeto para encontrarmos soluções para os problemas
do setor em todo o Brasil.
NV – Como esta união irá proporcionar na prática a
representatividade, inclusive nas esferas políticas, que o
mercado tanto precisa?
RL – Até então, o que acontecia? O Sincopeças Brasil fazia
suas ações, o Sindirepa fazia as dele, assim como Andap,
Sicap e Conarem, e a gente pouco conversava sobre elas.
Nós encontramos esse caminho para unir as ideias, estarmos
juntos nas ações que vamos realizar. Em todas as ações do
Sincopeças Brasil daqui pra frente – ou o Sincopeças de algum
estado – a gente vai se comunicar com o grupo, que chamamos
União Brasil, e não é o partido político.
NV – A união dará origem futuramente a uma nova entidade
nacional? Haverá um porta-voz para representar o grupo?
RL – A individualidade de cada entidade vai prevalecer. Porém,
o que a gente vai prospectar de ideias será o momento em que
teremos que nos comunicar, para que todos falem a mesma
língua. O que a gente precisa? Que o poder público entenda
que somos um corpo só, que estamos fazendo pelo setor como um todo. Tudo o que eu for fazer daqui pra frente eu vou fazer
possibilitando que meus pares possam perceber meu trabalho
e a gente faça as coisas acontecerem juntos. É interessante o
que o Sindirepa ou o Sincopeças está fazendo? Então vamos
fazer juntos. É só assim que seremos vistos e lembrados pelo
poder público. Não tem outro jeito. Nós não temos padrinho
político nacional. Não temos um congressista eleito pelo setor.
Então precisamos mostrar que estamos unidos, é preciso que
sejamos vistos. E como o Rodrigo Carneiro diz, temos que parar
com essa ideia de ser vira-lata. A gente tem um setor importante
para a economia do Brasil, nós somos o quarto mercado de
aftermarket do mundo. Isso é muito importante. E temos que
aproveitar, pensar grande. E pensar juntos. Com isso a gente
cria uma ambiência que vai fortalecer o setor, eu não tenho
dúvida disso.
NV – O próprio mercado em grande parte não tem consciência
de sua importância para o país.
RL – Essa grandeza precisa ser vista. Primeiro por nós. Temos
que ser vistos e lembrados como um setor forte, representativo,
que paga seus impostos, que contribui para o Brasil crescer.
E na hora em que o poder público enxergar a gente dessa
maneira, estaremos surfando, nadando de braçada para
alcançar nossos objetivos.
NV – Quais são as principais pautas do aftermarket
automotivo hoje?
RL – Em minha opinião – e eu não quero convencer, mas
combinar com nossos amigos – a inspeção técnica veicular é
uma pauta importante. É necessário que o Brasil pense nisso.
Eu acho que, assim que passar a eleição, temos que ir a Brasília
e buscar a solução para esse problema. Até porque nós temos
um álibi em relação à ITV: podemos contribuir com a redução
dos custos para a saúde do Brasil se tivermos a ITV. A segunda
pauta é o direto à reparação. Isso é de comum acordo entre
nós. Precisamos encontrar uma solução para termos o direito
à reparação. Para que nossas oficinas possam trabalhar
normalmente sem precisar passar o chapéu nas montadoras
e nas concessionárias. Isso é ridículo. Porque nós somos tão
fortes quanto eles; aliás, nossas oficinas são mais aparelhadas
do que as oficinas das concessionárias. Então por que esconder
esse jogo da gente? O dono do veículo não tem interesse que o
jogo seja ditado pra ele, ele quer escolher a oficina em que vai
levar o carro. E a montadora tem que entender isso.
NV – Mas as montadoras têm um lobby muito forte. Como se
combate isso?
RL – Eu tenho dito sistematicamente que a única forma de
combater lobby é o setor estar unido. Para que o poder público
possa entender que somos um corpo só. Que a gente fala a mesma língua. Que a gente não quer nada pra nós, queremos
para o nosso povo.
NV – Como vai o mercado de reposição no Ceará?
RL – Está muito aquecido. Hoje, em determinadas oficinas,
leva uma semana para agendar um horário. Estão lotadas.
As autopeças estão vendendo bem, os distribuidores estão
vendendo bem, está todo mundo satisfeito. Há alguns
problemas, como a falta de determinadas peças, e alguns
carros, com isso, ficam ocupando espaço nas oficinas. Mas é
passageiro, acredito que logo iremos superar. O fato é que os
motores estão aquecidos.
NV – Uma questão muito importante no mercado de reposição
é o treinamento, tanto técnico quanto de gestão. Quais são
as ações de todo o sistema que você comanda no Ceará em
favor do aprimoramento das pessoas do setor?
RL – Nós temos uma responsabilidade e não abrimos mão disso.
É a qualificação, tanto dos gestores quanto dos profissionais.
No Ceará, de segunda a quinta-feira nós temos todas as
noites qualificação no nosso sistema Sincopeças Assopeças
Assomotos. Pelo menos umas 80 pessoas são treinadas por
dia, geralmente são cursos de uma semana. E o que mais me
dá prazer é perceber as empresas melhorando a qualidade
na gestão. Nada me dá mais satisfação do que chegar numa
empresa e o empresário me dizer que graças ao nosso trabalho
ele está positivo no banco e comprando a vista. Não tem coisa
melhor do que isso. É o combustível que me move.
NV – Uma questão que vem sendo debatida pelo aftermarket
é a Substituição Tributária para autopeças. Alguns estados
já saíram do regime e essa diferenciação vem causando
discrepâncias no mercado. Qual é o impacto da ST hoje
para o setor?
RL – Eu sempre tenho dito a meus pares que não é fácil a
gente sair de um regime de tributação. Fica muito mais fácil
se a gente conseguir conscientizar o poder público e as
secretarias das fazendas dos estados sobre a necessidade de
baixar as alíquotas das Margens de Valor Agregadas. Porque
a Substituição Tributária não é o percalço. Ela é interessante,
porém a fome da tributação é que faz mal ao nosso setor.
Aqui no Ceará nós conseguimos com o apoio do governador,
sensibilizando o secretário de Fazenda, que nós teríamos que
ter uma MVA menor. No Brasil nós temos hoje uma MVA média
de 90% a 95%. Nós conseguimos que no Ceará fosse 40%,
além do benefício fiscal que a gente tem aqui. Isso é algo que
nós conquistamos sensibilizando nossos governantes para
que eles pudessem enxergar que quanto menor fosse a carga
tributária maior seria a arrecadação. E nós provamos que isso
era verdade e conseguimos. Reduziu-se a carga tributária do Ceará e tivemos ganhos nos tributos dentro do estado. Como
se explica isso? As pessoas param de sonegar. Perceberam
claramente que com uma carga tributária menor, se sonegava
menos. E a prova taí.
NV – Você entende que se justifica a concessionária ter
uma Margem de Valor Agregado diferente do mercado de
reposição independente?
RL – Não justifica. Por mais que eles tentem se justificar, não
entra na minha cabeça essa condição. Eles dizem que há
um by pass, uma etapa a mais, mas essa não é a verdade.
Até porque a gente sabe perfeitamente que muitas fábricas
de autopeças passam para as montadoras um preço bem
diferente daquele que passam para o mercado de reposição.
Não estou falando mal de nenhuma fábrica, e também não
estou falando mal de nenhuma montadora, só estou dizendo
que é indigesto aceitar que a concessionária tenha carga
tributária menor do que o mercado independente. Aqui no
Ceará, por exemplo, enquanto nosso mercado paga 40%
de MVA as concessionárias pagam 26,5%. Tá errado e
eu tenho batido sistematicamente nisso, e vou continuar
batendo, sempre.
NV – Um tema sensível para o varejo de autopeças hoje é a
digitalização, que foi bastante acelerada durante o pico da
pandemia. Como vai esse processo no Ceará?
RL – Nós estamos muito atrasados. E eu tenho dito sempre
aos empresários do nosso setor que eles precisam colocar
um olho nas plataformas de marketplace. Queira ou não, essa
moçada jovem que está aí, acostumada ao mundo digital, vai
continuar comprando no digital. Não tem mais como retroagir.
É questão de tempo para as pessoas se adaptarem. E eu
acho que o nosso mercado tem se adaptado. Ainda bem que
nosso mercado é diferente de alguns outros, o que justifica
a procura pela loja física. Existem especificações na hora de
comprar uma mercadoria que, se você não observar com muito
cuidado e zelo, compra errado. E a gente vê isso no dia a dia
dos consumidores que compram pela internet, levam a peça
para a oficina e, chegando lá, a peça está errada. Em minha
opinião, tem que ter esses dois mundos no nosso setor, a loja
física vai continuar, mas também vai ter que ter a loja digital.
NV – A publicação da norma ABNT para os vendedores
de autopeças foi uma conquista importante para o varejo.
Como tem sido a adesão dos profissionais a esta norma?
RL – Como é uma ação muito recente, a gente precisa, primeiro,
procurar sensibilizar os empresários e os profissionais do
setor para a grande importância desse documento. Eu creio
que a partir de agora é outro timing para as empresas terem
profissionais mais bem qualificados. É um trabalho nosso do dia
a dia, vamos fazer esse trabalho, e vamos procurar entidades como, por exemplo, o Sebrae, que possam apostar nessa
ideia e contribuir com as empresas, diminuindo os custos das
empresas para poder potencializar a normalização dos seus
trabalhadores. Quero dizer para todos que invistam nesse
projeto, façam com que sua equipe se transforme, só você
empresário pode aderir a isso e contribuir para sua empresa
ter uma gestão mais eficiente. Gestão eficiente é com pessoas
eficientes, profissionais mais qualificados e a norma está aí
para atender, o apoio do IQA está aí para trazer a solução pra
gente, o Sebrae vai nos ajudar.
NV – Entramos no período de campanha eleitoral e em
seguida virá a Copa do Mundo. O ambiente estará agitado
daqui pra frente. Qual é sua perspectiva para os próximos
meses e para o ano que vem?
RL – Eu sempre tenho expectativa boa porque eu acredito
na força do trabalho. Principalmente agora, com a Carta de
Fortaleza, eu espero que estejamos verdadeiramente unidos
e possamos avançar com nossas propostas. Vamos levar
nossas propostas para o próximo presidente da República,
vamos atuar mais fortemente no Congresso Nacional para
que possamos ter mais voz e conseguir nossos objetivos. Eu
acredito no nosso setor e na força do empresário de autopeças.